O processo eleitoral na Venezuela serviu de pano de fundo para encenar a disputa geopolítica global desencadeada por meio da reeleição de Maduro. As questões, então, transcendem a questão maniqueísta interna: quem ganhou as eleições? O G7 liderado pelos Estados Unidos ou os BRICS+? Será que estes dois blocos realmente se preocupam com a “democracia” em algum país? Antecipamos algumas pistas para compreender as razões pelas quais a Venezuela se torna o epicentro da geopolítica mundial.
Um pouco dos BRICS e um pouco do G7
Os BRICS, bloco econômico de países emergentes, se definem como um espaço internacional alternativo ao G7, que reúne os países mais poderosos e desenvolvidos do mundo ocidental. Em termos demográficos, os BRICS têm mais de 45% da população mundial, enquanto o G7 não representa sequer 10%, embora seja um grupo com maior poder econômico, no momento. Vamos ver.
Segundo o Banco Mundial, em 2000 o PIB global foi de US$ 33,8 trilhões, dos quais 65,4% foram atribuídos ao G7 e apenas 8% ao grupo BRICS. Em 2010 esses percentuais passaram para 49,7% e 17,9%, respectivamente; e, em 2022, a tendência se manteve e o G7 ficou com 42,8% do PIB global, enquanto os BRICS subiram para 25,5%.
Com a recente incorporação do Irã, Etiópia, Egito, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita (dando origem à nova sigla, BRICS+), estes indicadores continuarão crescendo até que os BRICS+ se torne um bloco com maior poder de influência na política internacional. De acordo com as estimativas mais recentes, até 2028, o PIB dos BRICS+ poderá subir para 36% do PIB global, ficando igual ou superior ao nível do G7.
A geopolítica do petróleo
Se o que foi dito nos parágrafos anteriores são razões suficientes para tornar visível uma disputa geopolítica global em curso, a situação venezuelana acrescenta um fator literalmente explosivo a esse cenário: o petróleo. Da mesma forma que acontece no Oriente Médio ou onde existam recursos naturais cobiçados pelos governos imperialistas e pelas corporações multinacionais, na Venezuela eles vêem uma oportunidade de lucro ilimitado.
Está comprovado que a maior reserva mundial de petróleo está no território venezuelano. O seu desenvolvimento, se as condições de assédio e intervencionismo dos EUA persistirem, poderá ser confiado aos membros dos BRICS+, como antecipou Maduro. São mais de 302 bilhões de barris que desencadearam a ganância e o desejo saqueador dos EUA. Não é de admirar se levarmos em conta que o país só tem 37 bilhões de barris de reserva e, além disso, sem mais o controle sobre os 267 bilhões de barris de reserva na Arábia Saudita, a segunda maior potência petrolífera do mundo. O vandalismo que está sendo financiado na Venezuela, usando Corina Machado, não é para defender a “democracia”, mas sim para provar que está em curso um plano para derrubar Maduro, ignorando a vontade popular e a soberania do povo venezuelano com o objetivo de se apoderar do seu petróleo.
Se o anúncio de Maduro se concretizar, então terá ocorrido um dos golpes geopolíticos mais contundentes contra a hegemonia norte-americana em questões petrolíferas e de dominação mundial. A China (26 bilhões), a Rússia (80 bilhões) e o Brasil (13 bilhões) ficariam, sem dúvida, muito felizes em ter a referida responsabilidade levando em consideração suas limitadas reservas. Além disso, um acordo desta natureza facilitará a incorporação da Venezuela no BRICS+ que, desde janeiro de 2024, conta com 10 membros (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Irã, Arábia Saudita, Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos) que fazem sentir o seu peso econômico e político no cenário mundial.
O anúncio de Maduro, sendo provocativo no contexto atual, tem um conjunto de fatores que o tornam uma proposta viável com enormes benefícios para a Venezuela. Não se trata apenas de um movimento geopolítico, mas também de um dos maiores benefícios econômicos derivados do gigantesco mercado que ostentam os BRICS+. Nem é uma iniciativa repentina em plena crise pós-eleitoral, mas sim um processo que já se arrasta há vários anos no qual os principais investimentos vêm dos BRICS+.
Em 2023, os BRICS controlavam 8,7% das reservas globais de petróleo. Se a Venezuela aderir, controlariam 26,2%. Com o que a Arábia Saudita tem, controlaria 35,5% das reservas mundiais. No caso do gás (quarta reserva mundial) passaria de 25% para 29% das reservas mundiais. Em resumo, a adesão da Venezuela aos BRICS+ a projeta como epicentro da cena geopolítica. O Cinturão Petrolífero do Orinoco, cobiçado pelos EUA para garantir a sua “segurança nacional”, é também segurança energética para os BRICS.
Além disso, os novos BRICS+ (10 países) possuem 72% de terra descoberta, 75% de manganês, 42% da oferta global de petróleo, 50% de grafite (carbono) global, 28% de níquel, entre outros.
A eventualidade de que a Venezuela seja aceita nos BRICS+, com petróleo e tudo, não apenas incomodará os EUA como também aumentará as tensões entre os dois países, com o previsível aumento das criminosas sanções e da desestabilização política da forma que ocorre atualmente. Este cenário torna-se muito mais complexo com a presença explícita da China e da Rússia no “quintal” dos EUA, apoiando especialmente o governo Maduro e a soberania do povo venezuelano.
A aliança Rússia-Venezuela vai além dos negócios e da geopolítica. Compartilham uma visão em que a multipolaridade é um elemento constitutivo de um novo mundo, e onde todos os países têm acesso igual ao poder global concentrado nos Estados Unidos. Os BRICS neutralizam eficazmente a influência norte-americana na América Latina.