A baixaria que aconteceu no debate de candidatos e candidatas à prefeitura de São Paulo (SP) no dia 15 de setembro na TV Cultura é a expressão máxima da decadência da democracia burguesa no Brasil. Ironicamente, no dia 15 de setembro é celebrado o “dia da democracia”. E neste mesmo dia, a celebrada democracia, na face burguesa, mostrou seu esgotamento civilizatório.
O candidato-coach provocou por diversas vezes o postulante do PSDB, com acusações graves. E apelou para a infantilidade machista, de que ele não era “homem” e que “arregava”. Provocado, o candidato tucano não deixou por menos: deu uma cadeirada no candidato-coach e o debate foi interrompido.
Alguns simbolismos deste episódio:
1 – O debate foi organizado pela TV Cultura, uma instituição que tenta ainda preservar a aura liberal burguesa ilustrada de uma elite paulistana. Inclusive, as regras rígidas do debate tinham como nítido propósito de preservar esta assepsia do espaço.
2 – O candidato que partiu para a agressão é do PSDB, partido que foi criado justamente por representantes dessa elite ilustrada de São Paulo e que, desde o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff em 2016, vem sofrendo um processo de desidratação, a ponto de colocar como candidato um apresentador de programas policiais sensacionalistas.
3 – As regras do debate tinham como objetivo fazer uma discussão dos programas e impedir as agressividades dos debates anteriores. Não adiantou, o episódio da cadeirada foi o mais grave, mas a tônica do debate foram as agressões verbais entre os candidatos.
O candidato-coach que vem protagonizando estas baixarias na eleição de São Paulo é produto desta sociabilidade neoliberal que prega a competição a qualquer custo. Transforma tudo em situações para lacrar nas redes.
Após o episódio da agressão que sofreu, chegou a voltar para o púlpito do debate. Mudou de ideia. Chegou a conversar com um membro da sua equipe de assessoria e resolveu sair, alegando estar passando mal. Segundo informações dirigiu-se até o carro, mas depois foi de ambulância para o hospital. E a sua rede foi povoada de imagens com sua ida na ambulância.
Já o candidato do PSDB afirmou que não se arrependeu do que fez porque estava defendendo a honra de pessoa da sua família. A legítima defesa da honra…
Aos que ficaram indignados com este episódio, lembro outras baixarias nos últimos anos:
– Adesivos ofensivos e machistas contra a presidenta Dilma Rousseff entre 2014 e 2016 e também as ofensas que a presidenta teve que ouvir na abertura da Copa do Mundo de 2014;
– Adesivos ofensivos e capacitistas contra o presidente Lula em 2006 com a imagem da sua mão com o dedo amputado;
– O golpe contra a Dilma Rousseff em 2016 por meio do “impeachment” votado no Congresso em que um deputado federal (que depois seria presidente) celebrou o torturador Brilhante Ulstra;
– As ofensas machistas deste mesmo deputado federal contra a parlamentar Maria do Rosário.
Muitos dos atuais indignados (inclusive jornalistas) passaram pano para estes episódios, normalizando os comportamentos em prol dos interesses que defendem. A baixaria foi se institucionalizando até chegar a esta normalização de se ter um candidato que usa abertamente a estratégia da provocação (e que vem tendo sucesso haja vista a sua popularidade nas pesquisas).
Mais que isto, a baixaria como estratagema se conecta diretamente com a ideologia da competição a qualquer custo. Esta competitividade que obriga motoristas de aplicativos a arriscarem suas vidas – e até desrespeitar normas de trânsito – em busca de uma produtividade cada vez maior; de competidores em reality shows de usar tudo para ganhar prêmios milionários; de grupos políticos usarem a disseminação de fake news para terem sucesso.
Enfim, a democracia burguesa nestes tempos neoliberais esgotou suas possibilidades civilizatórias.
(*) Dennis de Oliveira é professor associado da Universidade de São Paulo, autor dos livros “Racismo estrutural: uma perspectiva histórico-crítica” (Editora Dandara, 2022); “Jornalismo e emancipação: uma prática jornalística baseada em Paulo Freire” (Editora Appris, 2017) e “Iniciação aos estudos de Jornalismo” (Editora Abya Yala, 2022). E-mail: dennisol@usp.br; Instagram: @deoliveiradennis