Quarta-feira, 26 de março de 2025
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Durante o Carnaval, uma enxurrada de influenciadores, coaches de comportamento e políticos de extrema direita postaram os mais diversos absurdos sobre a maior celebração cultural que temos no país. Desde a alegação da promiscuidade — essa mais antiga que o Faraó (êêêêêêêêêêêêê Faraó) — até aquela conversa da vez: “Todos temos as mesmas 24 horas” ou “Se se empenhassem no trabalho como fazem no Carnaval, não seriam pobres.” Claro, sem deixar de lado o famoso “O Carnaval aliena o povo, é pão e circo.”

Se o fato de o povo ocupar as ruas em festa, durante quatro dias seguidos, permite que as mulheres se sintam um pouco mais seguras para usar as roupas que têm no armário, sem a tamanha fiscalização diária, e se esses dias permitem que as pessoas demonstrem afeto a quem quiserem, sem a certeza de que correm o risco de serem agredidas a qualquer momento, temos, com certeza, um sinal de que os carnavalescos estão certos e os outros estão errados.

Isso significa que você tem que gostar da festa em si, deve amar essa bagunça organizada, ocupar as ruas e valorizar as marchinhas? (As marchinhas até deveriam ser obrigatórias, mas deixemos esse assunto para outro texto). É evidente que a resposta é não. Se prefere ficar em casa, viajar para o frio ou assistir a todas as séries e filmes que não teve tempo de ver, está perfeito! Seja feliz com suas preferências.

Porém, compreenda o papel cultural, político e econômico do Carnaval. Segundo dados oficiais do governo, em 2024, foram gerados 35 mil novos empregos diretos apenas nas capitais, movimentando R$ 12 bilhões e levando 50 milhões de pessoas pelas ruas e avenidas de todo o país. Ademais da criação de novos empregos, o carnaval é responsável por empregar milhões de brasileiros, escolas de samba, produtores, operadores do turismo, artistas, trabalhadores do transporte, entre muitos outros setores da economia.

Paulo Pinto/Agência Brasil
Carnaval 2025 – Sambódromo do Anhembi, desfile do Grupo Especial – Escola de Samba Gaviões da Fiel

A condenação que a elite nacional faz à nossa maior festa popular demonstra o evidente preconceito de classe, além de uma profunda incompreensão sobre o Brasil. Basta aproveitar um único dia de Carnaval para entender do que se trata: além do formidável resultado para a economia, o Carnaval é momento de manifestação política; cartazes “Sem Anistia” e críticas aos governos locais eram vistos por todos os lados. Da Sapucaí aos blocos temáticos, o Carnaval é celebração, mas também é denuncia. No que se refere à cultura popular, é o maior espetáculo da Terra; a soma das mais diferentes culturas regionais, que constituem o Brasil continental em que vivemos, é algo único no mundo e deve ser festejado. Mesmo a marchinha mais inocente subverte a ordem e suspende, ainda que momentaneamente, o poder de patrões e proprietários: como pode o povo não gostar disso?

Antes de argumentar que não são só os ricos que condenam o Carnaval, lembre-se de que também há cristãos que apoiam o Malafaia, pobres que são contra a taxação de grandes fortunas, pessoas LGBTQIAPN+ que votaram no Bolsonaro, imigrantes ilegais que apoiaram Trump (Como será que é o Carnaval em Governador Valadares?) e por aí vai; não passaremos incólumes às contradições.

Neste fim de semana, acaba oficialmente a temporada de Carnaval. Que fique o aprendizado sobre a potência da nossa cultura, a importância de usar a celebração como denúncia e o entendimento de que as pessoas que estão ocupando as ruas são, em grande maioria, trabalhadores aproveitando um raro momento de liberdade. Liberdade… Lembramos a melhor interpretação sobre o que essa palavra, com tantos significados, demonstra: “Liberdade — essa palavra que o sonho humano alimenta: que não há quem explique, e ninguém que não entenda!” (Cecília Meireles).

(*) Tom Altman é economista e empresário. É diretor-geral de Opera Mundi.