Nas eleições gerais sul-africanas, ocorridas no dia 29 de maio de 2024, nenhum partido obteve maioria parlamentar. Foi a primeira vez desde o fim do apartheid, em 1994, que o partido de Mandela, o Congresso Nacional Africano (CNA), não obteve mais de 50% dos votos para o parlamento nacional. A situação provocou algo inédito: uma aliança com o partido opositor, o Aliança Democrática (AD), para que o líder do CNA, Cyril Ramaphosa, pudesse obter seu segundo mandato presidencial e seguir liderando o país. Além do AD, o Partido da Liberdade Inkhata (IFP), majoritariamente da etnia Zulu, foi determinante para a conquista dos 238 votos, entre 400, de reinvestidura de Ramaphosa no cargo.
Embora Ramaphosa já tivesse tomado posse no dia 19 de junho, somente no último sábado, 22 de junho, o CNA conseguiu por fim anunciar a formação de um Governo de Unidade Nacional (GNU) que abarca dez dos dezoito partidos com membros no parlamento.
O GNU, idealmente, vai contar com uma base de 70% do parlamento. Estão na aliança o GOOD, a Aliança Patriótica (AP), o Congresso Pan-Africanista da Azania, a Frente da Liberdade Mais (FF+), o Movimento Democrático Unido (UDM), o RISE Mzansi e o Al Jama-ah.
Tanto o ex-líder do CNA e ex-presidente do país, Jacob Zuma, do partido uMkhonto weSizwe (MK), como o ex-líder da juventude do CNA, Julius Malema, do Lutadores pela Liberdade Econômica (EFF), se recusaram a negociar com Ramaphosa para a formação do governo de unidade.
Seus partidos elegeram 58 e 39 parlamentares respectivamente, e uma aliança entre eles poderia ter evitado que a AD, do agora único líder branco do governo, o oposicionista John Steenhuizen, com seus 87 parlamentares, estivesse na aliança governante. A recusa se deu justamente pelo diálogo estabelecido com o DA, que segundo eles representa apenas a busca pelo bem-estar da minoria branca do país e que teria submetido Ramaphosa a “ser um serviçal negro da elite branca”, segundo Jacob Zuma. O documento publicado pelo EFF no dia 23 de junho, sobre o anúncio do GNU, diz que o partido não participará de nenhum modo de um governo que inclua “partidos políticos supremacistas” referindo-se à AD e ao FF+.
Ramaphosa e o CNA optaram pela estabilidade política. Optaram, obviamente, para permanecer com o principal cargo do país, algo que a aliança com a AD proporcionou. No entanto, o pagamento de um alto preço pela presidência e uma aparente estabilidade pode não demorar a chegar.
O primeiro desafio será o da montagem do gabinete, com os executivos do governo, que pode pela primeira vez desde a derrubada do apartheid trazer na composição vários brancos liberais. As principais políticas públicas, como educação, saúde e segurança, podem também emergir como as primeiras fontes de embates e polêmicas.
A ANC conta com uma variedade de partidos no GNU para diluir um pouco a força da AD, mas do outro lado estarão dois líderes com grande força popular, Zuma e Malema, que podem se juntar para fazer balançar as estruturas do edifício governamental construído com estes partidos. Principalmente se forem capazes de mobilizar massas populares nas ruas, o que não parece estar tão distante na nova África do Sul.
(*) Ana Prestes é Cientista Política e Historiadora. Escritora. Analista Internacional. Participa dos programas RodaMundo e Outubro na grade do Opera Mundi no YouTube.