No dia 16 de agosto os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) acompanharam a decisão do ministro Flávio Dino de suspender a execução das emendas individuais impositivas até que deputados e senadores dêem mais transparência aos repasses dessa modalidade. A Procuradoria-Geral da República protocolou em julho, no STF, treze investigações preliminares que tratam de suspeitas relacionadas a irregularidades no uso de emendas parlamentares. Foi em 2019, por meio da Emenda Constitucional nº 105, que foram flexibilizadas as condicionantes para liberação das emendas individuais, tendo sido criada até mesmo uma nova modalidade, as transferências especiais. É através delas que os parlamentares destinam recursos diretamente para o caixa de estados e municípios sem necessidade de formalização prévia de convênios, apresentação de projetos ou aval técnico do governo federal. É um processo tão simplificado que essa nova categoria foi apelidada de “Emenda PIX”.
Quando foi aprovada a Emenda Constitucional nº 105, parlamentares justificaram que as transferências especiais seriam benéficas aos estados e municípios por serem menos burocráticas. Em 2020, no primeiro ano de implementação dessa modalidade, elas somavam 620 milhões de reais. Já em 2023, o montante subiu para impressionantes 6,75 bilhões, compondo um terço das emendas individuais. Se volume e facilidade são elementos presentes nas emendas PIX, certamente transparência não é: entre 2020 e 2023, 10,4 bilhões de reais foram utilizados neste tipo de emenda sem que haja destinatário final especificado na Lei Orçamentária Anual (LOA). Além disso, o uso desses recursos não é fiscalizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que em março de 2023 decidiu que o acompanhamento cabe aos “sistemas de controle locais” , ou seja, estados e municípios.
As emendas impositivas, sejam elas as de bancadas, individuais com finalidade definida ou as de transferência especial (emendas PIX), são uma forma pela qual deputados e senadores conseguem enviar verbas para obras e projetos em suas bases eleitorais e, com isso, ampliar seu capital político. A prioridade dos membros do Congresso, porém, é atender seus redutos eleitorais, e não as reais necessidades nacionais mediante um plano sistematizado de prioridades e metas para o desenvolvimento do país. Ao analisar os procedimentos das Emendas PIX, a ONG Transparência Brasil verificou que o mecanismo favorece o mau uso de recursos públicos por ser: 1) opaco nos dados disponibilizados mediante transparência ativa; 2) direcionado a municípios de menor porte, onde mecanismos internos e externos de controle são vulneráveis; 3) utilizado mesmo por prefeituras que estão com irregularidades junto ao Cadastro Único de Convênios (Cauc), da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), e Cadin (Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal); 4) desobrigado de prestação de contas pelos beneficiários.
Se em algum momento nas prerrogativas legais estabelecidas para a administração pública brasileira havia a ideia de que enquanto o Executivo deveria planejar e implementar o planejado, o Legislativo deveria impor limites e cobrar resultados ao longo dos processos de elaboração e execução das leis orçamentárias, fiscalizando integradamente as contas e as políticas públicas, o que se percebe hoje é que, via as emendas parlamentares, o orçamento público, além de comprimido pelo novo arcabouço fiscal e pelos elevados juros da dívida pública, é cooptado por ações parlamentares que só visam barganhar poder com o governo federal. A professora Élida Graziane Pinto fez um apontamento importante, de que o montante destinado às emendas parlamentares no orçamento federal de 2024 e nas projeções das diretrizes orçamentárias de 2025 (PLDO-2025), é de aproximadamente 50 bilhões de reais, próximo ao quanto o Banco Central estima ser a repercussão de uma eventual redução de 1% (um ponto porcentual) na taxa Selic sobre a dívida líquida do setor público — 51,1 bilhões. Fica claro o tamanho do impacto de tais emendas ao orçamento público.
E mesmo que as medidas negociadas no dia 20 de agosto entre as cúpulas do Congresso Nacional, do STF e integrantes do governo Lula sejam respeitadas, o fato é que continuará havendo a liberação do mecanismo aos congressistas, mediante o estabelecimento de algumas fracas diretrizes, das quais pode-se destacar as seguintes: as emendas individuais ficarão mantidas e continuarão impositivas, mas deverão estar associadas a algum projeto, e também ter transparência; as emendas de bancada não poderão mais ser individualizadas, ou seja, destinadas ao favorecimento das indicações de cotas pessoais dos deputados, e serão obrigadas a fomentar projetos estruturantes (despesas de capital); e as emendas de comissões não poderão ser individualizadas para atender pedidos específicos dos deputados em comissões, e deverão ser destinadas por consenso para projetos de origem no Executivo e de caráter nacional e estruturante.
Assim, ainda que o governo Lula tenha conseguido reduzir as perdas no orçamento ao vincular os recursos de emendas de bancada e comissões a projetos de iniciativa do Executivo – portanto que se enquadram dentro do planejamento –, e que tenha havido uma evolução na obrigatoriedade de transparência e fiscalização, o fato é que a maior parte do montante das emendas continuará disponível para os deputados comprarem apoios e abastecerem até mesmo entidades privadas, como ONGs. Isto é, a lógica da barganha rotineira, fundamental aos setores mais fisiológicos do Congresso para manutenção dos seus incentivos provincianos em troca de base política, segue firme e forte.