Terça-feira, 10 de junho de 2025
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Pataz, a 900 km de Lima, é uma das 12 províncias da região de La Libertad, que se tornou a principal zona produtora de ouro do Peru. A empresa Poderosa, ligada a transnacionais americanas, com mais de 8 mil trabalhadores, é a operadora “formal” na exploração e extração desse mineral, embora seu verdadeiro poder resida na forma como se relaciona, em posição de domínio, com os mineiros artesanais e “ilegais”. Nessa província, dentro das minas da Poderosa, recentemente ocorreram 13 assassinatos que, apesar de serem notícia internacional, não parecem abalar a coalizão mafiosa que governa o Peru.

Fazendo contas, não são apenas 13 os assassinados (04.05.25) na selva do ouro ilegal e legal. Até o momento, já foram registradas 39 pessoas assassinadas pelas mesmas razões e usando métodos semelhantes, sob o manto da impunidade. O Estado (Legislativo e Executivo), sequestrado por uma coalizão mafiosa com roupagem política, prefere ignorar os fatos. A perda de vidas humanas não só gera dor e solidariedade, mas também indignação e repúdio contra um Estado, em particular a Presidência do Conselho de Ministros, o Ministério do Interior e o Ministério da Defesa, que têm responsabilidade direta pelos acontecimentos em Pataz. Não é por acaso que o presidente do Congresso, Eduardo Salhuana, está intimamente ligado à mineração ilegal que opera em Madre de Dios há vários anos.

A presidente do Peru, Dina Boluarte. (Foto: Presidencia Perú / Flickr)
A presidente do Peru, Dina Boluarte.
(Foto: Presidencia Perú / Flickr)

Embora seja verdade que o Peru passou por períodos de crise e violência, nunca atingiu a profundidade e a amplitude atuais. A violência e a corrupção caminham de mãos dadas com o Legislativo e o Executivo, enquanto a destruição sistemática das instituições públicas e privadas assume contornos que nem mesmo as hordas de Fujimori poderiam exibir. Assim, o controle e o domínio da coalizão mafiosa que governa o país não parecem ter contrapeso à vista.

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Os mortos em Pataz, além de todas as mortes causadas por atividades ilegais protegidas por normas ditadas pela coalizão mafiosa do Congresso e do Executivo, estão deixando claro:

  1. Que, para a empresa capitalista, o lucro máximo e a ganância não são negociáveis, mesmo que para alcançá-los seja necessário sacrificar vidas humanas. Desta vez, a empresa Poderosa, principal produtora de ouro no Peru, exibe a crueldade dos métodos com que costumam operar a maioria das empresas deste setor. Essa empresa sabia perfeitamente o que estava fazendo quando deu a 13 de seus trabalhadores a missão de “despejar” de “suas minas” os “mineiros ilegais” que, por sua vez, tinham assassinos à sua disposição para matar os 13 enviados pela mina.
  2. O fracasso da autoridade diante da mineração ilegal e o uso do REINFO (Registro Integral de Formalização Mineradora) como álibi para aqueles que cometem crimes nessa atividade. As máfias, disfarçadas de “mineiros ilegais”, agem com total impunidade, sabendo que estão protegidas por leis aprovadas pelo Congresso. Para todos os efeitos, está comprovado que o governo faz parte da máfia que opera sob o disfarce de mineiros ilegais, cujos rendimentos também enchem os bolsos da máfia que governa.
  3. Que a mineração ilegal conta com o apoio ativo de uma “bancada multipartidária” no Congresso. A partir daí, foram promovidas normas que obstruem o combate ao crime organizado em todos os âmbitos em que opera. Desestabilizam o sistema de justiça e enfraquecem o poder judiciário e o Ministério Público. Modificam prazos de prescrição e de colaboração eficaz, impedem o confisco de bens de quem cometeu crimes, concedem impunidade a militares e congressistas com processos judiciais em andamento, criminalizam a ação jurisdicional de juízes e promotores, liquidam o princípio do equilíbrio e da separação dos poderes, etc. Essa situação, obviamente, gerou um aumento exponencial do crime organizado no campo e na cidade.
  4. Segundo informações que circulam amplamente, altos comandantes da PNP (Polícia Nacional do Peru) recebem pagamentos da mineradora Poderosa para fornecer “pessoal de segurança para a mina”, mas na realidade são contingentes de policiais que vão a Pataz para realizar ações relacionadas à luta sem trégua que a mina mantém com os “ilegais”, a quem eles têm que “reprimir” e “perseguir” em nome da mineradora. Entre os altos comandos que recebem esses pagamentos está o major Mirando Pilco, da PNP, como “fornecedor” de pessoal de segurança para a mina, onde recebiam as instruções do caso, armamento e munições de guerra, apesar de seu uso ser proibido. Este oficial certamente poderia fornecer mais informações a respeito.
  5. Que o Estado se colocou a serviço do crime organizado é revelado pela evolução do orçamento da República. Entre 2019 e 2025, os recursos orçamentários destinados ao combate à mineração ilegal, ao tráfico ilícito de drogas, bem como à formalização da mineração, diminuíram substancialmente de S/. 97,8 milhões para S/. 70,6 milhões, respectivamente. Isso não se deve à falta de recursos, mas à influência determinante dos garimpeiros ilegais no Congresso e no Executivo. Ao mesmo tempo, de forma suspeitamente coincidente, o orçamento destinado à repressão de conflitos, protestos e mobilizações sociais aumentou exponencialmente: de S/. 306,1 milhões em 2019, saltou para S/1.12 bilhões em 2025.

Não deve ser surpresa, então, que após a desastrosa “busca por responsáveis” anunciada por Dina Boluarte em sua “hora de agir”, se pretenda encobrir a responsabilidade da mineradora Poderosa, dos ministros responsáveis e da própria Boluarte.

Tentarão confundir e obscurecer o que agora está claro: a inter-relação entre o formal (Poderosa), o informal (os mineiros-Reinfo) e o ilegal (bandos criminosos), configurando um cenário de crime e impunidade onde a lei serve ao mais forte, tal como exige o capitalismo selvagem.

Pedir ao Congresso que se retifique seria ingenuidade. Pedir que destitua a presidente seria uma estupidez. Por outro lado, pedir à presidente que renuncie diante de tanta desgraça no Peru seria como pedir a uma cobra que renuncie à presa que está devorando. Pedir que os ministros responsáveis renunciem em tributo à “responsabilidade política” é deslizar para o terreno da imaginação febril.

Se nada disso é possível nesta “democracia”, o que deve fazer o Peru? Algo que todos proclamam, mas que muito poucos querem tornar realidade: unidade daqueles que realmente querem derrubar o regime lumpen de Dina Boluarte e seus patrões no Congresso. É indispensável conscientizar a população e reforçar suas organizações, bem como as organizações políticas que se proclamam vanguardas da mudança social.

Deixa de ser racional esperar que a coalizão mafiosa corrija suas ações e métodos de governo. Implorar concessões acaba minando as convicções da luta de classes e progressista. A coalizão mafiosa sabe disso, por isso não hesita em conceder migalhas àqueles que reclamam e, de passagem, consolida o regime da coalizão mafiosa. O povo e suas organizações devem assumir o controle de seu destino!

(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.