A Cúpula da APEC-2024 foi um cenário onde a China se exibiu em vários campos, especialmente no da diplomacia de muito alto nível e com alcance global que, com sutileza, mas com máxima eficácia imperial, conseguiu instalar no imaginário dos 21 líderes reunidos em Lima que o mundo estava em pleno processo de “mudanças profundas” que incluía uma reconfiguração do poder mundial. Não só isso, foi dado o tempo certo para fazer uma reverência histórica, muito conveniente, a José Carlos Mariátegui e à presença chinesa no Peru que data de séculos atrás.
Além disso, como vem mostrando na “conquista do mundo” através da Nova Rota da Seda, convocou a atenção de gregos e troianos no campo da geopolítica onde, sem apelar à “força imperialista” que historicamente foi usado para subjugar e colonizar, conseguiu dizer aos EUA que a América Latina não é mais seu “quintal” exclusivo e deixou claro que a luta pela hegemonia mundial está em pleno desenvolvimento.
Nesse cenário meticulosamente preparado pela China com a “colaboração do Peru”, Xi Jinping se sentiu em casa desde o momento em que pisou em solo peruano. Não é uma certeza que ele se arrependeu de não ter estado pessoalmente em Chancay, em “seu porto”, no momento de sua inauguração, mas a implantação de tecnologia de comunicação e IA [Inteligência Artificial] fez com que o tempo e o espaço se transferissem para o Palácio do Governo, onde este ato atingiu todos os seus objetivos publicitários e de posicionamento da China no cenário latino-americano.
Tudo foi calculado com o detalhe que os chineses estão acostumados, não havia espaço para riscos de qualquer natureza, especialmente aqueles relacionados à segurança de Xi Jinping e sua comitiva. Talvez esta seja a razão que prevaleceu para não se mudar para Chancay, pois a onda de protestos, iniciada desde quando Dina Boluarte usurpou o poder, ameaçava se aguçar, apesar da própria China e EUA. Os EUA foram “muito generosos” ao “colaborar” com o Peru em matéria de segurança e sufocar protestos populares. Objetivo que, como vimos, foi parcialmente alcançado.
Mesmo a presença dos meios de comunicação de massa que, antes da chegada de Xi Jinping, tratavam a China como o “novo imperialismo que vem para subjugar o Peru e levar seus recursos naturais”, mudou de posição e, deslumbrados pela presença estelar do chefe supremo da terra do “Dragão”, não pouparam elogios em suas “notas de opinião” ou nas manchetes de todos os dias anteriores, durante e depois de deixar o Peru. É patético, para o caso, ver El Comercio, o jornal mais poderoso de Lima, mudar radicalmente de ideia sobre os chineses no Peru assim que assinaram um acordo de “cooperação” com os “comunistas” que antes criticavam.
China no Peru
Há 20 anos que a China, no âmbito de uma visão estratégica global de longo prazo revisada a cada 5 anos pelo Partido Comunista Chinês, vem atuando no Peru. Sua presença crescente e visível gerou todos os tipos de reações e opiniões. Alguns, do campo da direita, dizem que o “monstro comunista” vem para dominar as terras latino-americanas. Outros, do campo da esquerda, como sempre atomizada, se esforçam em construir caracterizações do regime chinês sem chegar a nenhum acordo, embora em seus foros íntimos pareça ficar intacta a ilusão da China de Mao. Entre esses extremos, está a opção centrista ambivalente onde o “sim, mas não” é a norma, de modo que sua opinião, por mais refinada que pareça no estilo e na reflexão, permanece nos arquivos daqueles que amam este segmento do espectro político.
E, no entanto, não é tarefa dos partidos construir o “QUE FAZER” nestes tempos, situação que não tira legitimidade de sua opinião. Este desafio é tarefa de um Estado soberano, com autodeterminação. Se o Peru e seus sucessivos governos não puderam prever, nem mesmo acompanhar o que estava por vir há 20 anos, este poderia ser o momento para marcar um antes e um depois da história nacional. Não é um exagero. A presença de Chancay, mesmo sendo propriedade exclusiva da China graças à entrega do atual governo, é um fator que poderia impactar positivamente o desenvolvimento nacional.
Vamos ver, em primeiro lugar, o que a China tem no Peru após 20 anos de presença e impacto na economia e soberania nacional.
1. Até o momento, em território peruano operam 200 empresas chinesas com um investimento acumulado de mais de U$ 31 bilhões (American Enterprise Institute, 2022), fruto de uma estratégia paciente e sagaz de penetração na economia nacional que começou há 20 anos.
2. Eles estão localizados em setores estratégicos: quatro portos, com Chancay à frente, que terá um investimento de US $ 3,6 bilhões; tem investimentos superiores a US $ 16 bilhões no setor de mineração que representa 21% do investimento nacional de mineração que o torna o principal investidor nesse setor (sítios de mineração: Las Bambas, cobre, explorado pela MMG Ltd. desde 2015, com U$3,4 bilhões de receita, 2023; Toro Mocho, cobre, explorado pela Chinalco desde 2014; Mina Marcona, ferro, explorada pela Shougang Corporation desde 1992 (produz 99% de ferro no Peru com lucros que Faz fronteira com U$1,65 bilhões), entre outros. Tudo isso com o favor das políticas de governo e em particular do TLC assinado em 2010.
3. Não só em portos e minas está o investimento chinês, também colocou o olho e o dinheiro, no negócio de energia elétrica: controla 100% do fornecimento para Lima e também grande parte do fornecimento no território nacional. Literalmente, as empresas chinesas controlam o “interruptor” da luz no Peru: Yangtze Power desde 2019 que comprou a Southern Light por US $ 3,590 Mills e a China Southern Power Grid desde 2020 em que comprou a Enel por U$ 2,9 bilhões.
4. Além disso, os chineses detêm 51% das ações da Seguros La Positiva (que pertence à empresa “Fidelidade” de Portugal que, por sua vez, pertence à Holding chinesa “Fosun International Limited”). Ou seja, sem alarde, mas controlando tudo.
5. Eles também se aventuram no setor financeiro com o Bank of China (2020), que presta serviços apenas a clientes de alto perfil, ou seja, grandes e alguns investidores de médio porte, que proporcionam grandes lucros.
6. Como para dizer que fazem parte da luta contra o aquecimento global e suas causas, a China também investe em questões ambientais, sendo sua melhor marca a fabricação em massa de carros elétricos em fábricas instaladas no Brasil, Argentina e outros países, para o qual, demonstrou interesse na produção e processamento de lítio da Bolívia, Chile e Argentina.
O que foi mencionado é apenas uma parte do que a China tem no Peru. O poder de incidência e condicionamento dessa presença é muito maior do que se poderia supor. Não é gratuito nem motivo de orgulho estar em primeiro lugar entre os países latino-americanos que tem presença chinesa, enquanto a nível global ocupa o quinto lugar (Doublethink Lab). Nada menos.
Portanto, a enorme implantação de investimentos chineses no Peru não é apenas uma questão econômica, mas uma questão profundamente geopolítica, alheia a olhares de curto prazo. Sua posição atual de domínio o alcançou pouco a pouco e esperou o “momento Chancay” para torná-lo visível e selar sua presença como algo dificilmente questionável tanto pelo país anfitrião quanto pelos EUA. EUA que, em sua condição de gendarme mundial, pensou que sua incidência na América Latina estava intacta. Os alinhamentos políticos a partir do lançamento do porto de Chancay mudarão de acordo com os interesses atuais e os que surgirão no futuro imediato.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.