Ucrânia e Gaza: o calcanhar de Aquiles dos EUA
Trump sabe que nem a União Europeia nem a OTAN, juntas ou separadas, têm condições de impor a paz na Ucrânia
Como um império chega ao fim? Essa é a pergunta que intriga todos aqueles que acompanham os acontecimentos globais, especialmente observando o desempenho de Trump como presidente dos Estados Unidos em um cenário onde a supremacia americana está cada vez mais em xeque.
China e Rússia, de um lado, e, do outro, União Europeia, Reino Unido, França, Canadá, México, Venezuela, Índia, Irã e Turquia demonstram que o “monstro imperialista” não é invencível. Ainda que os EUA tenham sido a potência hegemônica indiscutível desde a queda da União Soviética em 1991, os últimos 15 anos trouxeram mudanças significativas no cenário global. Subjugar países e governantes em nome da “democracia” deixou de ser uma norma imperialista inquestionável.
O avanço da China a ponto de se tornar o “inimigo número um” do imperialismo americano – tanto sob Trump quanto antes dele – alterou drasticamente o equilíbrio de poder global. Mas não é apenas a China que busca uma posição dominante: a Rússia, que desafiou o monopólio americano sobre a guerra, reivindica sua influência; a União Europeia, desprezada por Trump, se tornou adversária da política externa de Washington; e países como Índia e Irã fazem parte do bloco que resiste à hegemonia americana.
Além disso, os EUA estão perdendo terreno na guerra econômica, na corrida tecnológica e até na disputa armamentista com poder nuclear. Para muitos especialistas, esses fatores indicam o início da decadência de um império que dominou o mundo por mais de oito décadas.
Mas a queda do imperialismo americano está próxima? Provavelmente não. Todo império leva tempo para desaparecer, e seu sucessor amadurece na medida em que a decomposição do anterior avança.
A queda da URSS e o fim da unipolaridade
Com o colapso da União Soviética em 1991, os EUA acreditaram que poderiam governar o mundo sem adversários e, com isso, passaram a ignorar os limites do direito internacional. Foi o início da era unipolar, com a OTAN servindo como braço armado encarregado de desmantelar politicamente e territorialmente a ex-URSS. Mais de três décadas de pressão culminaram na guerra na Ucrânia.
Desde então, a política externa americana abandonou qualquer pretensão de neutralidade em conflitos internacionais. As promessas de que a OTAN não avançaria sobre a Europa Oriental se mostraram falsas, especialmente com a recente interferência na Ucrânia. O verdadeiro objetivo dessa expansão era evitar uma aliança entre Rússia e China, a principal ameaça à hegemonia americana.
A OTAN iniciou sua expansão em 1999, incorporando Hungria, Polônia e República Tcheca. Mesmo diante dos protestos russos, o bloco seguiu sua política expansionista. Em 2004, mais sete países foram adicionados ao pacto: os três Estados Bálticos, Romênia, Bulgária, Eslovênia e Eslováquia. Isso trouxe a aliança militar ainda mais próxima das fronteiras russas, em clara violação dos acordos de cooperação entre EUA e Rússia.
Após os atentados de 11 de setembro de 2001, os EUA lançaram uma série de guerras contra o “terrorismo”, alinhando-se a Netanyahu, que rejeitava a solução dos dois Estados para o conflito entre Israel e Palestina. O poderoso lobby judaico nos EUA garantiu que Washington e Tel Aviv compartilhassem os mesmos objetivos geopolíticos: eliminar aliados da antiga União Soviética e erradicar Hamas e Hezbollah, enquanto minavam qualquer chance de um Estado palestino.
Em 2010, Viktor Yanukovich foi eleito presidente da Ucrânia com a promessa de manter o país neutro na crescente disputa entre OTAN/EUA e Rússia. Na época, Moscou não tinha interesse territorial na Ucrânia, exceto pela manutenção de sua base naval em Sebastopol, sob um contrato de arrendamento de 25 anos.
A “revolução” de Maidan e a guerra na Ucrânia
O governo de Yanukovich era um incômodo para os interesses americanos e, por isso, precisava ser removido. Em 2014, os EUA apoiaram a chamada “Revolução de Maidan”, que resultou em um golpe de Estado. Moscou não reagiu militarmente e aceitou os Acordos de Minsk, que visavam pacificar a região de Donbass. No entanto, esses acordos foram sabotados pelos próprios garantes – França e Alemanha – e negligenciados pelo Conselho de Segurança da ONU sob influência americana.
Tanto republicanos quanto democratas adotaram a mesma postura agressiva. Tanto Trump, em seu primeiro mandato, quanto Biden, armaram e financiaram a Ucrânia para confrontar a Rússia. Porém, ao buscar um segundo mandato, Trump mudou de estratégia e passou a defender uma “paz duradoura”.
Segundo fontes russas e analistas independentes, a “operação especial” lançada por Moscou tinha como objetivo obrigar Zelensky a negociar a neutralidade da Ucrânia, e não conquistar territórios, como propagavam os veículos de mídia ocidentais. O Kremlin queria evitar a entrada da OTAN na Ucrânia, mantendo os EUA longe de suas fronteiras.
Esse conflito aprofundou as tensões globais. Em 2002, os EUA abandonaram o Tratado de Mísseis Antibalísticos e em 2019 encerraram os acordos de controle de armas nucleares. Desde 2010, sem compromissos legais a cumprir, Washington instalou sistemas de mísseis antibalísticos Aegis na Polônia e Romênia e cogitava fazer o mesmo na Ucrânia – um movimento que Moscou via como inaceitável.
Nos primeiros meses da operação russa, Zelensky chegou a aceitar negociar a neutralidade da Ucrânia, mas, pressionado pelos EUA e pelo Reino Unido, desistiu das tratativas. Estava claro que Washington não queria o fim da guerra, principalmente porque o conflito gerava lucros bilionários para a indústria bélica americana.
Com o retorno de Trump, os EUA tiveram que reconhecer que a Rússia resistiu ao bloqueio econômico, demonstrou força militar e sustentou sua posição no campo de batalha por muito mais tempo do que Washington esperava. Nem a exclusão da Rússia do sistema SWIFT nem as diversas sanções impostas pelos EUA e pela UE surtiram o efeito desejado.
Agora, Trump assume com a promessa de encerrar a guerra e recuperar o dinheiro enviado à Ucrânia. A maneira mais rápida e eficaz de fazer isso? Negociar diretamente com Putin. E é isso que ele está tentando fazer, partindo do princípio de que o futuro do mundo será decidido pelas grandes potências. Trump sabe que nem a União Europeia nem a OTAN, juntas ou separadas, têm condições de impor a paz na Ucrânia.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano. Tradução de Raul Chiliani.