Enquanto Celso Amorin, assessor especial para assuntos internacionais de Lula, navega em seu interminável “sim, mas não”, o mundo assiste com justificável espanto à inauguração de um cenário geopolítico global no qual os resultados eleitorais da Venezuela revelam um mundo dividido em dois. Isso não é novidade, mas essa divisão não estava tão claramente exposta como está agora.
Por um lado, temos um Estados Unidos beligerante e alguns países (alguns membros da União Europeia, Argentina, Panamá, entre outros) pedindo a verificação dos resultados das eleições na Venezuela. Como já se sabe, esse é o primeiro passo para repudiar abertamente a reeleição de Nicolás Maduro. Nesse caminho, o Peru está acumulando descrédito e sendo ridículo por meio de patéticas demonstrações de diplomacia servil. Desta vez, superando o comportamento hilário dos derrotados na Venezuela, ele reconhece o candidato perdedor como presidente, Edmundo Gonzáles, como se estivesse reencarnando o cadáver político Juan Guaidó.
Por outro lado, há países líderes da China (Rússia, Irã, Cuba, Espanha, Bolívia, entre outros) que reconhecem o triunfo de Maduro. Para melhor compreensão, Xi Jinping observou que: “a China, como sempre, apoiará firmemente os esforços da Venezuela para salvaguardar sua soberania e dignidade nacional e estabilidade social, e apoiará firmemente a justa causa da Venezuela de se opor à interferência externa”. Portanto, qualquer tentativa de golpe ou interferência do Departamento de Estado norte-americano sempre terá como contrapartida a vigilante atitude da China e dos países que subscrevem sua posição.
Nem mesmo os Jogos Olímpicos da França, com seu pequeno Napoleão (Macron), foram capazes de impedir que as primeiras páginas da mídia hegemônica mundial dedicassem dias e semanas às eleições que acabaram reelegendo Nicolás Maduro como presidente da Venezuela. Não é que Maduro tenha se tornado repentinamente um líder mundial, mas sim que o “caso Venezuela” assumiu dimensões extraterritoriais que fazem do país um ator com um impacto particular na disputa pela independência do mundo.
Nessa perspectiva, a birra pós-eleitoral da extrema direita local e internacional tem pouca importância. Tampouco importa a hipocrisia de uma certa “esquerda” que repete a narrativa imperialista, buscando manter os privilégios e os benefícios da “democracia ocidental”. A geopolítica em escala global tem um novo interlocutor, a Venezuela, defendendo seus recursos naturais da voracidade dos EUA. Essa é a questão subjacente que a estridência da “fraude”, com violência e caos no meio, procura esconder da ultradireita venezuelana e de seus mentores.
Enquanto os EUA e seus governos subjugados na Europa, bem como governos de Javier Milei, da Argentina, Daniel Noboa, do Equador, ou a “iluminada” Diana Boluarte, do Peru, estão pedindo uma recontagem dos votos, ou que as “atas sejam mostradas” porque “há pouca transparência”, China, Rússia, Irã, Bolívia, Honduras, Espanha e Espanha e Cuba, entre outros, reconheceram a vitória de Maduro.
Com o cenário geopolítico global configurado dessa forma, não há explicação plausível para que os progressistas e esquerdistas, que se dizem defensores da democracia e da “transparência”, demorem a reconhecer as eleições, enquanto se esforçam para fazer discursos polidos, essencialmente repetindo a narrativa da extrema direita local e internacional veiculada pela mídia hegemônica.

Nicolás Maduro foi reeleito presidente da Venezuela com 52% dos votos
Por exemplo, Amorin diz: “estamos cautelosos” aguardando os resultados, como se ele não conhecesse os resultados que foram publicados com 80% dos votos apurados. Ele também disse que “incomoda” a falta de transparência, mas “não pode dizer com certeza que houve fraude” (Brasil247). Em outras palavras, “ni chicha ni limonada”, como diriam os peruanos. Esse parece ser o teor da diplomacia brasileira nos dias de hoje, pelo menos na região, embora seu desempenho no BRICS e no G20 pareça mais resoluta e proativa.
A opinião do governo de Dina Boluarte, do Peru, incluindo a estupidez de “reconhecer” Urrutia como presidente (o próprio Guaidó), ou a de seus mensageiros, como Juan Carlos Tafur, alinhado com Milei, da Argentina, ou Noboa, do Equador, o que não é de surpreender, já que eles são os únicos a se posicionar contra o governo.
Mas a do Brasil levanta dúvidas e questionamentos, embora um fator atenuante seja o comunicado conjunto assinado pelo governo brasileiro com a Colômbia e o México, dizendo que ficarão satisfeitos com a publicação dos registros de votação. Isso já é alguma coisa.
Em seu desespero e impotência democrática, a ultradireita local e internacional estão pedindo descaradamente, sem corar, que “países amigos” sejam os que “recuperem a democracia” no país. Em outras palavras, eles estão pedindo explicitamente a intervenção estrangeira, em particular a dos Estados Unidos, esquecendo cinicamente sua pregação anterior contra a interferência. Mais uma vez, o princípio da autodeterminação e da soberania do povo venezuelano está sendo posto à prova.
Os povos latino-americanos precisam estar atentos, pois estão sendo feitas tentativas para gerar condições para que a questão venezuelana se agrave a níveis de confronto maior, já que a guerra se tornou uma necessidade vital para prolongar a vida do neoliberalismo.
Os progressistas e a Venezuela
A política é, em geral, constrangedoramente engraçada na região e no planeta. Mas a geopolítica não pode ser tratada de forma irresponsável, misturando-a de forma grosseira com questões domésticas. A ambiguidade na diplomacia, útil em épocas anteriores à primazia da geopolítica nas relações internacionais, não é a melhor ferramenta quando se quer “salvar a face” e manter o prestígio conquistado em décadas de diplomacia lúcida e uma visão que corresponde a cada momento histórico.
A atual diplomacia do Peru, por exemplo, é o melhor exemplo de como destruir as tradições e a cultura da diplomacia. A diplomacia da Argentina, com o Milei, acaba sendo um empório de negócios para submeter aquele país aos ditames dos EUA, etc. Os da esquerda e do campo progressista, governos e líderes sociais, criticam com o mesmo tom e discursos contra o governo de Maduro ou as eleições recentemente realizadas, apenas revelam sua ambiguidade ou centrismo que acaba cedendo aos privilégios de que desfrutam ao defender a “democracia representativa” contra a democracia participativa praticada na Venezuela.
Criticar a Venezuela e seu governo sem criticar da mesma forma o vandalismo da extrema direita local e internacional mostra sua escolha política e ideológica. Essas atitudes críticas em relação a apenas um lado do espectro político teriam sido equilibradas se, ao mesmo tempo, tivessem criticado e condenado o assassinato de 70 peruanos pelo governo de Boluarte e seus chefes no “Congresso de criminosos”. Mas não, eles não
não disseram nada, pois dizer isso seria “desrespeitar o Tio Sam”.
Embora não tenha reconhecido o triunfo de Maduro, Andrés Manuel López Obrador, o presidente do México, denunciou à opinião pública internacional a intromissão da OEA (que já fracassou vergonhosamente em sua tentativa) nos assuntos internos do país, e expressou sua preocupação com a crescente vocação intervencionista dos Estados Unidos.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.
(*) Tradução Fernanda Forgerini.