Quinta-feira, 10 de julho de 2025
APOIE
Menu

Há 113 anos, em 23 de junho de 1912, nascia o matemático, cientista e criptoanalista britânico Alan Turing. Considerado um dos maiores gênios do século 20, ele recebeu o epíteto de pai da ciência da computação e foi um dos grandes pioneiros da inteligência artificial.

Matemático brilhante, Turing foi responsável por conceber a ideia da uma “máquina universal”, — hoje conhecida como Máquina de Turing — um modelo abstrato que serviria como base teórica para o desenvolvimento dos computadores modernos.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Turing liderou os esforços no centro de inteligência de Bletchley Park para decifrar os códigos nazistas produzidos pela máquina Enigma. Seu trabalho foi essencial para encurtar a guerra e salvar milhares de vidas, permitindo que os aliados antecipassem as ofensivas militares do Eixo.

Receba em primeira mão as notícias e análises de Opera Mundi no seu WhatsApp!
Inscreva-se

Apesar de suas contribuições monumentais, Turing enfrentou perseguição por sua homossexualidade, então criminalizada no Reino Unido. Em 1952, ele foi condenado por “indecência grave” e submetido à castração química. O procedimento teve efeitos devastadores sobre sua saúde física e mental, levando-o ao suicídio.

Juventude e formação acadêmica

Alan Mathison Turing nasceu em Maida Vale, um distrito de Londres, no Reino Unido. Ele era o filho caçula de Julius Mathison Turing, um funcionário do Serviço Civil Indiano, e de Ethel Sara Stoney, descendente de uma família da pequena nobreza britânica.

Desde cedo, Turing demonstrou enorme curiosidade científica e um talento precoce para a resolução de problemas. Aos 13 anos, ele ingressou na Sherborne School, um prestigioso internato de Dorset. A despeito de sua habilidade matemática, Turing enfrentou dificuldades no ambiente escolar, que valorizava mais os estudos clássicos do que a as ciências exatas.

Em Sherborne, o jovem se interessou por química e biologia e começou a explorar ideias matemáticas avançadas. Foi também durante sua estadia no internato que ele conheceu Christopher Morcom, apontado por biógrafos como sua primeira paixão.

Os dois trabalharam juntos em várias experiências científicas, mas o relacionamento foi interrompido abruptamente em 1930, quando Morcom faleceu precocemente. Especula-se que a morte do Morcom teria sido o fator que levou Turing a questionar a existência de Deus.

Em 1931, Turing ingressou no King’s College, em Cambridge, onde estudou matemática. Lá, ele se destacou academicamente e foi influenciado por intelectuais como Bertrand Russell e Ludwig Wittgenstein. Em 1934, formou-se com distinção e foi eleito fellow do King’s College, apresentando uma dissertação sobre o teorema central do limite.

A Máquina de Turing

Em 1936, aos 24 anos, Turing produziu um dos trabalhos mais importantes para a ciência do século 20 — o artigo “Sobre números computáveis, com uma aplicação ao Entscheidungsproblem”. Este trabalho não apenas resolveu um problema fundamental da lógica matemática, mas também introduziu o conceito da “Máquina de Turing”, um modelo teórico que se tornaria a pedra angular da ciência da computação.

A Máquina de Turing foi concebida como um dispositivo abstrato, capaz de manipular símbolos em uma fita infinita, seguindo um conjunto de regras predefinidas. Um cabeçote de leitura e escrita percorreria essa fita, lendo o símbolo atual, escrevendo novos símbolos e se movendo conforme pré-determinado por uma tabela de instruções. Ela funcionaria, portanto, como uma espécie de calculadora universal, conseguindo executar quaisquer tarefas que possam ser resolvidas por meio de um algoritmo.

A partir desse modelo, Turing demonstrou que qualquer problema computável pode ser resolvido por meio de uma “Máquina Universal”, capaz de simular qualquer outra Máquina de Turing específica, desde que receba a descrição adequada do algoritmo. Essa ideia de uma “máquina universal” é a precursora conceitual dos computadores programáveis modernos.

A “Máquina de Turing” também foi utilizada para abordar o “Entscheidungsproblem” — um desafio lógico formulado pelos matemáticos alemães David Hilbert e Wilhelm Ackermann, questionando se havia um procedimento geral para determinar a validade de qualquer afirmação matemática.

Turing provou que tal procedimento não existe, demonstrando que certos problemas são “indecidíveis”. Esse resultado, aliado ao trabalho de Alonzo Church (que chegou a uma conclusão semelhante usando o cálculo lambda), solidificou os fundamentos da teoria da computabilidade.

O impacto do artigo de Turing foi inicialmente limitado aos círculos acadêmicos, mas suas ideias se tornariam fundamentais para o desenvolvimento da informática. A “Máquina de Turing” permanece como um conceito central para disciplinas como teoria da computação, complexidade computacional e ciência da informação.

Alan Turing em 1951. Retrato por Elliott & Fry
Wikimedia Commons

Enigma

Entre 1936 e 1938, Turing estudou na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, onde fez seu doutorado sob a orientação de Alonzo Church. Ele apresentou uma tese sobre sistemas lógicos e continuou a explorar temas de matemática pura.

Durante esse período, Turing começou a se interessar por criptografia, influenciado pelo crescente uso de máquinas de codificação em comunicações militares. Ele também construiu um protótipo de uma máquina multiplicadora binária usando relés eletromecânicos. Essa experiência seria crucial para seu trabalho posterior na Segunda Guerra Mundial.

Em 3 de setembro de 1939, dois dias após as tropas de Adolf Hitler invadirem a Polônia, o Reino Unido declarou guerra à Alemanha nazista. Turing, então já reconhecido por sua produção científica, foi recrutado para a Escola de Códigos e Cifras do Governo em Bletchley Park, o centro britânico de criptoanálise.

A missão principal de Turing era decifrar as comunicações criptografadas pelos nazistas, codificadas pela máquina Enigma, um dispositivo eletromecânico que gerava cifras extremamente complexas. A Enigma usava rotores giratórios para embaralhar letras, criando bilhões de combinações possíveis. As mensagens codificadas eram alteradas diariamente, tornando a decifração manual inviável.

Auxiliado por outros criptoanalistas como Gordon Welchman, Turing desenvolveria métodos inovadores para acelerar o processo de decifração. Ele foi responsável por produzir a especificação funcional da “bomba eletromecânica” — a “Bombe”, uma máquina que automatizou a busca por configurações da Enigma.

A Bombe

A Bombe consistia em um enorme computador eletromecânico, com quase uma tonelada e 1,8 metro de altura. Ela continha tambores giratórios que representavam os rotores da Enigma. Quando uma configuração válida era encontrada, a máquina parava, e os criptoanalistas refinavam a solução manualmente. Centenas de Bombes foram construídas, processando milhares de mensagens por dia.

A bomba eletromecânica de Turing explorava fraquezas e contradições no protocolo operacional dos alemães, como a repetição de certas frases ou a impossibilidade de uma letra ser codificada como ela mesma.

A equipe de Bletchley Park também se beneficiava de “cribs” (trechos de textos conhecidos ou prováveis) e de erros operacionais dos alemães, que Turing analisava com técnicas estatísticas avançadas, como a análise de frequência.

Turing também desenvolveu o “Banburismus”, um método para reduzir o número de combinações possíveis da Enigma. O processo explorava a probabilidade de coincidências de letras em mensagens interceptadas, alinhando-as em diferentes posições para encontrar sobreposições significativas.

Esse procedimento era feito usando fitas perfuradas (chamadas “Banbury sheets”) para contar repetições de letras em sequências cifradas. A alta concentração de coincidências indicavam possíveis alinhamentos corretos, reduzindo o número de configurações a serem testadas.

O sucesso na quebra da Enigma permitiu aos Aliados decodificar comunicações estratégicas dos nazistas, fornecendo informações cruciais sobre movimentações de submarinos U-boat, planos de batalha e logística. Em 1943, as máquinas desenvolvidas por Turing já decifravam, em média, mais de 80 mil mensagens criptografadas enviadas pelos alemães a cada mês.

O trabalho de Turing foi fundamental para evitar que a marinha britânica fosse dizimada pelas forças alemãs, além de conferir vantagens estratégicas para as ofensivas dos Aliados, ajudando a encurtar o tempo da guerra e a poupar inúmeras vidas.

Em 1945, Turing foi condecorado com a Ordem do Império Britânico por sua contribuição na luta contra os nazistas. Devido à natureza secreta do programa, o público somente saberia dos esforços de Turing décadas mais tarde, após a abertura de arquivos confidenciais nos anos 70.

Computadores e inteligência artificial

Após a guerra, Turing ingressou no Laboratório Nacional de Física, em Londres, onde trabalhou no projeto do Automatic Computing Engine (ACE), um dos primeiros computadores eletrônicos programáveis. Embora o ACE nunca tenha sido totalmente construído conforme o projeto original de Turing, suas ideias influenciaram o desenvolvimento de outros computadores, como o Pilot ACE, que entrou em operação em 1950.

Em 1948, Turing passou a trabalhar na Universidade de Manchester, onde auxiliou no projeto do Manchester Mark 1, um dos primeiros computadores armazenadores de programas. Ele contribuiu para o desenvolvimento de softwares e explorou aplicações práticas da computação, incluindo modelagem matemática e jogos como xadrez.

Foi nesse período que Turing voltou sua atenção para a inteligência artificial. Em 1950, ele publicou o artigo “Computing Machinery and Intelligence”, uma obra pioneira onde o autor se propõe a analisar uma importante questão: “as máquinas podem pensar?”

Em vez de se ocupar com a definição de “pensamento”, Turing sugeriu um experimento prático, hoje conhecido como Teste de Turing. No experimento, um avaliador humano interage por texto com uma máquina e um humano, sem saber qual é qual. Se o avaliador não consegue distinguir a máquina do humano, a máquina é considerada capaz de exibir comportamento inteligente.

Turing argumentou que, se uma máquina pode imitar a inteligência humana de forma convincente, a distinção entre “pensar” e “simular pensamento” torna-se irrelevante. O artigo também abordou objeções filosóficas, religiosas e científicas à ideia de máquinas inteligentes, demonstrando a visão de Turing sobre o potencial da computação.

No início dos anos 50, Turing desenvolveu um interesse especial por biologia matemática, particularmente pela morfogênese — o processo pelo qual organismos desenvolvem formas e padrões. Em 1952, ele publicou “A base química da morfogênese“, onde propôs um modelo matemático baseado em reações químicas e difusão para explicar padrões biológicos como as listras de uma zebra ou as manchas de um leopardo.

O modelo de Turing, conhecido como equações de reação-difusão, descreve como substâncias químicas (que ele chamou de “morfógenos”) interagem para criar padrões estáveis. Esse trabalho teve grande influência em áreas como biologia do desenvolvimento, química e física. Experimentos modernos confirmaram muitas das ideias de Turing, e suas equações são usadas até hoje em modelagens computacionais de sistemas biológicos.

Os últimos anos

As inúmeras contribuições de Turing para a luta antinazista e para o desenvolvimento científico e tecnológico não bastaram para impedir que ele se tornasse um alvo das leis discriminatórias em vigor no Reino Unido. À época, a homossexualidade era criminalizada no país e punida com sentenças severas.

Em 1952, Turing iniciou um relacionamento amoroso com Arnold Murray, um jovem desempregado de Manchester. A casa de Turing foi assaltada por um conhecido de Murray pouco tempo depois. O matemático relatou o crime à polícia e o suspeito foi detido.

Durante as investigações, o ladrão contou para a polícia que Turing e Murray mantinham um relacionamento amoroso. Pressionado durante um interrogatório, Turing acabaria admitindo sua homossexualidade. Ele foi então indiciado por “indecência grave”, conforme a Seção 11 da Lei de Ofensas Sexuais.

Turing foi julgado e condenado em março de 1952. Ele foi forçado a escolher entre ir para a cadeia ou realizar um “tratamento” em liberdade condicional. Turing optou pela segunda alternativa, sendo então submetido à castração química.

O matemático foi forçado a receber injeções de estrogênio sintético durante um ano. A castração teve efeitos devastadores, deixando Turing impotente e causando a formação de tecidos mamários. Ele mergulharia em uma depressão profunda, agravada pelo isolamento social.

Como consequência de sua condenação, Turing perdeu sua autorização de segurança e foi afastado de projetos governamentais. Ele teve sua entrada proibida nos Estados Unidos e foi relegado ao ostracismo no meio acadêmico.

Em 7 de junho de 1954, Turing foi encontrado morto em sua casa, vítima de envenenamento por cianeto. A autópsia concluiu que ele havia cometido suicídio, provavelmente comendo uma maçã envenenada. A causa da morte foi questionada por algumas pessoas, que sugeriram explicações alternativas, como envenenamento acidental ou até homicídio perpetrado pelo serviço secreto britânico.

A morte precoce de Turing, aos 41 anos, privou o mundo de um dos maiores gênios da nossa era. Suas ideias sobre computação, inteligência artificial e biologia matemática não apenas ajudaram a moldar a ciência do século 20, como continuam a pavimentar o caminho para os avanços futuros.

Por décadas, o público desconheceu a extensão das contribuições de Turing, em função do sigilo imposto às atividades de Bletchley Park. A partir dos anos 70, com a liberação de arquivos, sua história passou a ser contada.

Em 1986, a peça “Breaking the Code”, de Hugh Whitemore, homenageou Turing, retratando sua vida nos palcos. A peça inspirou um especial homônimo da BBC, exibido na televisão em 1996. O filme “O Jogo da Imitação”, dirigido por Morten Tyldum e lançado em 2014, também ajudou a popularizar sua história.

Em 2009, o então primeiro-ministro britânico Gordon Brown emitiu um pedido oficial de desculpas pelo tratamento dado a Turing. Em 2013, a Rainha Elizabeth II concedeu ao matemático o “perdão real”, em um gesto simbólico para anular sua condenação.