Duas semanas percorrendo Cuba de ponta a ponta – Havana, Santiago, Guantánamo, Holguin, Santa Clara –, conversando com as pessoas simples do povo sentadas em bancos de praça, falando com empregados dos hotéis, com taxistas, balconistas de lojas e da feira de artesanato, gente esperando no ponto de ônibus, sendo recebido por um funcionário de importante órgão de produção documental em sua casa e que nos abriu o seu orçamento doméstico. Ouvindo discursos – nossa visita coincidiu com as comemorações do cinqüentenário do triunfo da Revolução.
Assistindo a uma verdadeira aula magna, objetiva, contundente e sincera, sobre economia proferida por um conceituado estudioso, intercambiando com estudantes brasileiros que cursam a Escola Latino-americana de Medicina, dialogando com estudantes de nível médio da Escola Lenin, percebendo a reação da platéia num espetáculo de gala do balé de Alicia Alonso, vendo como o povo se veste, se apresenta fisicamente e o que sua face revela, pudemos ter uma boa noção do momento atual vivido por Cuba.
A primeira constatação é que o povo, inclusive as camadas mais jovens, continua apoiando a Revolução e demonstra confiança na atual liderança. Apesar dos três furacões que devastaram a ilha em 2008 e das sequelas ainda existentes do período especial, encaram o futuro com otimismo. Sabem que o país está saindo do isolamento político e diplomático, que o fluxo de investimentos e o intercâmbio comercial com países como Venezuela, China, Rússia, Brasil, Espanha poderão alavancar um desenvolvimento vigoroso, contínuo e sustentável.
No entanto, persistem problemas sérios a serem enfrentados imediatamente sob pena, segundo as próprias palavras do presidente Raúl Castro, de serem minados internamente os sustentáculos da Revolução. E o mais grave deles é o do poder aquisitivo do peso cubano, moeda com que são pagos os salários em geral. A outra moeda – o conversível cubano, que vale 24 vezes mais – circula no crescente setor turístico, no comércio exterior, nas lojas especializadas de produtos eletrodomésticos e de comunicação, trocada pelas divisas em dólares enviadas por familiares do exterior. O salário médio em pesos da população trabalhadora é insuficiente para atender a todas as necessidades de uma família.
Para se poder elevar paulatinamente o salário, é preciso incrementar a produção e a produtividade. Mais salário sem a correspondente oferta de produtos é inflação certa e mais queda do poder aquisitivo. Para aumentar a produtividade, é preciso melhorar a gestão, diminuir a burocracia, criar incentivos, descentralizar decisões, estabelecer controles adequados, modernizar equipamentos, enfim, um complexo conjunto de medidas de caráter objetivo e subjetivo. E o Estado deixar setores de serviços elementares aos cuidados de particulares.
O enfoque prioritário é incrementar a produção agrícola e a pecuária. O governo gasta boa parte de seu orçamento para importar alimentos e, a médio prazo, há que se alcançar a segurança alimentar. Outros setores a merecer atenção imediata são a construção de moradias e a manutenção da qualidade do ensino e do atendimento à saúde.
É verdade que o cubano goza, além da gratuidade da educação e saúde, de subsídios em vários itens importantes. Como transporte, por exemplo. A tarifa do ônibus urbano é 40 centavos. Um trabalhador cubano que recebe 400 pesos, um pouco acima do salário mensal básico, pode viajar com seu salário mil vezes. E pode ir 200 vezes ao cinema.
Estive com um funcionário importante do setor de comunicação e ele me abriu o orçamento. Tem mulher e dois filhos. Ganha 500 pesos. Gasta com luz, gás, telefone, água, transporte, cesta básica, lazer básico cerca de 300 pesos. Os 200 restantes são insuficientes para comprar artigos não subsidiados como roupa, calçados, alimentos fora da cesta básica, artigos eletro-eletrônicos etc. No caso deste meu interlocutor, a mulher também trabalha e ganha 600 pesos, o que lhes permite levar uma vida razoável, mas bastante simples.
A gratuidade da educação e da saúde e os subsídios em itens fundamentais levam muita gente a encostar o corpo e buscar reforço salarial em atividades ilegais. O governo quer enfrentar o problema com base no princípio de que todos têm o dever de trabalhar e prover suas necessidades. E a falta de mão-de-obra em atividades essenciais como construção civil é grave.
A Revolução cumpriu 50 anos. Resistiu e superou dificuldades, agressões, bloqueio, aparentemente insuperáveis. Nesse novo período que se inicia, continuará resistindo e avançando. Novas gerações de dirigentes irão assumindo o leme. E será o povo cubano, digno, consciente, patriota, bem formado que garantirá a continuidade de seus princípios e do socialismo.
* Max Altman é advogado, jornalista e presidente do Comitê Brasileiro pela Libertação dos 5 Patriotas
NULL
NULL
NULL