A mediação do presidente costarriquenho, Oscar Árias, para a crise em Honduras, sugerido pela secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, parece fadada ao fracasso. As posições estão extremadas e nada indica que possa haver acordo. O nó górdio é o retorno de Manuel Zelaya à presidência de Honduras. O presidente do governo de facto, Ricardo Micheletti, diz que negocia tudo menos o retorno de Zelaya. O presidente deposto pelo golpe de Estado reafirma que a pré-condição de qualquer diálogo é a retomada incondicional da cadeira presidencial.
Michelleti se escora na Constituição hondurenha para afiançar que Zelaya cometeu crime, confirmado pela Corte Suprema e pelo Congresso, e por isso foi apeado do poder. Diz agora, por seus porta-vozes, que o seqüestro do presidente de sua residência e o envio forçado ao exterior não passou de um erro de avaliação dos militares no cumprimento da ordem judicial.
E o que diz a Constituição? O cidadão que tenha desempenhado a titularidade do Poder Executivo não mais poderá ser eleito presidente. Aquele que violar esta disposição ou propuser sua reforma, bem como aqueles que a apoiarem direta ou indiretamente terão cessado de imediato o desempenho de seus respectivos cargos e serão declarados traidores da pátria. A carta-magna hondurenha também diz que não poderão ser reformados, em nenhuma circunstância, os artigos que se referem à forma de governo, ao território nacional, ao período presidencial e à proibição de ser reeleito.
O presidente Zelaya também se ampara na Constituição e na lei. A proposição de realizar a consulta não vinculante, que de resto poderia propor ou não um referendo paralelamente às eleições de 29 de novembro – a quarta urna – sobre a instalação de uma Assembléia Constituinte, está fundada no artigo 5º da Lei de Participação Cidadã que permite realizar consultas populares não vinculantes.
O decreto 3-2006, aprovado pelo mesmíssimo Congresso nacional, invocando a Constituição da República, estabelece que a soberania corresponde ao povo do qual emanam todos os poderes do Estado. E mais: o artigo 45 da Constituição reza que toda ação que proíba ou impeça a participação do cidadão na vida política é censurável; o artigo 2º estabelece que a usurpação da soberania popular e dos poderes constituídos é classificada como delito de traição à pátria. Finalmente, o artigo 3º aponta que ninguém deve obediência a um governo usurpador nem a quem assuma funções ou empregos públicos pela força das armas.
Postura dos EUA
Está montado um inextricável impasse. Como rompê-lo?
Dado o histórico grau de dependência econômica e política de Honduras aos Estados Unidos em cujo território mantêm a base militar de Soto Cano com um contingente de cerca de 600 homens, estreitamente ligado às Forças Armadas hondurenhas, é lícito afirmar-se que sem o apoio de Washington, o governo Micheletti, encurralado e isolado, não tem condições de se sustentar nem pode divisar possível solução.
Honduras pode sobreviver sem um assento na OEA (Organização dos Estados Americanos) ou na ONU (Organização das Nações Unidas), mas não pode prescindir dos 85% de seu comércio voltado para o país do norte. Portanto, tudo dependerá do nível de respaldo que os Estados Unidos prestar, se continuam sem caracterizar o governo como golpista, se prosseguem com a ajuda econômica, se mantêm o embaixador.
Tudo leva a crer que estão negociando com os golpistas, tratando de minimizar os efeitos do retorno. Penso que se concretizarem a prisão de Zelaya, isto poderá provocar uma violenta crise em toda a região deixando os Estados Unidos numa posição muito incômoda. A alternativa seria aceitar que Zelaya reassuma a presidência, manietando-o politicamente para que não possa nem relançar a sua consulta nem a quarta urna.
Entretanto, as resoluções da OEA, das Nações Unidas, do Grupo do Rio, da Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas) exigem que Zelaya retome a presidência imediata e incondicionalmente. Se isto não ocorrer, os demais processos políticos – eleições gerais inclusive – seriam tisnados de viciados.
O pano de fundo com que se desenrolam as negociações mostra-se indefinido. O Departamento de Estado qualificou a destituição do presidente Zelaya como um “golpe de Estado”, com o que Honduras fica exposta a uma série de sanções estadunidenses e internacionais, como mais um ato da política externa sem precedentes de Obama, por sinal, acidamente criticada por setores conservadores.
Paralelamente, o Pentágono anunciou o adiamento de exercícios militares conjuntos com Honduras. O porta-voz Bryan Whitman não foi específico, porém a suspensão poderia afetar a velha cooperação militar que inclui os efetivos da base de Soto Cano. Pelo mesmo motivo, a Corporação Conta do Milênio ficou de mãos livres para restringir a entrega de fundos de até 215 milhões de dólares em doações ao país.
O Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento informaram que estavam retendo a entrega de créditos e outras transações num montante de 470 milhões de dólares. Finalmente, existe a proibição decorrente da Lei de Ajuda ao Estrangeiro (U. S. Foreign Assistence Act) de prover fundos a governos em que o chefe de Estado tenha sido derrubado por golpe militar.
No plano político, as primeiras declarações da Casa Branca em resposta ao golpe foram evasivas. Não se denunciava o golpe e sim fazia um chamado a todos os atores políticos e sociais a respeitar as normas democráticas, o estado de direito e os princípios da Carta Democrática da OEA, sem interferência externa.
No mesmo dia, à medida que a resposta de outras nações se fez mais clara, Hillary Clinton deu uma declaração mais forte em que repudiava o golpe, no entanto sem menção alguma ao retorno de Zelaya à presidência. Na tarde de segunda-feira, 29 de junho, Obama finalmente declarou que “nós acreditamos que o golpe não foi legal e que o presidente Zelaya continua sendo o presidente de Honduras …”.
Todavia, mais tarde nesse mesmo dia, numa coletiva de imprensa foi perguntado a Hillary se restaurar a ordem constitucional significava o retorno de Zelaya e ela não deu uma resposta afirmativa.
Por quê tanto receio em conclamar abertamente pelo retorno imediato e incondicional de um presidente eleito, como o fizeram os demais países do continente e as Nações Unidas? A hipótese evidente é que Washington não compartilha desses objetivos.
O governo Obama afirma que tentou dissuadir o Exército hondurenho a agir como agiu. Seria interessante saber como as discussões se deram. Será que seus oficiais locais disseram algo como “os senhores sabem que teremos de dizer que estamos contra um lance como o que o pretendem levar a cabo, porque o mundo inteiro o fará” ou, outra hipótese, “não o faça, porque faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para reverter qualquer espécie de golpe”. A postura do governo desde que ocorreu o golpe aponta para a primeira hipótese ou até, pode-se imaginar, algo pior.
Estratégias claras
A estratégia de ambos os lados parece agora clara. Os partidários de Zelaya batem na tecla de que se ele não for reintegrado uma onda de golpes de Estado ameaça derrubar diversos governos da América Latina que seriam controlados por militares educados na doutrina da segurança da Escola das Américas. E que a reintegração deve ser logo porquanto manobras dilatórias desgastariam inapelavelmente as forças sociais que internamente o apoiam.
Os defensores de Micheletti lutam pela dilação, apoiados nas instituições, nos setores oligárquicos, na hierarquia das igrejas, na mídia e externamente em setores conservadores, especialmente dos Estados Unidos. Segurar o leme por alguns meses na expectativa que as eleições de 29 de novembro devolvam o país à normalidade.
Contudo, nem um lado nem outro estão seguros da vitória. Fatores supervenientes podem embaralhar tudo.
* Max Altman é advogado, jornalista e presidente do Comitê Brasileiro pela Libertação dos 5 Patriotas
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