Tudo indica que chegou a hora de questionar o pacto de convivência entre Executivo e Legislativo. Os cidadãos estão fartos de tanta impunidade e maldade por parte daqueles que, sem ganhar as eleições, tomaram o poder para semear a fome, o caos e o roubo promovidos pelo neoliberalismo.
Com o grito de “SÓ O POVO SALVARÁ O POVO!” mulheres e homens do Peru anunciam ações de protesto e mobilizações em julho de 2024, dando vida ao Art. 46 da Constituição Política, que diz literalmente:
“Ninguém deve obediência a um governo usurpador, nem a quem assume funções públicas em violação da Constituição e das leis. A população civil tem direito à insurreição em defesa da ordem institucional. São nulos os atos de quem usurpa funções públicas”.
A insurgência iniciada em dezembro de 2022, apaziguada com a repressão criminosa que deixou mais de 70 mortos, recupera força e anuncia novas ações e mobilizações massivas contra o governo usurpador que, blindando crimes contra a humanidade, viola sistematicamente a ordem constitucional, destrói todo o espaço da democracia e liquida o equilíbrio de poderes.
Por que o governo de Dina Boluarte, que funciona sob a tutela do “Congresso dos Criminosos”, é usurpador? Entre outros, pelos seguintes motivos:
- No âmbito de um pacto mafioso entre o Executivo e o Legislativo, liderado pela extrema direita, Dina Boluarte é nomeada presidente do Peru.
- O “Congresso dos Criminosos”, violando sistematicamente a Constituição, tornou-se o governo de fato, tendo Dina Boluarte como marionete.
- Para proteger os seus ultrajes, o “Congresso de Criminosos” subjugou o Tribunal Constitucional, minou os frágeis alicerces do Conselho Nacional de Justiça, procurou subjugar o Júri Eleitoral Nacional e o sistema judicial; e deixa de joelhos as Forças Armadas e a polícia viciadas em privilégios e bons salários.
- Em suma, o Peru tem uma ditadura parlamentar com poderes que nem o povo e nem a Constituição lhes concederam. Um Executivo que reprime criminalmente o povo e um Legislativo que liquida a democracia.
- A sua legitimidade aproxima-se, portanto, do nível zero, como se verifica nas sondagens de opinião nas quais o nível de aprovação dos cidadãos mal chega aos 5%. Da mesma forma, organizações internacionais de direitos humanos e multilaterais como a OCDE e a ONU expressaram repúdio ao governo de Dina Boluarte.
- Além disso, a sua ilegitimidade assume um tom trágico quando a cada dia se comprova que a máfia e o crime se instalam no Executivo e no Legislativo, saqueando os recursos do país. A corrupção é o pão de cada dia.
Após a insurgência popular de dezembro de 2022 e janeiro de 2023, o movimento popular recuou. O “governo usurpador” tornou-se encorajado e pensou que o povo estava derrotado para sempre. Erro grave. Não só estão cegos pelo poder passageiro que detêm, como também deixaram que o canibalismo entre eles enfraquecesse a “força” que detinham. Tudo parece indicar que a luta nas alturas está acabando e o povo se prepara para sair às ruas. Para 19 de julho é anunciada uma greve geral e para 28 e 29 de julho dias de luta em todo o território nacional.
No marco estabelecido pelo Art. 46, os Procuradores Supremos, os presidentes dos Conselhos de Procuradorias Superiores e os presidentes dos Conselhos de Procuradorias Provinciais do Peru, representando o Ministério Público, denunciam o “Congresso dos Criminosos” por aprovar regulamentos que “colidem com a ordem Constitucional, os valores e princípios democráticos que sustentam a existência e as funções atribuídas ao Ministério Público”
Os Procuradores exigem que o “Congresso dos Criminosos” respeite a Constituição, a separação de poderes e a democracia. Além disso, conscientes de que o poder está nas pessoas, apelam a que defendam a democracia. O pacto mafioso da extrema direita está em formação.
Nota final de contexto
Enquanto o governo entra em colapso político e moral, o Peru torna-se palco de um confronto geopolítico aberto entre os Estados Unidos e a China, desencadeado pelo início do funcionamento do megaporto de Chancay, cujas repercussões econômicas, comerciais e financeiras são sentidas globalmente. Os US$ 3.5 bilhões que a China investe possibilita ao país a exclusividade na gestão e controle desta gigantesca infraestrutura portuária. Obviamente, os Estados Unidos não gostam e o Departamento de Estado não demorou a declarar o porto de Chancay como um “risco iminente para a Segurança Nacional e aos interesses norte-americanos”.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.
(*) Tradução Rocio Paik.