O Legislativo e o Executivo foram dominados pelo crime organizado. A sociedade está desprotegida enquanto o crime nas ruas transborda e os criminosos de colarinho e gravata alcançam a impunidade.
Quando, em 7 de dezembro de 2022, o Congresso da República destituiu Pedro Castillo e o substituiu pela senhora Dina Boluarte como presidente da República, a população não esperava um desempenho digno dos 130 parlamentares, dada a mediocridade da maioria de seus membros. O mesmo sentimento se tinha em relação à presidente que, com toda a franqueza, nem sonhava em chegar a esse alto cargo. Era mais lógico pensar que as explosões regulamentares e políticas viriam de ambos os poderes. Mas não foi assim. Por outro lado, deu lugar à veia criminosa dos parlamentares que, em menos de dois anos, converteram as instituições tutelares da nação (Tribunal Constitucional, Ouvidoria, Ministério Público Nacional, Forças Armadas e Polícia, entre outras) como câmaras de eco, se não como encobrimentos, para os ultrajes do Congresso e do Executivo.
Vejamos alguns dos regulamentos aprovados, atualmente em vigor, que mostram a natureza criminosa do governo peruano:
- Lei 32.108. Seu principal objetivo é ofuscar o direito constitucional à tranquilidade dos peruanos. Busca contornar a definição de “crime organizado”, favorecendo as organizações criminosas existentes, dificultando os ataques em favor dos investigados, dificultando a atuação do Ministério Público.
- Lei 32.107. Tem como principal objetivo a impunidade aos crimes contra a humanidade cometidos por militares, policiais e civis. Além de contrariar o direito internacional, é, como dizem os juristas, um golpe brutal na memória das vítimas.
- Decreto Legislativo 1.585. Tem como principal objetivo, sob a prerrogativa de resolver a superlotação dos presídios, libertar presos com penas superiores a 5 anos, reduzir as penas dos que cometem roubo qualificado, ainda que sejam presos contumazes, e impedir que os criminosos de colarinho e gravata vão para a prisão.
- Lei Antifloresta 31.973. Seu principal objetivo é legitimar a tomada de terras na Amazônia, desmatar, depredar florestas e incendiá-las, afetando gravemente as populações indígenas e agravando os efeitos das mudanças climáticas. Tudo isto põe em perigo a Amazónia peruana e, por extensão, a Amazônia sul-americana.
- Decreto Legislativo 1.620. Seu principal objetivo é privatizar as fontes de água e os serviços de água potável e saneamento no Peru. O abastecimento de água à população fica em risco e o direito universal de acesso à água é anulado com esta norma, uma vez que o Estado fica desobrigado da sua responsabilidade na prestação do serviço.
Esta é apenas uma amostra do que o governo peruano está fazendo a favor do crime e da delinquência. Juntamente com todos eles, puseram fim à meritocracia e impuseram o prontuário mafioso aos novos “altos funcionários”. Ao verem que as pessoas estão indignadas e que há movimentos em curso como o dos transportadores, o cinismo do governo não tem limites e ousa convocar uma “marcha pela paz” com organizações que foram classificadas como criminosas.
Como diz Hildebrandt em seu 13º livro, a soma do Legislativo + Executivo é um “governo do submundo”. O Congresso não legisla para o povo, mas para criminosos, extorsionários e assassinos de aluguel. A presidente não trabalha para o povo mas sim para aqueles que a reconhecem como sua “patrona” com os cânones da máfia. Seria ilusório esperar que este governo trabalhasse a favor do povo, resolvendo as suas necessidades e proporcionando oportunidades de desenvolvimento.
Se Fujimori iniciou esta desgraça nacional, o fujimorismo (que é encarnado pelo Partido Político “Força Popular”) exacerbou-a com a cumplicidade da direita e dos “males menores” (Alejandro Toledo e Ollanta Humala) que, ah, estupidez! Disseram que construiriam o segundo andar sobre a “obra” que Fujimori deixou.
A esquerda, da sua zona de conforto, olhou quase com desdém para o regresso do fujimorismo a partir do início da segunda década deste século. Segundo os seus “estrategistas” bastava apostar no “mal menor” em cada processo eleitoral. Grave erro que hoje nos afeta ao transformar a esquerda num arquipélago de partidos incapazes de compreender a importância da unidade. O mesmo processo ocorreu no campo à direita. Ambos os campos têm impressionantes 35 partidos registrados e mais 30 em processamento. É isso que o poder econômico quer, poder ter 100 líderes na sua folha de pagamento gastando uma ínfima parte dos seus lucros e continuar no poder.
Neste cenário, o crime político prospera e sobe posições de poder no setor público e, no setor privado, ocorre a concentração criminosa de riquezas. A extorsão e os assassinatos por encomenda são galopantes, antes puníveis por lei, agora protegidos por ela. Até o momento, há mais de 370 mortes por assassinos contratados.
A resposta do governo é declarar o “estado de emergência” nas áreas onde acredita estar o cerne do problema. Esta é a quinta vez que ele faz o mesmo e, em nenhuma delas, demonstrou sucesso.
Desta forma, o neoliberalismo não só libertou o Estado da sua responsabilidade com a saúde, a educação e o saneamento, mas, agora, liberta-o da sua responsabilidade com a segurança pública. O “monopólio legal do uso da força” que o Estado tem para garantir a segurança dos cidadãos tornou-se uma ferramenta para subjugar qualquer pessoa que se oponha ao trabalho mafioso do Legislativo e do Executivo.