Até hoje, só ouvi elogios acerca do Centro Carter.
Inclusive de venezuelanos.
Entre outros motivos, porque o Centro Carter deu declarações muito positivas acerca do sistema eleitoral venezuelano.
Sendo assim, suspeito que para os apoiadores de Maduro, a “declaração” do Centro Carter sobre a eleição na Venezuela deve ter caído como um banho de água fria.
Fui ler a dita cuja e fiquei impressionado.
A declaração tem 9 parágrafos.
Um deles é apenas um expediente, informando o que é e o que faz o Centro Carter.
Seis parágrafos desancam as eleições de 2024 na Venezuela.
Nenhuma, absolutamente nenhuma observação sobre algum comportamento inadequado da oposição. E muitas, inúmeras críticas ao comportamento do governo e da justiça. Impressionante.
Dada a importância que tudo que vem dos EUA têm, na formação da opinião pública mundial, inclusive de gente de esquerda, a Declaração reforça as denúncias e reclamações da oposição venezuelana, bem como as dúvidas e suspeitas de quem as têm.
Mas na Declaração há dois parágrafos (o penúltimo e o antepenúltimo) que me deixaram com uma pulga atrás da orelha (não, não é uma referência oculta ao Trump).
Explico. Mas, antes, uma preliminar.
Não sei quais são os “estándares internacionales de elecciones democráticas”, com base nos quais o Centro Carter analisou o processo venezuelano, concluindo que “la elección presidencial de Venezuela de 2024 no se adecuó a parámetros y estándares internacionales de integridad electoral y no puede ser considerada como democrática”.
Segundo os meus “estándares” pessoais, é mesmo muito difícil achar – neste mundo em que vivemos, especialmente em 2024 – processos que possam ser considerados idealmente “democráticos”. De toda forma, repito, não sei quais são os “estandáres” adotados pelo Centro Carter. Assim, não tenho como fazer comparações. Mas é com base nesses padrões que eles fazem uma série de críticas ao que teria ocorrido na Venezuela.
E a pulga?
A pulga deve-se a três trechos que estão no final da declaração. A saber:
“Apesar deste contexto, os cidadãos venezuelanos se mobilizaram massiva e pacificamente no 28 de julho para expressar suas preferências. A jornada de votação transcorreu de maneira cívica, apesar das restrições.”
“No número limitado de locais visitados, as equipes de observadores do Centro Carter comprovaram a vontade dos cidadãos venezuelanos em participar de um processo eleitoral democrático e demonstrando seu compromisso cívico como integrantes da mesa [eleitora], testemunhas de partidos e observadores. Estes esforços foram desmerecidos pela ausência de transparência do CNE na difusão dos resultados (…)”
“o Centro Carter enviou 17 especialistas e observadores a partir do 29 de junho, com equipes em Caracas, Barinas, Maracaibo e Valencia. A missão se reuniu com uma ampla gama de atores, incluindo o CNE, candidatos, partidos políticos, organizações da sociedade civil, grupos de observação cidadã, representantes dos meios de comunicação, funcionários governamentais, as forças armadas e especialistas eleitorais. Dada a quantidade de integrantes, as observações diretas do Centro Carter foram limitadas, especialmente no dia das eleições (…)”
Se entendi direito, o Centro Carter deixou para o final de sua impactante declaração a informação de que suas opiniões sobre o ocorrido decorrem, não tanto da observação direta, mas principalmente de entrevistas com X pessoas. Impressionante.
Agregam ainda que, nos limitados momentos em que houve observação direta, as coisas transcorreram de forma “cívica” e “pacificamente”. Mas que, no desfecho, houve “ausência de transparência do CNE na difusão dos resultados”.
Esta conclusão acima transcrita encerra a parte principal da Declaração.
A pulga me faz perguntar: que peso teve esta “ausencia de transparência” na conclusão final do Centro Carter, segundo a qual “a eleição presidencial da Venezuela de 2024 não […] pode ser considerada como democrática”?
Ou seja, em que medida a crítica ao processo deriva do processo e em que medida a crítica deriva resultado do resultado anunciado?
E em que medida as conclusões derivam de quem foi entrevistado ou deixou de ser, do que disse ou deixou de dizer?
Para saber isto, mas também para saber todo o restante, prefiro aguardar a publicação das atas.
Não a publicação das atas da eleição – pois segundo se diz, a justiça venezuelana seria toda bolivariana e, portanto, inconfiável.
Prefiro aguardar a publicação das “atas” do próprio Centro Carter.
Afinal, como eles mesmos informam ao final de sua “Declaração”, o Centro Carter “publicará um informe final de sua missão de observação na Venezuela, detalhando todas as descobertas deste comunicado”.
Seguramente será um informe tão impressionante quanto a declaração preliminar.
Mas sem este detalhamento, fico em situação similar ao que o Centro Carter ficou frente ao anúncio do resultado pelo CNE: não tenho como conferir a veracidade das afirmações.
Assim, como pau que bate em Chico bate em Francisco, sigo no aguardo das atas do Centro Carter.