Na Grécia, especuladores saíram de cena sem perder um centavo
Recentemente FMI admitiu que as políticas em vigor no país nos últimos três anos se revelaram "fracassos flagrantes"
As políticas econômicas impostas pela manutenção do euro ainda são compatíveis com as práticas democráticas? A televisão pública grega foi criada no fim de uma ditadura militar. Sem autorização do Parlamento, o governo que executa em Atenas as ordens expressas da União Europeia (UE) escolheu substituir o canal por uma tela preta. Enquanto espera que a Justiça grega suspenda a decisão, a comissão de Bruxelas poderia ter lembrado os textos da União, segundo os quais “o sistema de audiovisual público dos Estados-membros está diretamente ligado às necessidades democráticas, sociais e culturais de qualquer sociedade”. Ela preferiu legitimar o golpe de força alegando, no dia 12 de junho, que esse fechamento se inscrevia “no contexto dos esforços consideráveis e necessários que as autoridades realizavam para modernizar a economia grega”.
Os europeus tiveram a experiência de projetos constitucionais rejeitados pelo sufrágio popular, mas que, ainda assim, foram aplicados. Eles se lembram dos candidatos que, depois de terem se comprometido a renegociar um tratado, o fizeram ser ratificado sem que, no meio-tempo, uma vírgula tenha sido alterada. No Chipre, eles quase sucumbiram à retirada autoritária de todos os seus depósitos bancários.1 Uma etapa suplementar acaba de ser agora ultrapassada: a comissão de Bruxelas lava as mãos a respeito da destruição das mídias gregas que ainda não pertencem a grandes grupos econômicos se isso permitir a demissão imediata de 2,8 mil trabalhadores de um setor público que ela sempre execrou – e, desse modo, manter os objetivos de supressão de empregos ditados pela Troika2 a um país onde 60% dos jovens estão desempregados.
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Essa obstinação coincide com a publicação pela imprensa norte-americana de um relatório confidencial do Fundo Monetário Internacional (FMI) que admite que as políticas em vigor na Grécia nos últimos três anos se revelaram “fracassos flagrantes”. Trata-se de um equívoco unicamente imputável a previsões de crescimento embelezadas? Sem dúvida que não. Segundo a interpretação feita pelo Wall Street Journal de um texto extremamente prolixo, o FMI confessa que uma “reestruturação imediata [da dívida grega] teria sido melhor para os contribuintes europeus, pois os credores do setor privado foram integralmente reembolsados graças ao dinheiro que Atenas pegou emprestado. A dívida grega então não foi reduzida, mas agora é devida ao FMI e aos contribuintes da zona do euro, em vez dos bancos e dos fundos especulativos”.3
Assim, os especuladores saíram de cena sem perder um centavo dos empréstimos que tinham concedido a Atenas com taxas de juros astronômicas. Concebemos que tal maestria em roubar os contribuintes europeus em proveito de fundos especulativos confere uma autoridade particular à Troika por martirizar um pouco mais o povo grego. Mas, depois da televisão pública, não restam hospitais, escolas e universidades que poderíamos fechar sem maiores problemas? E não somente na Grécia. Pois é apenas a esse custo que a Europa inteira manterá sua posição na corrida triunfal em direção à Idade Média…
* Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).
1 L er “La leçon de Nicosie” [A lição de Nicósia], Le Monde Diplomatique, abr. 2013.
2 Constituída pela UE, pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Central Europeu (BCE).
3 “IMF concedes it made mistakes in Greece” [FMI admite que cometeu erros na Grécia], The Wall Street Journal, Nova York, 5 jun. 2013.
