Há 103 anos, em 22 de janeiro de 1922, nascia Leonel de Moura Brizola. Líder histórico do trabalhismo brasileiro, ele encampou a defesa do projeto nacional-desenvolvimentista. Como parlamentar e governador do Rio Grande do Sul, atuou em prol da industrialização e da expansão dos serviços públicos e pressionou pelo fim da subserviência das oligarquias brasileiras ao capital internacional.
Nos anos 60, Brizola liderou a Campanha da Legalidade, que garantiu a posse de João Goulart, e foi um dos mais destacados opositores da ditadura militar brasileira (1964-1985). Foi também fundador do Partido Democrático Trabalhista (PDT) e governador do Rio de Janeiro, deixando um importante legado que ações em prol da justiça social e do atendimento às demandas da classe trabalhadora.
Da juventude ao Congresso
Brizola nasceu em Cruzinha (hoje Carazinho), no interior do Rio Grande do Sul. Sua infância foi bastante atribulada. O pai, José Oliveira dos Santos Brizola, foi morto por soldados leais a Borges de Medeiros durante a Revolução de 1923. A mãe, Onívia de Moura, teve as terras da família confiscadas em função de um litígio judicial.
O líder político concluiu o ensino básico no Colégio Metodista, mudando-se em seguida para Porto Alegre, onde trabalhou como graxeiro e engraxate. Após servir o Exército, concluiu o científico no Colégio Júlio de Castilhos e, em 1945, ingressou no curso de engenharia civil da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Durante a graduação, Brizola se filiou ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e ajudou a organizar a ala jovem da sigla, onde conheceu sua futura esposa, Neusa Goulart, irmã do futuro presidente da República João Goulart.
Em 1947, Brizola foi eleito deputado estadual. Ele dedicou seu mandato à defesa de pautas do movimento estudantil e participou da Assembleia Constituinte de 1947. Foi reeleito em 1950 e assumiu o cargo de líder da bancada trabalhista na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Em 1952, aceitou o convite do governador gaúcho Ernesto Dornelles para assumir a Secretaria de Obras Públicas, onde coordenou o Plano de Obras do Estado, investindo em infraestrutura e saneamento básico. Dois anos depois, foi eleito deputado federal com a maior votação até então — mais de 103 mil votos.
Na Câmara dos Deputados, Brizola foi ferrenho opositor de Carlos Lacerda, um dos principais líderes da União Democrática Nacional (UDN). Em 1955, fundou o jornal Clarim e lançou sua candidatura à prefeitura de Porto Alegre. Eleito, investiu na ampliação da rede municipal de ensino e em obras de saneamento básico.
Governador do Rio Grande do Sul
Em 1958, Brizola venceu a disputa pelo governo do Rio Grande do Sul pelo PTB, derrotando o candidato da Brigada Militar, Walter Peracchi Barcelos. Sua gestão foi novamente marcada por investimentos em educação.
Buscando zerar o déficit escolar, Brizola construiu mais de 6.300 escolas (as chamadas “Brizoletas”), criou 689 mil novas vagas e abriu concurso para 42 mil docentes. Suas ações transformaram o Rio Grande do Sul no estado com a mais alta taxa de escolarização do Brasil.
Brizola também investiu em habitação, infraestrutura e priorizou a agenda nacional-desenvolvimentista, colocando em prática um projeto de industrialização do estado e consolidação da rede estatal de serviços públicos. Para isso, ele nacionalizou uma série de empresas estrangeiras, sobretudo norte-americanas: estatizou a Companhia de Energia Elétrica Riograndense, da Bond and Share, detentora do monopólio da energia elétrica na região de Porto Alegre, e encampou a International Telephone and Telegraph, transformando-a em Companhia Riograndense de Telecomunicações.
As estatizações causaram incômodo no governo norte-americano, levando o presidente John Kennedy a sancionar a Emenda Hickenlooper, que previa sanções a quaisquer países que expropriassem empresas dos Estados Unidos.
Brizola também criou o Instituto Gaúcho de Reforma Agrária, visando combater a concentração fundiária do estado e prestar assistência técnica e crédito para pequenos produtores. Também decretou a concessão de títulos de propriedade de terras na região do Banhado do Colégio e doou sua própria fazenda, denominada Pangaré, para um grupo de 30 agricultores.
A Campanha da Legalidade e o governo Jango
Em 1961, Brizola obteve destaque nacional ao criar e liderar a Campanha da Legalidade — um movimento de defesa da institucionalidade democrática que pressionava pelo direito de João Goulart de assumir a Presidência da República.
Após a renúncia de Jânio Quadros em 1961, os militares tentaram impedir a posse de Goulart em função de suas ligações com os movimentos sindicais e setores da esquerda.
Com apoio do general Machado Lopes, Brizola passou a utilizar as estações de rádio do estado para transmitir, a partir do Palácio Piratini, chamadas nacionais denunciando as ações golpistas dos militares. O alto oficialato das Forças Armadas chegou a ordenar o bombardeio da sede do governo gaúcho, mas os sargentos e suboficiais da Base Aérea de Canoas se recusaram a cumprir as ordens.
Os militares propuseram a mudança do sistema de governo para o parlamentarismo como condição para Goulart assumir a Presidência. A contragosto de Brizola, Goulart aceitou. O regime presidencialista seria reinstituído dois anos depois, por meio de plebiscito.
Em 1963, Brizola se candidatou a deputado federal pelo extinto estado da Guanabara, que englobava o atual município do Rio de Janeiro, sendo eleito com 269 mil votos — quase um quarto do eleitorado carioca. No Congresso, ele pressionou pelas reformas de base e por mudanças na legislação eleitoral.
Brizola instava Goulart a radicalizar seu governo, sugerindo a constituição de grupos paramilitares e organizações de base para defender e difundir as mudanças reivindicadas pela esquerda nacionalista, impor a reforma agrária, estender o direito ao voto aos grupos marginalizados e impor maior controle sobre a ação de empresas e organizações estrangeiras atuantes no país.
As ações de Brizola enfureceram Lincoln Gordon, embaixador dos Estados Unidos no Brasil, que comparava sua retórica às técnicas de propaganda de Joseph Goebbels. Gordon foi um dos principais articuladores da deposição de Goulart, conspirando com o empresariado, os militares e grupos de extrema direita.

Goulart, por sua vez, tentava costurar uma conciliação, acenando com simpatia à base da esquerda nacionalista, mas suavizando a retórica e as ações de seu governo para tentar obter apoio dos liberais e dos setores mais moderados.
Durante o Comício da Central do Brasil, Brizola defendeu a criação de uma Assembleia Nacional Constituinte integrada por camponeses, operários e nacionalistas.
O golpe de 1964 e o exílio
A postura combativa de Brizola foi um dos fatores que motivaram a pressão dos Estados Unidos pela troca de regime. Em uma correspondência enviada por Lincoln Gordon ao Departamento de Estado em março de 1964, o embaixador norte-americano descreveu Goulart como “um oportunista hipnotizado por Brizola”.
Em 1º de abril de 1964, Goulart foi derrubado pelo golpe militar. Brizola acolheu o presidente deposto em Porto Alegre e tentou organizar a resistência ao golpe, exortando o povo e os suboficiais do Exército a “ocuparem os quartéis e prenderem os generais”. O próprio Goulart, entretanto, mostrou-se descrente e desinteressado em articular um contra-ataque à quartelada.
Assim, após um mês, Brizola deixou o Brasil e se refugiou no Uruguai, onde Goulart já estava exilado.
Grupos de simpatizantes brizolistas ainda tentaram sublevar-se em ações de guerrilha em Caparaó e no Sul do Brasil, mas não obtiveram sucesso. Brizola passou seus primeiros 10 anos de ditadura exilado no Uruguai e se recusou a participar da Frente Ampla — um grupo de líderes políticos que pressionava pela redemocratização, incluindo o próprio Goulart, o ex-presidente Juscelino Kubitschek e até mesmo golpistas arrependidos como Carlos Lacerda.
Em 1973, o governo uruguaio também foi derrubado por um golpe militar e passou a cooperar com o regime brasileiro no âmbito da Operação Condor — aliança política entre os regimes sul-americanos, sob a liderança da CIA e do Departamento de Estado, que visava suprimir os setores políticos de esquerda por meio de repressão, vigilância, tortura e assassinatos. Entre 1976 e 1977, três membros da Frente Ampla — Kubitschek, Goulart e Lacerda — morreram sucessivamente em circunstâncias misteriosas.
Com a eleição de Jimmy Carter para o governo norte-americano, houve o arrefecimento do apoio à Operação Condor e Brizola obteve asilo político nos Estados Unidos, negociado pelo conselheiro John Youle.
Nos Estados Unidos, Brizola organizou uma rede de contatos reunindo exilados brasileiros, políticos e acadêmicos norte-americanos contrários ao regime militar. Mudou-se em seguida para Portugal, onde lançou a Carta de Lisboa, anunciando sua intenção de refundar um Partido Trabalhista no Brasil.
O retorno ao Brasil e a fundação do PDT
Com a sanção da Lei da Anistia em 1979, Brizola retornou ao Brasil, tentando restaurar o Partido Trabalhista Brasileiro como um movimento de massas. Foi, entretanto, impedido de usar essa denominação, pois o registro da legenda havia sido entregue pelos militares a um grupo simpático ao regime.
Brizola fundou então o Partido Democrático Trabalhista (PDT) nesse mesmo ano, mas teve dificuldades em recuperar o apoio dos setores trabalhistas, agora já organizados no chamado “novo sindicalismo”, orbitando em torno dos metalúrgicos de São Paulo e de seu líder, Luiz Inácio Lula da Silva, que fundaria no ano seguinte o Partido dos Trabalhadores (PT).
Ele buscou reposicionar sua base, evitando disputar com Lula o apoio da classe trabalhadora e do sindicalismo organizado. Ao invés disso, procurou criar novos laços com a população carente das áreas urbanas não organizadas e resgatar os vínculos históricos com o nacionalismo de esquerda.
Em 1982, tendo Darcy Ribeiro como companheiro de chapa, Brizola concorreu ao governo do estado do Rio de Janeiro, nas primeiras eleições diretas ao Executivo fluminense desde o golpe. Não obstante, a empresa Proconsult, de propriedade de ex-funcionários do serviço de inteligência militar, havia estabelecido um processo de contabilização fraudulenta das cédulas de votação em favor do rival de Brizola, Moreira Franco.
A Rede Globo imediatamente ecoou os prognósticos da Proconsult que sinalizavam a vitória de Moreira Franco. Ciente da fraude, Brizola passou a denunciar o esquema em coletivas de imprensa, entrevistas e declarações públicas, incluindo uma histórica discussão ao vivo com o diretor da Globo, Armando Nogueira. Desmascarada a fraude, Brizola foi declarado vencedor do pleito e assumiu o governo fluminense.
O governo do Rio de Janeiro e a redemocratização
Durante seu governo, Brizola desenvolveu um ambicioso projeto educacional de construção dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) — instituições educacionais, recreativas e culturais, sediadas em prédios projetados por Oscar Niemeyer, que deveriam funcionar em período integral junto às comunidades carentes. Também criou programas de extensão de serviços e construiu habitações populares junto às favelas.
Opondo-se à repressão policial e visando combater o perfilamento racial e social por parte dos agentes, Brizola ordenou à polícia que se abstivesse de realizar invasões arbitrárias em favelas, preferindo concentrar esforços na desarticulação dos esquadrões de extermínio e das milícias.
No âmbito da política nacional, Brizola se engajou nas manifestações das Diretas Já e organizou o Comício da Candelária. Durante a redemocratização, mesmo não confiando politicamente em Tancredo Neves, orientou a bancada do PDT a votar em seu favor.
Em 1989, Brizola disputou a primeira eleição direta para a Presidência desde o fim do regime militar. O pleito ocorreu em paralelo com a crise do bloco socialista na Europa, o que motivou Brizola e Lula a moderarem seus discursos, buscando evitar temas como reforma agrária e nacionalização de empresas privadas.
Brizola terminou a disputa em terceiro lugar, pouco atrás de Lula. A eleição consolidaria o PT como principal força de esquerda do país, um feito obtido em grande parte graças à penetração da legenda junto às organizações sindicais. Brizola apoiou Lula no segundo turno, o que foi fundamental para que o candidato petista ampliasse sua votação no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, mas Fernando Collor venceu a eleição.
Os últimos anos
Em 1990, após o fracasso das negociações sobre uma possível fusão do PT com o PDT, Brizola venceu novamente as eleições para o governo fluminense. Em seu segundo mandato, Brizola inaugurou a Universidade Estadual do Norte Fluminense, construiu a Linha Vermelha e fez novos investimentos em educação e moradia popular, mas a crise fiscal do Rio de Janeiro e a falta de apoio do legislativo estadual engessaram sua gestão.
A falta de apoio inicial ao impeachment de Fernando Collor, que Brizola chegou a descrever como um golpe, também causou críticas e desgaste junto ao seu eleitorado e aos aliados políticos.
A crise do brizolismo se expressou mais fortemente na eleição presidencial de 1994, quando Brizola terminou em 5º lugar. Na eleição de 1998, concorreu como vice na chapa encabeçada por Lula, mas a dupla foi derrotada por Fernando Henrique Cardoso já no primeiro turno.
Na eleição de 2002, Brizola apoiou Ciro Gomes no primeiro turno e Lula, vencedor do pleito, no segundo. Brizola deu apoio a Lula no início do primeiro mandato, mas rompeu com seu governo em dezembro de 2003, criticando-o pelas concessões aos interesses neoliberais.
Brizola faleceu no ano seguinte, em 21 de junho de 2004, aos 82 anos de idade.