Apesar das vitórias no campo de batalha, o governo israelense saiu um pouco chamuscado no campo da comunicação. É difícil avaliar esse efeito de imediato, sem um levantamento mais preciso do noticiário, além do dia-a-dia. Mas a imprensa mesmo apontou pontos sensíveis da imagem de Israel. A lista começa pelas medidas antipáticas aos jornalistas.
Israel proibiu a entrada de jornalistas em Gaza no dia 31 de dezembro, na véspera da ofensiva da madrugada seguinte. Isso provocou denúncia imediata por parte da Associação de Imprensa Estrangeira, de Londres, dizendo que não teve outra saída, já que a proibição constituía “severa restrição da liberdade de imprensa”. E também teve repercussão interna, levando a uma decisão da Suprema Corte israelense que suspendeu a proibição, em parte, mandando deixar os jornalistas entrarem em pequenos grupos.
Não que isso tenha peso político significativo no conflito, mas pode ter prejudicado o governo israelense em associação a outros pontos negativos, como o número muito alto de mortes civis, das quais, mais de 300 crianças. A destruição sucessiva de dois prédios utilizados pela ONU – sendo o segundo atingido quase no mesmo instante em que o primeiro ministro israelense Ehud Olmert, respondendo a grande pressão externa, pedia desculpas formais pela derrubada do primeiro prédio.
Algo parecido aconteceu em 2006, durante a guerra israelense contra a organização palestina Hezbollah, no Líbano. Esse conflito, já razoavelmente estudado, tem sido considerado perdido por Israel, em termos de comunicação.
Naquela época também se atingiram instalações da ONU, e foi um ponto negativo para Israel, de acordo com um estudo do Centro Internacional sobre Mídia e Agenda Pública, da Universidade de Maryland, nos EUA. Os pesquisadores Jad Melki e Susan Moeller apontam uma seqüência de eventos particularmente negativos: escalada de violência na guerra, em 20 de julho de 2006; destruição de instalações da ONU, com a morte de três funcionários; e uma resolução do Conselho de Segurança da ONU condenando o conflito.
“A imprensa se tornou menos crítica do Hezbollah”, diz Melki, acrescentando que o ponto de virada, na opinião pública, foi o ataque israelense contra a cidade de Qana, no sul do Líbano, na última semana de julho, deixando quase 30 civis mortos, entre os quais 16 crianças.
No estudo, Susan e Melki escrevem que, no início da ofensiva, na primeira semana de julho, o noticiário se concentrou claramente em informações sobre ações de Israel. O Hezbollah, em contrapartida, “raramente recebeu cobertura simpática”. Ao longo da luta, esse grau de simpatia oscilou muito, mas mesmo no final “não superou o de Israel”.
Segundo os índices usados no estudo, Israel tinha 50% de notícias favoráveis, no início, e o Hezbollah, menos de 5%. Na segunda semana de agosto, a cobertura simpática a Israel caiu para 30% e a do Hezbollah ficou entre 10% e 20% (já nos estertores do conflito, deu um pulo isolado para a casa dos 70%).
Índices são úteis, mas têm de ser ponderados. Os motivos de simpatia podem variar de pessoa a pessoa. Normalmente, dizem os autores do estudo acima, refletem um sentimento humanitário, fortemente associado à morte de mulheres e crianças. Não é necessariamente uma questão política, embora o estudo tenha associado o impacto das mortes em Qana com maior simpatia com o Hezbollah entre os próprios árabes, dentro do Líbano.
Agora houve algo semelhante: o Egito passou por muita tensão interna, em parte por ter se recusado a abrir a fronteira com Gaza, o que, na prática, impediu a passagem de civis em fuga. Em parte, também, por apoiar o atual plano de implantação de uma administração palestina na Palestina – e esse plano, como a própria guerra sugere, tem funcionado mal.
Esse plano tem a ver com um aspecto do estudo de Susan e Melki, que notou certa superficialidade na cobertura em 2006, muito focado em descrições dos combates. Mas em 90% dos casos não se identificaram as vítimas. “Eram meras estatísticas”, assinalam os autores. Na diplomacia, também, geralmente se focaram ações dos governos dos países dos veículos de comunicação. As questões econômicas receberam menos de 2% do espaço total de cobertura.
A imprensa divulgou agora um volume adequado de informação, mas os aspectos estruturais da guerra não receberam destaque devido. A questão do Estado palestino parece uma demanda jornalística não satisfeita. Vale, inclusive, destacar excelente série de mapas históricos dadas pelo The Guardian, jornal londrino, contrapondo a implantação da administração palestina ao número crescente de colônias israelenses na Cisjordânia.
Não é uma avaliação política – o Guardian deu um noticiário bem simpático a Israel. O ponto é que a evolução desse plano é crucial no contexto da guerra. Portanto é do interesse dos leitores ser informado a respeito dele.
* Flávio Dieguez é jornalista. Foi editor da revista Superinteressante até 2000 e chefe da Agência Brasil entre 2004 e 2006.
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