Apesar da menor taxa de desemprego da série histórica, da menor taxa de pobreza já registrada e do crescimento expressivo da renda média do trabalho, a mais recente pesquisa Datafolha apresenta queda de 11% na aprovação da gestão do petista, que foi de 35% para 24% em apenas dois meses, pior resultado de todos os seus mandatos. O que explicaria tamanha queda de popularidade do governo diante dos bons números da economia real?
Qualquer jornalista que acompanha o dia a dia de Brasília responderia sem muita dificuldade: a recente crise do PIX e o aumento no preço dos alimentos. Apesar de correta, a afirmação é insuficiente para entendermos inteiramente o que leva a popularidade de Lula e seus ministros a patamares historicamente negativos.
O primeiro grande conflito está presente na relação entre as promessas de campanha e as políticas econômicas adotadas por Haddad e Lula. A propaganda petista esteve fundamentada na defesa da democracia, mas principalmente no papel do governo como agente ativo na melhoria de vida da população mais pobre, com ampliação do investimento público e combate à desigualdade. Um discurso potente no encontro entre uma população assolada pelo governo Bolsonaro e a memória dos ótimos resultados dos governos anteriores de Lula.

(Foto: Ricardo Stuckert / PR)
No entanto, as medidas adotadas desde o início foram absolutamente opostas: teto de gastos, ajuste fiscal, diminuição do investimento público. Tais medidas atrasam o resultado positivo dos números da economia na vida da população mais carente. Como dizem por aí, “se colocarmos os pés de alguém no congelador e a cabeça no fogo, a temperatura média vai estar equilibrada, mas a pessoa estará morta”. Essa anedota mostra um pouco como funciona a esquizofrenia das decisões do Palácio do Planalto.
O segundo ponto diz respeito à perigosa relação entre as contradições e a comunicação falha. O Partido dos Trabalhadores é o maior e mais importante partido de esquerda da América Latina, tendo uma base de apoiadores sólida e atuante, conquistada principalmente pela sua identidade de esquerda.
Contudo, o governo foi eleito com uma aliança de centro, a tal da frente ampla pela democracia. Essa conjuntura e as decisões políticas adotadas em Brasília transformaram o governo em uma gestão pasteurizada. Na segunda-feira, um aceno para a base de esquerda; na terça, medidas que vão de encontro ao conservadorismo do centrão; na quarta, apoio a congressistas de direita; na quinta, reunião com partidos de esquerda; na sexta, ninguém sabe. Aqui fica demonstrada a evidente crise de identidade.
Muitos podem argumentar que a política de coalizão tem a premissa de agradar gregos e troianos e que já funcionou em gestões anteriores, trazendo melhorias reais na vida da maioria dos brasileiros, viabilizando o Bolsa Família, o Minha Casa – Minha Vida e o aumento real do poder de compra do trabalhador. Mas o cenário mudou, outros personagens surgiram e a extrema direita ocupou o espaço da direita tradicional. Alguns analistas políticos podem alegar que não há outra forma, a luta está dada na conjuntura de um governo de centro que não teve escolha – era isso ou dar espaço ao bolsonarismo.
Está claro que Lula aceitou a conjuntura supramencionada, será interpelado pela esquerda e pela direita e pretende lidar com tal situação até o fim de seu mandato. Diante desse cenário, apenas uma comunicação hábil poderia trazer melhores avaliações da gestão petista, apresentando os acertos do governo – sim, eles existem e não são poucos – e explicando as razões e quem são os indivíduos que pressionam o governo a tomar decisões impopulares.
A comunicação governamental erra no conteúdo e no formato. Sempre explicando as péssimas decisões como importantes e fundamentais para um futuro melhor, o ajuste fiscal é o melhor exemplo da inépcia dessa estratégia.
Já não se comunica com o povo como antes. Agora, com as redes sociais, a população tem mais acesso à informação, mas principalmente acesso às opiniões de seus pares. Nunca foi possível uma comunicação tão direta; nenhuma informação passa despercebida.
A extrema direita já aprendeu a usar essa ferramenta com maestria, basta observar a crise generalizada que a fake news de Nikolas Ferreira sobre a regulação do PIX trouxe para o governo.
A oposição dá um baile de controle das redes no PT e seus aliados, com discurso adequado para cada situação e com o entendimento do papel cada vez mais importante que o digital apresenta.
Seria melhor que a vida real tivesse cada vez mais importância e o digital cada vez menos, mas, aceitemos, o caminho vai pelo contrário. Viralizar é clichê, mas tem importância política. Se antes o atingimento das massas era apenas por memes e dancinhas simpáticas de adolescentes com muito tempo livre, agora a disputa política viraliza nas redes. Parece uma loucura, talvez realmente seja, mas a falta de habilidade nas redes ajuda a derrubar a popularidade do presidente da República.
Para ficar ainda pior, não é apenas o governo que perde com os resultados expressivos da extrema direita nas redes sociais e a inabilidade dos campo progressista. Perde também a sociedade, a cultura, a arte, a educação, o trabalhador. Já não mais se disputam apenas as decisões de qualquer governante que seja; a disputa é ideológica e está muito claro quem está ganhando e quem está perdendo. Donald Trump, Elon Musk, Nikolas Ferreira, família Bolsonaro são apenas os piores exemplos da ampliação dos valores conservadores potencializados pelas redes.
Se o governo e o campo progressista buscam melhores primaveras, o caminho está em voltar à sua identidade progressista e fazer as disputas necessárias por todos os meios de comunicação disponíveis, acertando no conteúdo e no formato. Rede social deixou de ser lazer para ser ferramenta, a extrema direita aprendeu antes, e a esquerda, que o faça antes tarde do que nunca.
(*) Tom Altman é economista e empresário. É diretor-geral de Opera Mundi.