Quinta-feira, 24 de abril de 2025
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Há 103 anos, em 25 de março de 1922, era fundado em Niterói o Partido Comunista do Brasil — PCB. A agremiação teve papel fundamental no processo de articulação da classe trabalhadora e dos movimentos sociais brasileiros, além de ter abrigado parte substancial das maiores lideranças revolucionárias ativas no país ao longo do século 20.

O PCB foi alvo frequente da perseguição e da repressão estatal e passou a maior parte de sua existência na ilegalidade. O partido enfrentou diversas crises e cisões internas que levaram à saída de membros históricos, ao surgimento de novas agremiações e sucessivas reformulações do seu programa.

Sem conseguir se recuperar da repressão sofrida durante a ditadura militar, o partido foi legalmente dissolvido em 1992, tendo seu registro eleitoral e patrimônio herdados pelo Partido Popular Socialista (atual Cidadania).
Não obstante, um grupo de militantes históricos conseguiu obter o domínio do nome e da legenda, reorganizando o partido. Tanto o PCdoB (dissidência criada em 1962) quanto o novo PCB (reorganizado em 1993) consideram-se legítimos sucessores do PCB histórico.

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Da fundação ao Bloco Operário-Camponês

O Partido Comunista do Brasil surgiu em meio ao incipiente processo de organização política dos trabalhadores brasileiros.

A princípio, o movimento operário estava agrupado em torno das lideranças anarquistas — responsáveis por organizar a célebre greve geral de 1917 e fundar as primeiras associações sindicais. Esses movimentos, entretanto, tiveram muitas dificuldades para superar as limitações relacionadas à ausência de representatividade política institucional.

O triunfo da Revolução de Outubro de 1917 na Rússia e a criação da Internacional Comunista em 1919 impulsionaram a difusão do ideário socialista por todo o mundo. No Brasil, as primeiras organizações socialistas começam a surgir a partir de 1918, ainda fortemente associadas ao anarquismo — nomeadamente o Partido Comunista Libertário do Rio de Janeiro, fundado em 1919.

A ruptura entre comunistas e anarquistas europeus no início dos anos 20 logo se refletiu no Brasil e os grupos comunistas locais começam a articular a criação de uma legenda própria. Assim, entre os dias 25 e 27 de março de 1922, organizou-se em Niterói o congresso de fundação do Partido Comunista do Brasil. Astrojildo Pereira, Abílio de Nequete, João da Costa Pimenta e Cristiano Cordeiro estiveram entre os membros fundadores da agremiação.

Apenas três meses após sua fundação, o PCB foi posto na ilegalidade por ordem do presidente Epitácio Pessoa. Atuando clandestinamente, o partido buscou adequar seus programas e ações às determinações da Internacional Comunista, ao mesmo tempo em que difundia as teses marxistas junto ao operariado, atuando por meio do seu jornal oficial, dito “A Classe Operária“.

Após reconquistar a legalidade em janeiro de 1927, o partido elegeu Azevedo Lima para a Câmara dos Deputados, mas voltou à ilegalidade já em agosto do mesmo ano graças à sanção da Lei Celerada por Washington Luís. Seguiu, entretanto, participando da política institucional, utilizando o avatar Bloco Operário-Camponês (BOC), por meio do qual elegeu Minervino de Oliveira e Octavio Brandão para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

Wikimedia Commons/Autor desconhecido
Os fundadores do PCB, retratados em março de 1922

A ANL e a Era Vargas

O PCB recuperou a legalidade em 1930, mesmo ano em que se converteu oficialmente na seção brasileira da Internacional Comunista. Ainda em 1930, o partido recusou-se a participar da insurgência liderada por Getúlio Vargas, por considerar que o movimento consistia meramente na renovação do comando das oligarquias.

Em 1931, atendendo à determinação de Moscou, o PCB incorporou aos seus quadros o revolucionário Luiz Carlos Prestes, que viria a se tornar seu dirigente mais conhecido. Dois anos depois, o partido teve seu registro eleitoral negado, sob a alegação de se tratar de uma organização política internacional.

Para contornar a negativa, a agremiação passou a utilizar a legenda pré-existente da União Operária e Camponesa. O PCB também se vinculou estreitamente à Aliança Nacional Libertadora (ANL), frente antifascista composta por militantes comunistas e tenentistas que fazia oposição tanto ao integralismo quanto ao governo Vargas.

Em 1935, militantes ligados à ANL e ao PCB organizaram o Levante Comunista, coordenando uma tentativa de sublevação dos militares nos estados do Rio Grande do Norte, Pernambuco e Rio de Janeiro. O movimento foi rapidamente debelado e os comunistas foram submetidos a severa repressão, com prisão, tortura e assassinato de vários dirigentes e militantes do partido.

Malgrado as circunstâncias, o partido prosseguiu clandestinamente com suas atividades e chegou a enviar combatentes para as Brigadas Internacionais que lutaram na Guerra Civil Espanhola. Militantes do PCB também se incorporaram voluntariamente à Força Expedicionária Brasileira (FEB) e participaram da luta contra as forças nazistas na Segunda Guerra Mundial.

O “Partidão”

O partido se reorganizou durante Conferência da Mantiqueira, realizada em agosto de 1943, elegendo um novo Comitê Central e neutralizando as tendências internas liquidacionistas. Com a redemocratização em 1945, o PCB recuperou a legalidade e seus dirigentes e militantes foram anistiados.

A vitória da União Soviética sobre os nazistas na Segunda Guerra Mundial projetou uma imagem bastante positiva do movimento comunista. No Brasil, o PCB se beneficiou dessa conjuntura, ao mesmo tempo em que operava uma estratégia eficiente de inserção no movimento operário, no movimento estudantil e nos meios intelectuais.

Em pouco tempo, o PCB conseguiu se converter em um partido de massas, chegando a agregar mais de 200 mil filiados — o que lhe valeu o epiteto de “Partidão”. O partido mantinha entre seus membros alguns dos nomes mais destacados da intelectualidade brasileira: Jorge Amado, Cândido Portinari, Oscar Niemeyer, Laura Brandão, Graciliano Ramos, Solano Trindade e muitos outros.

Nas eleições de 1945, o candidato do PCB à presidência, Iedo Fiúza, conquistou 10% dos votos. No mesmo pleito, o partido formou uma bancada histórica para o congresso, elegendo Luiz Carlos Prestes como senador e 14 deputados constituintes — Gregório Bezerra, Alcedo Coutinho, Agostinho Dias de Oliveira, Carlos Marighella, Claudino José da Silva, Alcides Rodrigues Sabença, Joaquim Batista Neto, João Amazonas, Maurício Grabois, José Maria Crispim, Osvaldo Pacheco da Silva, Jorge Amado, Mário Scott e Abílio Fernandes.

No ano seguinte, nas eleições para as assembleias estaduais, o partido repetiu os excelentes resultados, elegendo 46 deputados em 16 unidades da federação. Na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, antiga capital, o PCB elegeu a maior bancada, com 18 parlamentares. Os comunistas voltaram a se destacar nas eleições municipais de 1947, elegendo grandes bancadas em capitais e cidades de grande e médio porte.

O sucesso eleitoral e o incremento do poder político do partido incomodaram a burguesia brasileira e os setores conservadores da sociedade. Ainda em 1947, o PCB teve seu registro eleitoral cancelado. No ano seguinte, todos os parlamentares eleitos pelo partido tiveram seus mandatos cassados.

Os anos 50 e a cisão

De volta à clandestinidade, o PCB radicalizou sua retórica, retomando a defesa da luta revolucionária das massas. Em 1950, o partido publicou seu “Manifesto de Agosto”, no qual pregava a nacionalização dos bancos, grandes indústrias e empresas dos setores estratégicos e exortava o confisco das grandes propriedades rurais.

O partido fortaleceu suas ações no campo, ajudando a articular os movimentos de defesa da reforma agrária — nomeadamente as Ligas Camponesas, que se organizariam sob a liderança de Francisco Julião.

O PCB fez forte oposição ao governo de Getúlio Vargas, rotulando-o como um “agente do imperialismo”. Aos poucos, entretanto, o partido se afastou dos princípios esboçados no “Manifesto de Agosto”, aproximando-se da agenda nacional- desenvolvimentista. Além de dar apoio a campanhas nacionalistas como “O Petróleo É Nosso”, o PCB respaldou as candidaturas de Juscelino Kubitschek e João Goulart em 1955.

Os anos 50 também foram marcados por divergências internas. As denúncias contra Josef Stalin feitas por seu sucessor, Nikita Kruschev, durante o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, tiveram profundas consequências sobre o PCB.

A agremiação se dividiu em dois blocos distintos, com posições antagônicas sobre a nova orientação política advinda de Moscou. As disputas levariam a um processo de cisão e à perda de um número expressivo de militantes.

Em 1958, o PCB lançou a “Declaração de Março”, abandonando o antigo programa em favor do princípio de transição pacífica para o socialismo vinculada à manutenção dos processos democráticos. Dois anos depois, o partido iniciou uma campanha em prol de sua legalização e alterou oficialmente seu nome para “Partido Comunista Brasileiro”.

Em 1962, a antiga denominação “Partido Comunista do Brasil” seria restaurada pela dissidência interna surgida em função da discordância do processo de “desestalinização” da União Soviética, dando origem ao atual PCdoB, liderado por João Amazonas, Maurício Grabois e Pedro Pomar.

O PCB e a ditadura militar

No início da década 1960, o PCB buscou se aproximar dos nacionalistas, firmou alianças com líderes da “burguesia progressista” e passou a defender as reformas de base de João Goulart, ao mesmo tempo em que enfrentava a erosão de suas bases sindicais.

Com o golpe militar de 1964 e a subsequente instalação da ditadura militar, o PCB se tornou um dos alvos da repressão. A recusa do Comitê Central em apoiar a luta armada contra a ditadura militar levaria PCB a uma nova crise interna, resultando na criação de vários grupos dissidentes (ALN, POLOP, MR8, PCBR, etc.) e na saída ou expulsão de expoentes do partido, tais como Carlos Marighela, Joaquim Câmara Ferreira, Apolônio de Carvalho, Mário Alves e Jacob Gorender.

Mesmo recusando-se a aderir à luta armada e privilegiando a atuação institucional no interior do MDB, o PCB foi brutalmente reprimido após a promulgação do AI-5, quando começou o período conhecido como “Anos de Chumbo”. Parte substancial dos militantes do partido seriam presos, torturados ou assassinados.

Entre 1974 e 1975, a ditadura militar assassinou dez membros do Comitê Central do PCB: Davi Capistrano da Costa, Luís Inácio Maranhão Filho, João Massena Melo, Válter Ribeiro, Elson Costa, Jaime do Amorim Miranda, Hiram Lima Pereira, Itaci José Veloso, Orlando Bonfim Júnior e Nestor Veras.

Outros militantes do PCB seriam mortos na Operação Radar e em outras ações tocadas pelos agentes do DOI-CODI, incluindo o gráfico Alberto Aleixo, o jornalista Vladimir Herzog e o dirigente José Montenegro. Em seguida, o regime militar passou a reprimir os comitês estaduais do partido.

Estima-se que entre 1974 e 1976, o regime militar prendeu entre 700 e 1.000 membros do PCB. Ao menos 68 militantes do partido foram assassinados pelos órgãos de repressão da ditadura. A violência do regime desarticulou completamente o partido, privando-o da capacidade de direcionar a resistência popular.

A redemocratização e a crise nos anos 80

Com a desarticulação do PCB, o movimento operário e sindical se reorganizou fora de sua esfera de influência. Em São Paulo, o sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva organizaria uma série de greves gerais, dando origem ao movimento chamado Novo Sindicalismo, que abriria um novo foco de oposição à ditadura militar e ensejaria a criação de novo polo aglutinador das forças da esquerda — o recém-criado Partido dos Trabalhadores (PT).

A abolição do bipartidarismo e a aprovação da anistia deu ao PCB uma oportunidade de rearticulação. O partido, entretanto, teve de lidar com severas divergências internas, agravadas após a saída de Prestes, que acusou a legenda de se tornar “um partido reformista, desprovido do seu caráter revolucionário e dócil aos objetivos do regime ditatorial”. Com a saída de Prestes, Giocondo Dias assumiu o cargo de secretário-geral do partido. Em 1982, o PCB realizou seu VII Congresso, onde tentou, inutilmente, conter o processo de fragmentação.

A crise interna relegou ao PCB um papel secundário no processo de redemocratização, isolando-o ainda mais de suas bases, do sindicalismo e dos movimentos sociais. De volta à legalidade em 1985, o partido não conseguiu reestabelecer uma estratégia de reinserção na nova ordem política, passando a perder militantes e capacidade de articulação e renunciando a quaisquer resquícios de um programa socialista.

A reboque do PMDB, o partido se tornou uma legenda de apoio ao governo de José Sarney. A queda do Muro de Berlim, o esfacelamento do bloco socialista europeu e a dissolução da União Soviética agravaram ainda mais a crise do partido.

O PCB se dividiu então em dois grupos: os liquidacionistas, liderados por Roberto Freire, Rodolfo Konder e Jarbas de Holanda, que propunham o rompimento com o ideário comunista, e os socialistas, liderados por Oscar Niemeyer, Ziraldo, Horácio Macedo e Raimundo Jinkings, entre outros, que eram a favor da reformulação do partido a partir de uma análise concreta da crise política do Leste Europeu.

Dissolução e reorganização

No X Congresso do PCB, realizado em 1992, as lideranças liquidacionistas lograram obter a maioria de votos em prol da dissolução da legenda. Assim, o PCB foi legalmente dissolvido. Em seu lugar, foi fundado o Partido Popular Socialista (PPS), que herdaria o registro eleitoral e patrimônio da agremiação anterior.

Em 2019, o PPS foi rebatizado como Cidadania, concluindo um processo gradual de reposicionamento ideológico de alinhamento ao neoliberalismo e à centro-direita.

Acusando Roberto Freire de articular um golpe, militantes históricos do PCB que eram contrários à dissolução recorreram à Justiça Eleitoral para obter o direito de manter o nome e a sigla da legenda. Surgia assim o Movimento Nacional em Defesa do PCB. O partido obteve seu registro eleitoral definitivo em maio de 1996.

O PCB integrou as coligações que lançaram a candidatura de Lula à Presidência da República nas eleições de 1994, 1998 e 2002. Em 2005, o partido rompeu com o governo petista, argumentando que a gestão de Lula havia optado pela continuidade da política neoliberal.

Desde então, o partido tem privilegiado o lançamento de candidaturas próprias (Ivan Pinheiro em 2010, Mauro Iasi em 2014 e Sofia Manzano em 2022) ou em coligação com o PSOL (Heloísa Helena em 2006, Guilherme Boulos em 2018). O PCB apoiou Lula no segundo turno da eleição de 2022, mas se mantém como “oposição à esquerda” do governo petista.