Há 100 anos, em 5 de julho de 1924, tinha início a Revolta Tenentista de São Paulo — movimento armado que reivindicava a reforma do sistema político brasileiro e a superação da política do café com leite. Inspirada pela Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, a insurreição paulista de 1924 foi o maior conflito urbano do Brasil no século 20.
Os levantes tenentistas surgiram como uma reação à crise econômica e política da década de 20 no Brasil. Desde o fim da Primeira Guerra Mundial, o país atravessava uma crise fiscal causada pela queda das exportações de commodities, acompanhada por forte agitação política. Havia uma insatisfação generalizada com a “política do café com leite”, em que as elites oligárquicas de São Paulo e Minas Gerais, politicamente representadas pelo Partido Republicano, se revezavam no poder e instrumentalizavam a máquina do Estado em favor da proteção econômica dos seus interesses.
A insatisfação entre os militares de média e baixa patente levou ao surgimento do movimento tenentista, que defendia reformas na estrutura política do país, tais como o fim do voto aberto (o chamado “voto de cabresto”), maior independência entre os três poderes, a superação da “política do café com leite” e a reforma do sistema público de educação.
Os tenentistas de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais se uniram aos opositores do Partido Republicano para formar a Reação Republicana, com apoio de forças políticas de outros estados, como Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco, insatisfeitos com o favorecimento das elites agrárias do Sudeste e com a negligência histórica do governo federal em relação ao restante do país.
Não obstante, Nilo Peçanha, candidato da Reação Republicana, foi derrotado nas eleições de 1922, que consagraram Artur Bernardes, o candidato da política do café com leite, como vencedor. Em 5 de julho de 1922, sem aceitar o resultado da eleição, os militares tenentistas se sublevaram no Rio de Janeiro, a antiga capital federal, iniciando a Revolta do Forte de Copacabana, visando derrubar o governo de Epitácio Pessoa e impedir que Artur Bernardes assumisse a Presidência. A rebelião foi debelada em dois dias pelas forças federais, mas seu legado simbólico exortaria os tenentistas a intensificarem a luta.
A segunda revolta tenentista eclodiria em São Paulo, exatamente dois anos depois da Revolta do Forte de Copacabana, em 5 de julho de 1924. Isidoro Dias Lopes foi o comandante da rebelião, que contou com a participação dos tenentes Joaquim Távora, Juarez Távora, Miguel Costa, Eduardo Gomes e João Cabanas. As tropas rebeldes tomaram o quartel general da Força Pública. Em seguida, tentaram ocupar as instalações militares e os edifícios governamentais situados na região central da cidade de São Paulo.
O levante na capital paulista se estendeu por 23 dias e demonstrou avanço considerável da organização, dos recursos materiais e do planejamento estratégico dos tenentistas. Além de conseguirem dominar a cidade por algumas semanas, os revoltosos também derrubaram o governo estadual.
As tropas sublevadas bombardearam o Palácio dos Campos Elísios, sede do governo paulista, e obrigaram o presidente do estado, Carlos de Campos, a se refugiar no bairro da Penha.
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Da capital, o movimento se espalhou por todo o estado. Diversas rebeliões começaram a eclodir nas cidades do interior e do litoral paulista, com a tomada das prefeituras e das Câmaras de vereadores. Os revoltosos tentaram, sem sucesso, cooptar o apoio do vice-presidente do estado, o coronel Fernando Prestes de Albuquerque, refugiado em Itapetininga.
A população, por sua vez, insatisfeita com o governo de Artur Bernardes, deu amplo apoio aos rebeldes, sobretudo na capital paulista. Em vários bairros, os trabalhadores ajudaram os revoltosos a montar barricadas e forneceram abrigo, água e alimentação para as tropas tenentistas.
O governo federal reagiu com intransigência e brutalidade, enviando aviões para bombardear a cidade de São Paulo. Em represália ao apoio dado pela população à revolta dos tenentes, as Forças Armadas atacaram diversos bairros operários, sobretudo a Mooca, Brás e Cambuci. Casas, fábricas e bairros inteiros foram duramente castigados pelos bombardeios aéreos que se arrastaram por três semanas.
Malgrado o sucesso inicial da campanha, a desproporção entre as forças federais e tenentistas era muito grande. O Exército revolucionário contava com cerca de sete mil combatentes, enquanto as tropas do governo federal mobilizaram 18 mil homens, com mais recursos e equipamentos. Sem artilharia pesada ou aviões para fazer frente aos ataques do governo, os tenentistas se retiraram para o interior, refugiando-se em Bauru.
Cientes de que as forças federais preparavam uma contraofensiva em Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, os tenentistas prepararam um ataque às instalações militares da cidade, mas sofreram uma derrota devastadora, encerrando a possibilidade de vitória do levante.
Aproximadamente um terço dos tenentistas foram mortos, feridos ou capturados durante o conflito. Os sobreviventes recuaram para o Sul do Brasil, buscando abrigo em Foz do Iguaçu, onde se uniriam aos oficiais gaúchos comandados por Luís Carlos Prestes para formar a Coluna Prestes, o maior movimento guerrilheiro da história do Brasil até então.
A Revolução de 1924 foi o maior conflito bélico urbano do Brasil no século 20. Foram 23 dias de batalha, com um saldo de 503 mortos, 4.846 feridos e mais de 20 mil desabrigados. Cerca de 1.500 edificações da cidade de São Paulo foram destruídas, o comércio foi saqueado e os hospitais ficaram abarrotados com o número de feridos. A cidade ficou por vários dias sem abastecimento de água e luz. Ao menos um terço dos quase 700 mil habitantes deixou a cidade.
A devastação causada pela Revolta Paulista de 1924 não seria ultrapassada nem mesmo pelos conflitos da Revolução Constitucionalista de 1932, quando as oligarquias paulistas tentaram derrubar Getúlio Vargas para reestabelecer a estrutura de poder que vigorava antes da Revolução de 1930. Apesar disso, a historiografia oficial sempre relegou ao levante tenentista uma posição secundária em termos de importância.
Conflagrada por demanda da elite de São Paulo, a Revolução Constitucionalista é comemorada anualmente com desfiles, feriado e monumentos grandiosos, ao passo que a Revolta de 1924, organizada por militares de baixa patente e apoiada por operários, ganhou o epíteto de “revolução esquecida”, por não ter data comemorativa, nem monumentos ou placas que a rememorem.
Como testemunhos do levante tenentista restaram apenas as marcas de tiros na Chaminé da Luz e nas fachadas dos velhos galpões da Mooca e do Brás.