No dia 11 de setembro morreu Alberto Fujimori e, mesmo assim, gerou uma polêmica pública que revelou a adulação daqueles que se beneficiaram da corrupção gerada por seu governo e do fujimorismo que governa através do Congresso, onde o setor tem maioria. Por outro lado, brandindo a frase de que “quem foi assassino em vida, não deixará’’ de sê-lo quando morre”, houve amplos setores que manifestaram seu repúdio em meio à dor causada pelos massacres que ele ordenou quando ele foi presidente da república.
Seria pretensioso resumir o extenso e complexo legado de alguém que teve dez anos para destruir o país econômica, social, cultural, política e moralmente. Com uma pausa entre 2000 e 2010, Fujimori, encarnado no partido Força Popular, foi instalado novamente nas esferas do poder para continuar a tarefa de destruição. Portanto, nos limitaremos a apontar o que consideramos as pedras fundamentais de seu legado e que passaram a fazer parte da sociedade peruana.
O legado
1) O Consenso de Washington como dogma indiscutível
Alinhado ao Consenso de Washington, Fujimori procurou uma Constituição Política em sintonia com esse protocolo, que serviu de roteiro para o seu governo e também os posteriores, desde 1993 até ao presente.
2) redução da dimensão e das responsabilidades do Estado
A partir da implementação da Constituição fujimorista, em nome da reforma do Estado, criaram-se e eliminaram-se ministérios, ativaram-se instituições adequadas para essa reforma, apagou-se a meritocracia e eliminou-se toda a capacidade pública de regular o mercado, ao mesmo tempo que se promoveu a concentração do poder económico em monopólios e oligopólios.
3) A onda de privatizações e desapropriação
A privatização de mais de 110 empresas estatais, em ação consistente com a promessa de redução do Estado, ocorreu para transformar o Peru num país com privilégios extraordinários para o investimento privado. Estima-se que entre 1992 e 1996, as receitas das privatizações aumentaram para US$ 7,2 bilhões, apesar da subavaliação dos ativos. Segundo estimativas de órgãos especializados, esse valor teria facilmente girado em torno de US$ 10 bilhões, a maior parte dos quais acabou nas mãos de Fujimori e amigos.
4) Democracia, um bem público escasso
Do ponto de vista da democracia, o legado é totalmente negativo e transcende a morte do responsável pela sua destruição. Ele não apenas destruiu as instituições democráticas, mas também as corrompeu em sua essência. “As suas conquistas” na luta contra a hiperinflação e o Sendero Luminoso foram a sua melhor armadura para justificar a destruição da democracia e das instituições. Para o fujimorismo, salvar a democracia era, ao mesmo tempo, acabar com ela. Ele destruiu partidos políticos, corrompeu instituições e instalou a máfia política em seu lugar. Cada convenção referente a um governo eleito foi transformada em fábula.
5) A imprensa, a mídia, domesticada
Durante a década de 90, a “grande imprensa” não só foi levada a um processo de concentração sem precedentes, mas também estava cinicamente disposta a pôr termo à liberdade de expressão e de opinião. Atualmente, a maioria da mídia é aberta ou secretamente fujimorista. O seu servilismo ao fujimorismo foi compensado com subornos milionários que mais tarde foram tornados públicos. Cada manchete e opinião, devidamente pagas, tinham como objetivo ocultar ou encobrir os crimes da máfia fujimorista. Essa “grande imprensa”, hipotecada até o âmago, tirou as máscaras para prestar homenagem póstuma a Fujimori a caminho do cemitério.
Em circunstâncias em que as provas para condenar Fujimori eram esmagadoras, a “grande imprensa” preferiu ignorar os factos, desviar a atenção e transformar os julgamentos condenatórios em grosseiras “acusações” contra um governo de “luzes e sombras” (Caretas, 12/09 /24). Esta imprensa herdou o descrédito de Fujimori antes e depois da sua morte.
Os eventos atuais
Fujimori morreu, mas sem ele o Peru era quase um feudo do fujimorismo. Atualmente, o governo peruano é presidido por Dina Boluarte, mas, na realidade, Keiko Fujimori governa através de um Congresso sob seu controle desde 2016, quando, pela segunda vez, perdeu as eleições para Pedro Pablo Kuscynski. No entanto, conseguiu colocar 70 congressistas que lhe deram a maioria absoluta naquele congresso cada vez mais desacreditado.
Nesse período, não só gerou instabilidade política, mas também conseguiu destituir o presidente Kuscynski, deixando o governo à deriva. O presidente mudou três vezes e a economia moveu-se inercialmente.
Nas eleições de 2021, Keiko Fujimori perde pela terceira vez para o “comunista” Pedro Castillo. Porém, no Congresso obteve a primeira minoria com mais de 40 parlamentares, suficientes e experientes para manipular e orientar a atuação de um Congresso medíocre. Com essa força, aliada à extrema direita, desocupam Pedro Castillo e a presidência cai para Dina Boluarte sob o domínio absoluto do fujimorismo.
O Peru hoje é, infelizmente, o Peru do fujimorismo sem Fujimori.