Sábado, 15 de novembro de 2025
APOIE
Menu

Geopolítica, Portos e Trens

Sem muito alarde, a província chinesa de Guangdong, uma superpotência industrial, está redefinindo o futuro econômico do Peru e de toda a América do Sul com a entrada em operação do Mega Porto de Chancay (MPCh). O PIB de Guangdong é superior ao de vários países latino-americanos juntos. Sua presença no Peru responde a uma estratégia global de desenvolvimento logístico que inclui portos, infraestrutura rodoviária, navios porta-contêineres e tecnologia de ponta. Seu objetivo é claro: conquistar o mercado sul-americano e eliminar de suas rotas comerciais o dispendioso Canal do Panamá, para que sua produção de alto valor agregado chegue à região com custos e tempos menores do que os atuais.

Para isso, encarregou a empresa estatal chinesa Cosco Shipping Company, uma das maiores empresas de navegação do mundo, de financiar e construir o MPCh, cujas dimensões transcendem o puramente comercial.

Na construção de Chancay está subjacente a lógica do “benefício compartilhado” que a China imprime em todos os seus investimentos no planeta. Sua entrada em operação é considerada um marco importante no desenvolvimento da IFR. Sua rápida entrada em operação é um sinal claro do interesse chinês em gerar situações que consolidem sua presença na região, em detrimento das pretensões dos EUA, que voltam a colocar em vigor a Doutrina Monroe com seu axioma de “América para os americanos”. <br> (Foto: russellstreet / Flickr)

Na construção de Chancay está subjacente a lógica do “benefício compartilhado” que a China imprime em todos os seus investimentos no planeta. Sua entrada em operação é considerada um marco importante no desenvolvimento da IFR. Sua rápida entrada em operação é um sinal claro do interesse chinês em gerar situações que consolidem sua presença na região, em detrimento das pretensões dos EUA, que voltam a colocar em vigor a Doutrina Monroe com seu axioma de “América para os americanos”.
(Foto: russellstreet / Flickr)

Esse objetivo é ampliado com o Trem Binacional (TB) que o Brasil e a China decidiram construir para ligar os portos do Atlântico no Brasil aos que operam na costa do Pacífico, especialmente com o MPCh. O trem beneficiará o comércio bilateral Brasil-China e, certamente, o Peru, em sua relação comercial com o Brasil e a China. Ambas as obras são complementares, de forma que o sucesso de uma dependerá muito do sucesso da outra.

Mega Porto de Chancay

Em novembro de 2024, o MPCh entrou em operação, colocando o Peru em uma posição promissora na dinâmica do comércio e da geopolítica sul-americana. O investimento comprometido em sua construção e desenvolvimento é de cerca de 3,5 bilhões de dólares, dos quais 1,3 bilhão foi executado na primeira fase. A segunda fase será centrada no desenvolvimento logístico e industrial altamente automatizado, o que tornará o porto mais competitivo. Seu financiamento está garantido com recursos alocados à Iniciativa da Faixa e Rota (IFR), projeto global de infraestrutura promovido pela China.

Na construção de Chancay está subjacente a lógica do “benefício compartilhado” que a China imprime em todos os seus investimentos no planeta. Sua entrada em operação é considerada um marco importante no desenvolvimento da IFR. Sua rápida entrada em operação é um sinal claro do interesse chinês em gerar situações que consolidem sua presença na região, em detrimento das pretensões dos EUA, que voltam a colocar em vigor a Doutrina Monroe com seu axioma de “América para os americanos”.

O MPCh não é, portanto, um acontecimento fortuito. Tampouco é uma iniciativa do governo peruano, mas sim o resultado do desenvolvimento e da expansão global da IFR. Nesse contexto, o Brasil e a China serão responsáveis por fornecer a maior parte da carga que fluirá pelo porto peruano entre a Ásia e a América Latina. O Peru, sendo a porta de entrada desse enorme fluxo comercial, tem a extraordinária oportunidade de desenvolver uma infraestrutura rodoviária multimodal que capitalize em favor do país as oportunidades decorrentes da operação do porto.

A Cosco Shipping informou que o porto já opera em conexão com o porto de Guanzhoung, na província de Guangdong, cuja importância no comércio mundial é de primeira ordem. A distância entre eles é menor do que a das rotas tradicionais, pelo que a redução dos custos operacionais do comércio intercontinental é estimada em até 20%. Além disso, o tempo necessário para essa travessia será reduzido em 12 dias, o que no comércio internacional vale ouro. O Canal do Panamá e o Estreito de Gibraltar, sob o controle de adversários comerciais e políticos da China, especialmente dos EUA, deixarão de ser usados de forma gradual e inexorável.

Em fevereiro de 2025, a empresa Cosco Shiping inaugurou a rota Chancay-Guayaquil-Chancay, com a qual o porto de Chancay inaugura sua condição de hub regional.

Desde que entrou em operação, o MPCh está gerando interesse de poderosas transnacionais desejosas de investir no Peru. As empresas chinesas Huawei (TIC) e Yutong (Ônibus), por exemplo, já manifestaram sua vontade de investir no Peru em prazos relativamente curtos. Espera-se que empresas transnacionais dos EUA e da Europa façam o mesmo. Por outro lado, as companhias marítimas CMA CGM (francesa), a própria COSCO SHIPPING e EVERGREEN-Service (Taiwan), detentoras das maiores frotas de navios porta-contêineres, começaram a operar no porto, fato que o torna visível no mapa logístico global.

Em sua primeira fase, Chancay foi projetado para movimentar um milhão de TEUs, 6 milhões de toneladas a granel e 160 mil veículos por ano. Ao concluir a segunda fase, haverá uma infraestrutura e equipamentos onde a intervenção humana será mínima, sendo substituída por guindastes robotizados, sistemas de gestão automatizados e capacidade de interconexão com ferrovias, rodovias e logística. Com seus 15 cais e 18 metros de calado, poderá movimentar até 10 milhões de TEUs por ano e operar com grandes navios que já não passam pelo Panamá. É o primeiro terminal marítimo totalmente automatizado da América Latina.

Dessa forma, com o MPCh, o Peru não só se torna uma referência obrigatória no comércio intra-latino-americano e com o resto do mundo, mas também um país que se insere na geopolítica regional como um ator estratégico. Além disso, a economia peruana será impactada como nunca antes, recursos e energia serão mobilizados sem limites, o que lhe permitirá sair de sua condição de exportador primário.

Corredores logísticos

Os corredores logísticos (corredores econômicos) se tornaram um elemento estratégico no desenvolvimento do país. Sua competitividade atual, bem como a futura, permitiu-lhe o acesso a mercados, fazer parte de cadeias de abastecimento, receber tecnologia, etc., algo impensável nas circunstâncias anteriores. Mesmo quando o MPCh ainda não estava em operação, os corredores logísticos já facilitavam o fluxo de carga dos centros de produção para os centros de consumo e nas exportações (FOB). São notáveis, por exemplo, os aumentos registrados entre 2023 e 2024 nas macrorregiões Centro (17%), seguida pelo Sul (13%), Leste (13%) e Norte (10%).

Com a presença do MPCh, esses corredores adquirem maior potência. De acordo com o Ministério dos Transportes e Comunicações (2023), o Peru conta com 41 corredores logísticos, dos quais 20 são estruturadores e consolidados, 17 em processo de consolidação e 4 classificados como potenciais. Cabe ao Peru desenvolvê-los diante da nova situação. Aqui estão alguns dos estruturadores:

  1. Eixo Norte, Lima Metropolitana e Províncias-Costa Norte-Equador.
  2. Eixo Sul, Lima Metropolitana e Províncias-Costa Sul-Chile.
  3. Corredor Central, Lima Metropolitana e Províncias-Serra Central.
  4. Corredor Piura-Tumbes-Fronteira com o Equador, costa norte-Equador/Equador.
  5. Corredor Arequipa-Moquegua-Tacna-Fronteira com o Chile, costa sul-Chile/Chile.
  6. Corredor Callejón de Huaylas, Norte Chico-Norte Chico
  7. Corredor Ciudad de Dios-Cajamarca-Chachapoyas, Chiclayo-Trujillo-Cajamarca/Selva Alta Norte.
  8. Corredor IIRSA Norte, Costa Norte-Equador/Selva Alta Norte.
  9. Corredor Hidrovia Yurimaguas-Iquitos, Selva Alta Norte/Selva Baixa Oriental
  10. Corredor Hidrovía Pucallpa-Iquitos, IIRSA Central/Selva Baixa Oriental

Cabe ao Peru e aos seus líderes aproveitar a oportunidade proporcionada pelo MPCh e a pronta implementação do TB.

(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.