Certamente ninguém esperava que o Governo Lula 3 fosse o mais à esquerda da história brasileira, contudo, é no mínimo contraditório com o programa eleitoral que o elegeu tenha sido abandonado em prol da aderência aos mandos e desmandos que o deus mercado impõe. Fernando Haddad, ministro da Fazenda, e Simone Tebet, ministra do Planejamento, declararam que o Governo Federal precisará reduzir investimentos em políticas sociais para atender às restrições de gastos impostas pelo Arcabouço Fiscal e aliviar a chamada “tensão no mercado”. Na quarta-feira, dia 30 de outubro, Haddad confirmou que uma Proposta de Emenda Constitucional com um dispositivo para limitar as despesas obrigatórias será encaminhada em novembro. Especulações aferem que a proposta pode reduzir as despesas públicas em até 60 bilhões de reais.
O economista-chefe do C6 Bank, Felipe Salles, recentemente afirmou que aumentar a taxa Selic não vai frear a alta do dólar e da inflação, e que único caminho para os indicadores é via fiscal (corte de gastos).
Cortar os gastos públicos, no entanto, não modificará em nada a inflação brasileira, que está vinculada a um aumento nos preços dos insumos (inflação de custo) e, com o dólar ficando cada vez mais caro, a tendência é que os preços subam ainda mais. Além disso, o Banco Central possui diversos mecanismos para conter a alta do dólar; não o faz por vontade política, utilizando como única ferramenta, ao invés disso, a Selic, que neste caso em nada vai ajudar. Por fim, muito provavelmente além da redução da despesa pública, de soluções não efetivas para questão cambial, a Selic deve subir 0,5 ponto percentual, após a reunião de 6 de novembro do Copom. É um jogo de ganha-ganha para o mercado, que é muito bem remunerado pelos títulos públicos que detém e ainda abocanha a única fatia do orçamento público nacional em que não se mexe: a dívida pública.
O Estado brasileiro tem uma grande dívida com sua população e, em sua política fiscal, não deve reduzir os gastos sociais, mas sim priorizá-los. A falta de investimento em áreas essenciais cria terreno para o crescimento de discursos autoritários e reacionários, alimentados pelo desespero e frustração do povo. O aumento dos gastos públicos não inviabiliza as contas do governo, cortar esses gastos não contribui para o equilíbrio fiscal. Pelo contrário, a teoria econômica demonstra que os gastos sociais têm um efeito positivo e dinâmico na atividade econômica. Encarar o equilíbrio das contas públicas com a perspectiva simplista de uma economia doméstica, como frequentemente fazem a mídia e alguns setores do governo, é um erro.
Se de fato é necessário que uma parte do orçamento federal passe por cortes significativos, como argumenta a equipe econômica, o Manifesto Contra o Pacote Antipopular sugere outro foco: as despesas financeiras, em especial o pagamento de juros que favorecem os grandes rentistas. Tal manifesto já foi assinado por diversas pessoas de renome da economia e da política, inclusive dois ex-ministros do presidente Lula. O manifesto faz coro à ideia de que o objetivo da PEC é reduzir e restringir direitos básicos para obedecer às regras fiscais que priorizam as exigências do mercado às custas do bem-estar social. Essas medidas são antipopulares e ignoram deliberadamente as desigualdades estruturais do país, agravando a situação dos mais vulneráveis. O Manifesto reivindica que o Novo Arcabouço Fiscal seja alterado ou revogado para que os direitos sociais não apenas sejam preservados, mas também expandidos, garantindo a inclusão e a proteção da população mais desamparada.
É fato que a intensa pressão midiática em favor do fiscalismo tem desempenhado um papel crucial na legitimação dessas medidas restritivas de direitos, retratando-as como a única solução econômica possível. Contudo, não é correto afirmar que a única opção do governo para promover o desenvolvimento de uma sociedade verdadeiramente democrática, igualitária e ambientalmente responsável seja sacrificar direitos em nome de uma política monetária e fiscal inadequada. Cortar direitos fundamentais leva ao sofrimento e à vulnerabilidade. É essencial que o governo esteja aberto ao diálogo e disposto a ouvir, para não colocar o futuro em risco, até porque essa abordagem é justamente o que a extrema direita deseja: um governo fragilizado, incapaz de atender às necessidades da população e cada vez mais subordinado aos interesses financeiros.
E a quem fala que o presidente Lula não tem opção, se fosse o governo anterior propondo redução em gastos essenciais, cortando o BPC e promovendo reformas que atacam a saúde e a educação, não estaríamos todos fazendo coro em relação ao absurdo que isso é? Ou alguém está convencido que já chegamos ao patamar ideal de investimentos nos nossos direitos básicos? Por isso, convido a todos que assinem Manifesto Contra o Pacote Antipopular, para que haja pressão sobre o governo em relação a quem deve ter suas demandas ouvidas: o povo!