Yanis Varoufakis e as tarifas
Yanis Varoufakis (YV) diz que a “paz duradoura” na Ucrânia é uma “cortina de fumaça” para disfarçar uma nova divisão do mundo, enquanto a “guerra tarifária” é uma poderosa distração para proteger a implementação do “grande plano” de Trump em defesa do dólar como moeda de reserva mundial e um fator de dominância global.
Muitos analistas internacionais, especialmente aqueles que acreditam que o que Trump faz são “bravatas”, esperam que suas ameaças sejam esvaziadas mais cedo ou mais tarde porque isso “prejudicaria” os consumidores dos EUA. De acordo com Varousfakis, aqueles que pensam dessa forma “estão tão bêbados quanto aquele cervejeiro que se embriagou com sua própria cerveja”. Em outras palavras, eles são aqueles que “acreditam que o mundo se move pelas regras do mercado competitivo”, onde o dinheiro é neutro e os preços são ajustados para equilibrar a oferta e a demanda pela mágica da “mão invisível” (A. Smith).

(Foto: White House / Flickr)
Mas o mercado competitivo deixou de existir assim que os monopólios e oligopólios romperam irremediavelmente com a livre concorrência. Continuar a acreditar que as leis do mercado ainda se aplicam é uma tentativa deliberada de se enganar. Trump está demonstrando isso. O “mercado competitivo”, ou o que restou dele, está à disposição daqueles que têm poder econômico, não produtividade marginal. Esse poder decide o que, onde e com quem fazer…
Trump e sua “missão”
Trump tem razão quando diz que o mundo ganhou mais do que os EUA com “seus dólares” e, além disso, provocou um longo processo de desindustrialização, inflação e endividamento. Como assim? Não é fácil explicar, mas vamos tentar com a ajuda do Yanis Varoufakis.
- Todos os bancos centrais (BCs) do mundo optaram pelo dólar como sua moeda de reserva internacional. Como resultado, suas reservas internacionais são basicamente dólares acumulados ano após ano, uma situação que, entre outras coisas, valorizou o dólar em relação à moeda local. O Peru é um exemplo disso.
- Isso estimulou as exportações e, ao mesmo tempo, contraiu as importações porque “o dólar está caro”. Portanto, não é difícil concluir que os dólares que fluíam dos EUA para o mercado global foram acumulados pelos BCs, especialmente os asiáticos e europeus.
- Esses dólares, em quantidades cada vez maiores, foram destinados à compra de títulos do Tesouro dos EUA (dívida pública), garantindo juros e retornos sem risco. Isso fez da China o principal credor dos EUA.
- Surge então o grande problema: se os EUA são mais “importadores” do que “exportadores”, a consequência é o declínio de sua indústria manufatureira, enquanto o desemprego, a inflação e a dívida crescem.
- Apesar disso, a hegemonia do dólar como moeda de reserva permanece intacta, permitindo que os EUA contraiam dívidas, tenham déficits em níveis muito altos e paguem por um exército superdimensionado, etc., embora sua sustentabilidade esteja em dúvida. Com essa hegemonia, os EUA podem impor sanções econômicas e fazer ameaças à segurança. Porém, sancionar e dificultar a vida dos detentores de “seus dólares” não é suficiente para compensar o “sofrimento” (Trump) dos americanos nem para impedir os US$ 200 bilhões de “perdas” por ano de que outros países ou empresas se apropriam para obter saldos positivos em seus balanços de pagamentos.
- O pesadelo de Trump é que essa hegemonia acabe a qualquer momento e, pior, seja substituída por outra moeda de reserva, como proposto pelos BRICS. À medida que a produção dos EUA diminui (em termos relativos), a demanda global por dólares aumenta mais rapidamente do que a renda dos EUA, fazendo com que o dólar se valorize cada vez mais rápido para atender às necessidades de reserva do mundo. “Isso não pode continuar para sempre”, diz Trump.
- Embora os EUA possam se dar ao luxo de ter déficits acima dos estabelecidos pelo FMI, eles não podem garantir que, em algum momento, excederão certos limites. Se isso acontecer, o valor do dólar será ameaçado e, aterrorizados, seus detentores o venderão a quem der o maior lance e procurarão outra moeda e outra commodity (ouro, prata) para acumular reservas. Além disso, os EUA ficarão sem indústria e com dívidas impagáveis, com caos e abandono nos mercados financeiros e um governo insolvente.
- Esse é o cenário que Trump quer evitar, ele acredita firmemente que essa é sua “missão”. Para isso, ele precisa de uma nova ordem internacional que, entre outras coisas, envolve colocar em ação um choque anti-Nixon (1971, conversibilidade do dólar em ouro estabelecida pelo sistema de Bretton Woods), bem como avaliar os benefícios globais da financeirização que foi normalizada em 1971.
- Para cumprir sua “missão”, Trump precisa de um dólar barato em todo o mundo e, ao mesmo tempo, continuar sendo a moeda de reserva mundial, o que beneficiará sua dívida e terá taxas de juros mais baixas. Isso não acontecerá se a tarefa for deixada para o mercado. Essa é a tarefa dos BCs que, com algum estímulo, poderiam “baixar o preço do dólar”. É aí que, como um poderoso estímulo, surge a “ideia brilhante” (Trump) das tarifas.
- Teoricamente, uma tarifa alta sobre os produtos importados pelos EUA não alteraria os preços para os consumidores, partindo do pressuposto de que o dólar é desvalorizado nos países com os quais é comercializado. Se os países fornecedores não ajustarem sua taxa de câmbio, de acordo com os estrategistas de Trump, eles correm o risco de perder competitividade e mercados. As tarifas são apenas a primeira rodada do Grande Plano do presidente dos EUA. Isso permite que ele, enquanto aguarda a segunda rodada, acumule dólares “estrangeiros” no Tesouro.
- A segunda rodada é a rodada de negociações. Ao brandir tarifas e colocar em risco a segurança europeia fornecida pelos EUA, ele convencerá, um a um, que seu plano é o que deve funcionar na nova ordem mundial. Muitos aceitarão e muitos resistirão, mas os EUA continuarão a colher os frutos das tarifas até que os que resistirem acabem sendo sufocados.
- Trump espera que seus interlocutores, ou seja, todos os países do mundo, reavaliem substancialmente suas moedas e reduzam suas taxas de juros de referência, sempre economizando suas reservas de dólares para o longo prazo. A negociação com eles será feita em seu estilo, “um por um”. Haverá aspectos específicos para essa demanda, dependendo dos países.
- Quando a segunda fase, a negociação “um a um”, for concluída, a nova ordem operará em dois campos: um campo cuja segurança será fornecida pelos EUA em troca de um dólar desvalorizado em cada um dos países, perda de fábricas e compra compulsória de exportações dos EUA, incluindo armas. O outro campo estará mais próximo da China e da Rússia, mas permanecerá conectado aos EUA por meio do comércio que permite a regulamentação de tarifas.
- O Grande Plano será testado em duas frentes políticas: 1) internamente, se o déficit comercial diminuir, o dinheiro estrangeiro deixará de inundar Wall Street e Trump terá de lidar com seus financistas e trabalhadores que votaram nele, forçando-o a trazer sua própria tribo de financistas e corretores de imóveis. 2) Em nível internacional, mais cedo ou mais tarde, Trump descobrirá grandes inimigos ou dissidentes. Pequim, por exemplo, poderia ajustar a estratégia para transformar o BRICS em uma espécie de Bretton Woods, no qual o Yuan desempenharia o papel que o dólar desempenhou originalmente em Bretton Woods.
Quando a segunda fase do “Grande Plano” de Trump for concluída, o mundo será dividido em dois campos: um protegido pela segurança dos EUA ao custo de uma moeda local valorizada, da perda de fábricas e da compra forçada de exportações dos EUA, incluindo armas. O outro campo estará mais próximo da China e da Rússia sem abandonar totalmente a conexão comercial com os EUA, desde que continue a fornecer receitas tarifárias regulares.