Os ministros da Defesa da Argentina, Brasil, Bolívia, Colômbia, Chile, Equador, Guiana, Suriname, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela, reunidos em Santiago do Chile uma semana atrás, criaram o Conselho de Defesa Sul-americano (CDS), organismo de diálogo e cooperação política que representa um compromisso histórico de tentar pôr em prática mecanismos de resistência à ingerência territorial e coordenar planos de defesa. A principal aspiração dessas nações é fortalecer, por intermédio desse mecanismo proposto pelo presidente Lula, a confiança mútua e a cooperação em matéria de defesa.
A iniciativa surgiu poucos dias depois que o governo colombiano ordenou o bombardeio de um acampamento das Farc em território equatoriano, o que levou Quito a romper relações diplomáticas com Bogotá. Depois de dez meses de negociações, os países sul-americanos concordaram que o principal objetivo do CDS seria criar uma plataforma de diálogo para evitar confrontos como esse.
Já existem propostas concretas como a apresentada pelo Chile, de implementar uma rede para intercâmbio de informações sobre políticas de defesa e dar transparência sobre dados de dispêndio em armamentos. Na região, os recursos destinados à defesa aumentaram 25% em 2008, cifra recorde na última década de acordo com levantamento feito pelo instituto privado Centro de Estudos para a Nova Maioria, divulgado em Buenos Aires. Os gastos militares atingiram no ano passado cerca de 50 bilhões de dólares frente aos 39,9 bilhões em 2007, cabendo os maiores desembolsos ao Brasil, Colômbia e Chile.
Por outro lado, a Venezuela se comprometeu a organizar um seminário para identificar os fatores de risco e as ameaças que possam afetar a paz regional e mundial e definir os distintos enfoques que hoje prevalecem no que tange ao conceito de defesa. Argentina e Peru se comprometeram a planificar um exercício combinado de assistência em casos de catástrofe ou desastres naturais e a intercambiar experiências sobre o estabelecimento de mecanismos de resposta imediata em face desses episódios.
Antecedente
O único antecedente histórico em nosso continente em matéria de política de defesa conjunta é o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar), firmado em 2 de setembro de 1947 no Rio de Janeiro. A área geográfica de ação desse mecanismo compreende todo o continente – América do Norte, Central e do Sul – e mais 300 milhas (cerca de 500 quilômetros) a partir da costa, incluindo, no norte, a região entre Alasca e Groenlândia, na zona ártica até as ilhas Aleutianas; e no sul, as regiões antárticas. Fazia parte do redesenho geoestratégico após a Segunda Guerra Mundial e dos primeiros passos da Guerra Fria.
Segundo seu artigo 3º, um ataque armado de qualquer Estado contra um Estado americano será considerado como um ataque contra todos os Estados americanos e, em conseqüência, cada uma das partes contratantes se compromete a ajudar a enfrenta-lo. Era o redesenho geoestratégico logo após a Segunda Guerra Mundial, eram os primeiros e ásperos passos da Guerra Fria. O Tiar nunca foi aplicado, apesar das intervenções militares estadunidenses et pour cause em Granada, República Dominicana e Panamá, nem no entrevero entre Equador e Peru, nem mesmo quando Chile e Argentina quase foram às vias de fato e se valeram da intermediação do Vaticano, e não das cláusulas do tratado.
Atualmente, o Tiar se tornou contraproducente, senão letra morta, para as nações sul-americanas que se opõem às políticas ingerencistas dos Estados Unidos – já que, sob este mecanismo, se justificaria a intervenção militar em um determinado país que fosse atacado. Contudo, as grandes potências não pretendem se afastar das questões de defesa. A recente visita do general Mike Mullen, chefe do Estado Maior Conjunto das forças armadas norte-americanas, ao Chile, Colômbia e Brasil mostra que Washington tenta influir e seguirá de perto o processo de fortalecimento do CDS. A Rússia, por seu lado, em gestões com a Argentina, pediu para assistir como observadora às sessões do organismo.
Rusgas
No âmbito do CDS, há rusgas não resolvidas no plano diplomático-militar, como Equador versus Colômbia e os limites marítimos entre Peru e Chile. Conciliar visões e interesses será um longo e trabalhoso quebra-cabeças. Trata-se de um exercício interessante registrar as primeiras impressões dos participantes.
“Não há nenhuma pretensão de criar um exército conjunto nem de se constituir uma Otan do Sul”, disse o ministro de Defesa do Brasil, Nelson Jobim, para quem o objetivo do conselho é seu um fórum de debates para a administração do consenso e também do dissenso. Não obstante, afirmou que “haverá uma política comum de defesa para o continente que incluir a cooperação ante desastres naturais, políticas de transparência em gasto militar e capacitação”.
Nilda Garré, da Argentina, declarou, meio nebulosamente, que a idéia é constituir uma “doutrina comum e âmbitos adequados para resolver os distintos problemas que a região tem e impulsionar a cooperação”.
José Goñi, do Chile, foi além e advertiu que a coordenação em defesa deve apontar para evitar que “situações internacionais, como a crise econômica, afetem as condições de paz e segurança”.
O venezuelano Ramón Carrizales insistiu que o “CDS deve funcionar com estrito respeito à integridade territorial e a soberania dos países”.
O colombiano Juan Manoel Santos, que na semana passada insistiu em defender a doutrina bushiana da guerra preventiva ao terror, abraçando o direito de atacar as Farc ainda que estejam em território de outros países, ressabiado declarou que o “Conselho de Defesa Sul-americano não é contra ninguém”, descartando um enfrentamento com os Estados Unidos.
Preocupado, Javier Ponce, do Equador, correu para introduzir na declaração final um tópico em que os ministros “reiteram respeito à soberania, à integridade e inviolabilidade territorial”. Fundamentou seu pedido exclamando que a “política de extraterritorialidade da Colômbia não cabe num conselho com a natureza deste”.
* Max Altman é advogado, jornalista e presidente do Comitê Brasileiro pela Libertação dos 5 Patriotas
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