Terça-feira, 15 de julho de 2025
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Nas últimas semanas, o Sistema Único de Saúde, o nosso SUS, foi objeto de péssimas discussões nas redes sociais. “Debate” gerado pelas declarações de uma personalidade bolsonarista querendo angariar votos para a próxima eleição. Saindo dessa superficialidade, é preciso dizer o óbvio: considerando o tamanho do nosso país em território e população, temos o maior sistema público e universal de saúde do mundo. O SUS, com seus problemas e limitações, cobre desde a atenção primária até a média e alta complexidade. A título de comparação, a China, hoje, universalizou a atenção primária a partir do serviço público, mas ainda não tem o nível de cobertura do nosso SUS no campo da alta complexidade.

O SUS foi conquistado num momento de ascensão do movimento operário e popular, no processo de saída da ditadura empresarial-militar. Foi a última grande reforma conquistada pela classe trabalhadora brasileira. Depois do SUS, não tivemos mais reformas conquistadas, mas sim políticas públicas. Não é o objetivo deste texto explicar a diferença entre uma reforma popular e uma política pública. Cabe dizer, em poucas palavras, que uma reforma, quando arrancada da burguesia, torna-se algo de difícil reversão, transcende os governos e conjunturas eleitorais de momento, criando raízes profundas na sociedade. Mais de 30 anos de neoliberalismo no Brasil não conseguiram destruir o SUS – e não foi por falta de tentativas.

Caminhada em Defesa do SUS. (Foto: CES-SP / Flickr)

Caminhada em Defesa do SUS.
(Foto: CES-SP / Flickr)

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A conquista do SUS acontece com as esquerdas em minoria na Constituinte de 1988 e foi protagonizada por vários comunistas que buscaram a sua inspiração em experiências socialistas, como União Soviética e Cuba, e em governos locais liderados por partidos comunistas, como a experiência do Partido Comunista da Itália (PCI). Na retórica de hoje, quando “correlação de forças”, medida apenas pela composição no Congresso Nacional, virou uma desculpa para covardia, rendição e estelionato político e eleitoral, é importante lembrar que, se temos o SUS, isso se deve à mobilização popular e à pressão dentro e fora da institucionalidade burguesa.

Compreender a dimensão histórica da conquista do SUS não nega seus problemas. O nosso sistema de saúde foi criado no bojo da onda neoliberal, que tem como elemento orgânico a austeridade, destruição de capacidade produtiva, privatizações, desnacionalização da economia, precarização do trabalho etc. O SUS tem suas dimensões de inferno. Basta ir à emergência do Hospital da Restauração, em Recife, por exemplo, para ver o povo trabalhador amontoado em condições subumanas, num cenário mais tenebroso que o mais realista filme de terror.

O projeto original da reforma sanitária tem uma distância cada vez maior do que é, na prática, o SUS hoje. Repetir abstratamente um “viva o SUS”, sem enfrentar a precarização do trabalho, desfinanciamento e subfinanciamento, dependência tecnológica, negligência da atenção primária à saúde e a generalizada privatização a partir de mecanismos como as OS (organizações sociais, tem pouco efeito prático na consciência popular. O povo sabe bem os limites, problemas e cenas de barbárie que encontramos no SUS.

Ao mesmo tempo, o SUS tem um potencial gigantesco. Potencial para ser um gerador de complexidade produtiva, desenvolvimento de ciência e tecnologia, planejamento estatal, serviço público de excelência e combate sistemático às desigualdades de renda, riqueza e propriedade. Pense em um dado básico: o SUS é uma estrutura de distribuição presente de norte a sul do Brasil, um consumidor gigantesco de vacinas, fármacos, instrumentos cirúrgicos, máquinas e equipamentos, luvas, máscaras etc. Coordenar o abastecimento do SUS com uma estratégia de enfrentamento à dependência econômica e tecnológica tem potencial para provocar gigantescas transformações na economia e na sociedade brasileira.

Uma industrialização soberana e socialista do Brasil também poderia ter no complexo econômico-industrial da saúde seu principal ponto de apoio e pilar de afirmação na política externa, combatendo a dinâmica de propriedade intelectual e o domínio dos monopólios imperialistas do mercado de fármacos, que submetem povos do Terceiro Mundo à escassez de medicamentos e a preços imorais. A classe dominante não erra quando ataca o SUS, defende acabar com o piso constitucional da saúde, avança cada vez mais nos processos de privatização e incentiva o setor privado da saúde. O SUS poderia ser um grande exemplo da superioridade do planejamento estatal sobre o mercado como regulador das relações sociais.

Em suma, defender o SUS é fundamental. Mas não uma defesa ingênua, abstrata, sem concretude. Quem deseja de verdade defender o nosso sistema de saúde, no mínimo, como requisito básico, precisa ser um crítico da austeridade, do Novo Teto de Gastos e da manutenção do regime macroeconômico neoliberal consolidado no governo Fernando Henrique Cardoso e intocado depois de cinco mandatos presidenciais petistas. Indo à raiz do problema, para recuperarmos toda a vitalidade do projeto original da Reforma Sanitária, precisamos conjugar a defesa do SUS com a luta pela Revolução Brasileira, para colocar na ordem do dia a criação de uma industrialização socialista com planificação econômica adaptada às características brasileiras – para fazer do SUS tudo que ele pode ser: um instrumento para salvar vidas e curar a soberania brasileira, paciente doente, em estado quase terminal.

(*) Jones Manoel é historiador, professor, mestre e doutorando em Serviço Social, escritor, educador, comunicador popular e militante comunista.