Domingo, 13 de julho de 2025
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O presidente tinha uma difícil decisão a tomar. A guerra vinha recrudescendo há bastante tempo. Os Estados Unidos e seus inimigos distantes vinham lutado por um acordo – mas, enquanto isso, pessoas continuavam morrendo. A maioria era de civis locais, mas muitos soldados norte-americanos, assim como aliados locais e forças inimigas, também foram mortos. Durante anos, o governo e a mídia relataram possíveis ameaças de inimigos internos que levaram pessoas a níveis elevados de medo – altos o suficiente para que muitas pessoas tivessem aceitado o ponto de vista de que “temos de enfrentá-los lá para não ter de combatê-los aqui”.

Alguns grandes políticos queriam que o povo norte-americano acreditasse que a guerra iria mantê-los seguros. Que era necessário. Talvez até que fosse uma boa guerra.

No entanto, como a guerra continuou, surgiram dúvidas. As pessoas já tinham começado a colocar o medo de lado. Quase ninguém acreditava mais que a guerra estava acontecendo para mantê-los seguros.

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E, ainda assim, alguns na cúpula militar insistiram de maneira ainda maior que não só a guerra continuava a ser necessária para segurança do país, mas que era necessário um aumento dramático de estratégia militar – incluindo o envio de muito mais tropas. Membros do governo começaram a questionar os generais. O principal comandante militar se mobilizou para implantar o seu plano de guerra pessoal – persuadindo os membros do Congresso a apoiar sua própria estratégia, minando os esforços diplomáticos do presidente, mobilizando o apoio internacional para uma política de escalonamento que o chefe de Estado não tinha aceito. O general era muito popular no país, especialmente entre os republicanos, e o presidente era um democrata. Mais perguntas vieram à tona. Vazamentos e relatórios indicaram que o próprio presidente não tinha certeza de se seu principal general estava certo.

Uma pesquisa nacional perguntou às pessoas: “Você acha que os EUA cometeram um erro ao ir à guerra, ou não?”. Foram 49% que responderam “sim, foi um erro”. Apenas 38% disseram que não.

O presidente lembrou ao general que, segundo a Constituição dos EUA, o presidente é o comandante supremo das forças armadas, e não qualquer oficial fardado. Ele disse ao general que questionava o apelo para um perigoso aumento nas forças em combate. O general insistiu que a sua estratégia era necessária, e continuou a campanha pública para a aumentar a intensidade do conflito.
Então o presidente exonerou o general.

O ano era 1951. A guerra foi na Coreia. O presidente Harry Truman demitiu o general Douglas MacArthur. Os republicanos e grande parte da mídia enlouqueceram. Mas o governo eleito nos EUA manteve o controle civil sobre os militares norte-americanos. Os EUA não aumentaram seus esforços de guerra nem invadiram a China. E a Terceira Guerra Mundial não aconteceu.

Atoleiro

Quase 60 anos depois, o presidente Obama exige novas opções para o Afeganistão, considerando insuficiente a escolha limitada que seus generais haviam oferecido: aumentos de tropas de pequeno, médio e grande porte. Ele aparentemente desafiou o general McChrystal, seu comandante escolhido a dedo, que exigiu mais de 40 mil soldados a mais. O principal diplomata de Obama no Afeganistão se opõe ao aumento. Influentes diplomatas e parlamentares são publicamente contra, com muitos apelos para a retirada. Entre a opinião pública norte-americana, 59% se opõem ao envio de mais tropas. Isso inclui 28% que querem todas as tropas fora e 21% que apoiam uma retirada parcial. E 52% acreditam que a guerra no Afeganistão já virou um atoleiro no estilo vietnamita.

E ainda estamos prestes a testemunhar o mais alto discurso de guerra do presidente Obama – anunciando um grande aumento de contingente no Afeganistão. Ele terá jovens cadetes de West Point, que foram mobilizados como plateia com ordens para fazer claque – anunciando seu avanço maciço, porque não há público, a não ser o exército ou uma multidão contratada de militantes republicanos, que poderiam comemorar a guerra de Obama.

A maior parte das razões para a crescente oposição à guerra no Afeganistão é familiar:

1) A guerra (contra quem exatamente? Al Qaeda? Talibãs? Todos que se opõem ao governo corrupto do Afeganistão que os EUA reivindicam como “nosso lado”?) não pode ser vencida militarmente, e o envio de 32 mil a 34 mil novos soldados não vai mudar isso.

2) A mudança para uma estratégia de contra-insurgência não funciona quando não há governo legítimo para construir o apoio. Se fazer torcida para o regime corrupto de Cabul é tudo que os EUA conseguem oferecer, uma contra-insurgência “bem sucedida” significará construir apoio local para a ocupação norte-americana permanente.

3) A guerra está causando muitas mortes afegãs e muita destruição para um país que já está devastado – e, além do custo humano, as gerações de afegãos, paquistaneses e os seus vizinhos vão continuar a nos odiar como ocupantes estrangeiros.

4) O custo da guerra no os EUA – as vidas de nossos jovens soldados, a credibilidade do nosso país e o custo para a nossa população empobrecida, é demasiado grande.

Precisamos que o presidente Obama reflita sobre a coragem que o presidente Truman revelou quando se levantou contra o general MacArthur. Mas, em vez disso, é provável que vejamos o presidente Obama concordando com as opiniões do general McChrystal em lugar de defender a sua própria opinião, anunciando um aumento das tropas, junto com algumas palavras suaves de “centrista supremo” sobre parâmetros e uma estratégia de saída no futuro. O avanço começará imediatamente, a saída será “levada pelas condições”, ou “dependente das circunstâncias”, ou “assim que as forças de segurança afegãs estiverem prontas”.

Esse avanço não vai trazer uma vitória militar. Não há solução militar, e estas novas tropas não irão “concluir o trabalho” no Afeganistão. Os números dos EUA e da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) já superam o número de tropas soviéticas no Afeganistão no auge da ocupação que fracassou em meados da década de 1980. Mais tropas não vão ganhar a guerra.

Esse novo avanço provavelmente conduzirá a uma vitória política doméstica – mas não será o presidente Obama que ganhará esse prêmio. Pelo contrário: as conseqüências de aceitar o avanço de McChrystal vão resultar na dependência do presidente de apoio político do Pentágono, dos republicanos e da direita do Partido Democrata, que juntos vão cobrar a dívida como uma poderosa coligação pró-guerra. As forças políticas levaram o presidente Obama ao cargo em uma poderosa maré progressista, antiguerra e de mobilização anti-racista, bem como os seus aliados no Congresso, já estão decepcionados. Este novo avanço está cedendo às exigências dos generais, vai transformar a decepção em raiva e o sentimento de frustração, em um sentimento de traição.

Apoio popular

Uma das principais razões para que a maioria das pessoas (agora são 57% contra a guerra) se sinta traída pela perspectiva de um aumento de tropas no Afeganistão é a consciência dolorosa do impacto desastroso que isso terá sobre os cruciais programas internos que formam o núcleo de Obama, que ainda é amplo, mas cujo apoio popular diminuindo rapidamente. Estamos todos cientes de que o envio de 34 mil novos soldados para o Afeganistão vai custar um mínimo de 34 bilhões de dólares adicionais em um único ano. Esse custo, além das centenas de bilhões a mais já em curso e os gastos de guerra previstos, vai tornar impossível a chance de um programa de empregos ou aprovar a Lei de Livre Escolha do Empregado. Vai deixar o custo de lidar com a mudança climática fora do alcance. Vai tornar a reforma da saúde impossível. Vai fazer com que qualquer novo pacote de estímulo, qualquer novo esforço para reconstruir a economia norte-americana, fique inatingível.

O custo da guerra no Afeganistão vai transformar todas as necessidades de urgência nacional – emprego, saúde, mudança climática – em programas largados à própria sorte, realizáveis apenas se e quando um excedente orçamento mítico se materializar. Esforços reais para começar a reembolsar as obrigações gigantescas – para indenização, reparação, reconstrução real – que temos para com os povos do Afeganistão e do Iraque, nunca terão chance. Só o orçamento da guerra continuará sendo um direito inquestionável.

E, assim, o presidente Obama não irá reprisar a coragem de Harry Truman, mas sim o fracasso de Lyndon Johnson, cuja ousada e ambiciosa “Grande Sociedade” anti-pobreza (1964-65) e os programas de direitos civis foram enterrados na lama do Vietnã.

O presidente Obama esteve agora em Oslo para tentar explicar ao mundo por que merece o Prêmio Nobel da Paz. Não foi fácil. A maioria dos observadores achou que o Comitê do Prêmio Nobel fez sua escolha, em parte, como um gesto de agradecimento ao povo dos EUA, pelo voto ostensivo contra os horrores da guerra e as políticas da Era Bush. Mas, principalmente, o Comitê parecia estar utilizando o prêmio para lembrar ao novo presidente suas obrigações para com o mundo, que exige uma mudança real, onde a paz esteja envolvida. Não invejo quem escreve os discursos do presidente Obama. Aceitar o Prêmio Nobel da Paz, tendo anunciado que 30 mil ou mais jovens, homens e mulheres, estão prestes a ser enviados para matar e morrer por uma guerra ilegítima e já perdida, não foi fácil.

*Phyllis Bennis é diretor do Projeto Novo Internacionalismo do Instituto de Estudos Políticos, em Washington (EUA). Este artigo foi originalmente publicado pelo Transnational Institute.

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