Quarta-feira, 26 de março de 2025
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Há 118 anos, em 11 de fevereiro de 1907, nascia o pensador, ensaísta e editor Caio Prado Júnior. Considerado um dos grandes intelectuais marxistas do Brasil, Caio foi um dos pioneiros na aplicação do materialismo histórico-dialético na análise da realidade brasileira.

Ele deixou importantes contribuições nos campos da história, geografia, sociologia e economia. Foi também militante do Partido Comunista e integrou a bancada histórica do PCB na Assembleia Legislativa de São Paulo.

Os anos iniciais e a adesão ao marxismo

Caio da Silva Prado Júnior nasceu em São Paulo, terceiro dos quatro filhos de Caio da Silva Prado e Antonieta Álvares Penteado. Pertencia a um dos clãs mais poderosos da aristocracia cafeeira — a família Silva Prado, cuja fortuna remontava ao período colonial. Era bisneto do Barão de Iguape, neto de Martinho Prado Júnior, fundador do Partido Republicano Paulista, e sobrinho de Antônio da Silva Prado, o primeiro prefeito de São Paulo.

Caio cursou as primeiras letras em casa, com professores particulares. Em 1917, matriculou-se no Colégio São Luís, onde concluiu sua formação secundária. Em seguida, ingressou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Graduou-se aos 21 anos de idade, mas quase não exerceu a advocacia, preferindo se dedicar aos estudos, aos ensaios e ao debate político.

A formação acadêmica de Caio se deu em contexto político atribulado, marcado pela ascensão do movimento tenentista e forte contestação à “política do café com leite” — arranjo institucional que havia consolidado o domínio das oligarquias rurais do Sudeste sobre a política nacional. Ainda durante a graduação, Caio se filiou ao Partido Democrático, legenda de oposição ao Partido Republicano Paulista. Somava-se, assim, às vozes que criticavam a República Velha.

O jovem representou o Partido Democrático durante a convenção da Aliança Liberal que escolheu Getúlio Vargas como candidato à presidência. Ele também participou ativamente da Revolução de 1930 — movimento armado que encerrou a República Velha, impedindo a posse de Júlio Prestes e alçando Getúlio Vargas à chefia do governo provisório.

Tão logo assumiu o poder, Vargas instituiu um processo de centralização política, ao mesmo tempo em que manteve vícios autoritários da República Velha e uma postura ambivalente em relação às oligarquias derrotadas. Insatisfeito com o novo regime, Caio se aproximou do pensamento marxista.

Em 1931, Caio se filiou ao Partido Comunista do Brasil (PCB) e se dedicou a auxiliar nas ações do Socorro Vermelho Internacional — organização do Comintern voltada ao auxílio dos presos políticos. Dois anos depois, em 1933, ele publicaria seu primeiro livro: “A Evolução Política do Brasil”. Tratava-se de uma obra pioneira — a primeira a utilizar o materialismo histórico-dialético como ferramenta de análise da realidade brasileira.

No livro, Caio identifica os fatos sociais que condicionaram a trajetória política do Brasil, ao mesmo tempo em que rejeita a tendência da historiografia oficial de heroicizar as ações das classes dominantes, priorizando como foco a ação das classes populares.

ANL e Estado Novo

Ainda em 1933, Caio faria uma viagem de estudos à União Soviética, permanecendo no país por dois meses. Após retornar ao Brasil, ele publicou seu segundo livro — “URSS, Um Novo Mundo”, relatando as experiências e políticas socialistas implementadas pelo governo soviético. A obra seria censurada e apreendida pelo regime de Getúlio Vargas.

Após a fundação da Universidade de São Paulo (USP), Caio passou a frequentar os cursos de história e geografia da instituição. Ele se aproximaria dos professores da “missão francesa”, contratados para coordenar as atividades docentes iniciais da universidade. Também se tornaria um dos fundadores da Associação dos Geógrafos Brasileiros.

Em 1934, Caio assumiu a vice-presidência regional da Aliança Nacional Libertadora (ANL) — organização antifascista e anti-imperialista vinculada ao PCB. Criada como parte da política de frentes populares adotada pela Comintern para combater a ascensão do fascismo, a ANL se tornou um vigoroso movimento político, congregando comunistas, anarquistas e militares egressos do tenentismo.

O jovem intelectual auxiliou na expansão dos diretórios municipais e colaborou com a produção de materiais para a ANL, incluindo a produção de artigos para o jornal “A Plateia”. O crescimento vertiginoso da ANL, no entanto, incomodou Getúlio Vargas. Em junho de 1935, a organização seria fechada com base na Lei de Segurança Nacional.

Quatro meses mais tarde, militares filiados à ANL deram início a uma série de sublevações nos quartéis de Natal, Recife e Rio de Janeiro. O Levante Comunista seria debelado em poucos dias, mas acabaria por justificar o fechamento do regime e o recrudescimento da repressão política. Vargas instituiu estado de sítio e ordenou a prisão de milhares de pessoas.

Em dezembro de 1935, Caio foi preso. Ele ficaria encarcerado por dois anos, até obter a liberdade por força de habeas corpus. Após deixar a prisão, ele se exilou na França, onde militou pelo Partido Comunista Francês e participou de atividades de apoio às forças republicanas durante a Guerra Civil Espanhola.

Reprodução
Fotografia de Caio Prado Júnior

Após o início da Segunda Guerra Mundial, Caio retornou ao Brasil. Em 1942, ele publicou “Formação do Brasil Contemporâneo”, sua obra mais importante. No livro, o autor analisa a formação do Brasil a partir da economia agroexportadora e escravagista do período colonial, mostrando como esse processo moldou o sistema político e as relações sociais e contribuiu para a desigualdade e a dependência econômica.

Formação do Brasil Contemporâneo” se transformaria em um marco da historiografia brasileira, destacando-se pela análise crítica dos processos históricos. Não obstante, a obra também apresenta concepções bastante problemáticas — incluindo um forte influxo da sociologia evolucionista, notável na reprodução de ideias racistas sobre as populações negras e indígenas.

Caio manteve intensa atividade editorial ao longo dos anos 40. Ao lado de Monteiro Lobato, Arthur Neves, Leandro Dupré e Hermes Lima, ele fundou a Gráfica Urupês e a Editora Brasiliense, companhias que tiveram grande importância na difusão das ciências sociais no Brasil. Em 1945, Caio publicou “História Econômica do Brasil” — uma análise abrangente da evolução econômica do país, cobrindo desde o período colonial até o pós-guerra, enfatizando os aspectos econômicos, sociais e políticos.

Atividade parlamentar

Ainda em 1945, Caio ajudaria a fundar o jornal “Hoje”, órgão de imprensa do PCB em São Paulo. Reorganizado desde a Conferência da Mantiqueira, o PCB recuperou a legalidade ao término do Estado Novo e conduziu uma bem sucedida campanha de articulação junto aos movimentos estudantis e sindicais.

O partido também foi muito beneficiado pela imagem positiva projetada pela vitória da União Soviética sobre os nazistas na Segunda Guerra. Angariando mais de 200 mil filiados, o PCB se converteu em um partido de massas — o que se refletiu no seu bom desempenho eleitoral.

Caio Prado concorreu a uma vaga como deputado federal pelo PCB na eleição de dezembro de 1945, amealhando quase 10 mil votos e obtendo a terceira suplência. Em janeiro de 1947, ele foi eleito deputado estadual constituinte por São Paulo, passando a integrar a histórica bancada de 11 parlamentares comunistas eleitos para a Assembleia Legislativa paulista.

Caio atuou na Comissão Especial encarregada de elaborar o anteprojeto da Constituição do estado de São Paulo. Ele apresentou 31 emendas ao projeto, das quais 9 foram aprovadas integralmente e 4 aprovadas parcialmente. Suas propostas versavam sobre temas como ensino gratuito, fiscalização da ação da polícia, concessão de auxílios e subvenções e o regime fiscal do estado.

Ao lado de Mário Schenberg, Caio foi responsável pela inclusão do artigo 132 na constituição estadual, que determinava a criação de uma fundação pública para prover amparo à pesquisa científica. A medida seria regulamentada em 1962, com a criação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), uma das mais importantes agências de fomento à ciência do Brasil.

A atuação parlamentar de Caio rendeu vários elogios — vindos até mesmo da imprensa conservadora de São Paulo. Florestan Fernandes o definia como “um deputado criativo, produtivo, invejável” e elogiava sua “dedicação na pesquisa dos fatos, antes de elaborar um projeto de lei”. O mandato, entretanto, teve curta duração.

Preocupados com o avanço eleitoral do PCB, as autoridades iniciaram uma ofensiva contra os comunistas. Ainda em 1947, o Tribunal Superior Eleitoral cassou o registro do partido. E em 1948, todos os parlamentares do PCB, em todas as esferas legislativas, tiveram seus mandatos cassados.

Caio foi preso logo após a perda do mandato parlamentar, ficando encarcerado por três meses. Após sua libertação, retomou suas atividades intelectuais e seu trabalho na Editora Brasiliense.

Dos anos 50 ao golpe de 1964

Em 1954, Caio se candidatou à cátedra de economia política da Faculdade de Direito da USP, apresentando a tese “Diretrizes para uma política econômica brasileira”. Ele obteve o título de livre-docente, mas foi impedido de lecionar na universidade em função de seu posicionamento ideológico. Ainda nos anos 50, publicou novos trabalhos versando sobre dialética (“Dialética do Conhecimento“, “Introdução à Lógica Dialética“) e economia (“Esboço de Fundamentos da Teoria Econômica”).

Entre 1955 e 1964, Caio foi responsável por editar a “Revista Brasiliense” — publicação de orientação marxista voltado a promover análises e discussões sobre temas políticos, culturais e econômicos. A revista contaria com a colaboração de alguns dos mais destacados intelectuais do Brasil, incluindo Florestan Fernandes, Sérgio Buarque de Holanda e Sérgio Milliet, consolidando-se com um periódico de vanguarda de grande relevância para os debates nacionais.

A publicação da “Revista Brasiliense” foi proibida logo após o golpe de 1964. Caio tornou-se alvo da perseguição da ditadura militar instalada após a deposição de João Goulart, sendo submetido a constantes detenções, inquéritos e depoimentos. Apesar da intimidação, ele manteve-se como intelectual ativo e crítico do regime.

Em 1966, Caio publicou “A Revolução Brasileira”, obra em que analisa a perspectiva de uma revolução socialista no Brasil. O livro estabelecia um contraponto ao modelo de “revolução democrático-burguesa” adotado pelo PCB, ao mesmo tempo em que refletia sobre os erros da esquerda brasileira que possibilitaram a vitória dos golpistas em 1964. A obra lhe rendeu o título de “intelectual do ano” e o Troféu Juca Pato, entregue pela União Brasileira de Escritores.

As últimas décadas

Dois anos depois, em 1968, Caio lançou “História e Desenvolvimento”, apontando a inadequação da política econômica vigente no Brasil. Ele pretendia apresentar a tese para concorrer à livre-docência em História do Brasil na USP. Não obstante, seu título seria cassado após a decretação do AI-5.

Ainda em 1968, Caio se tornou alvo de um inquérito que o acusava de “incitar a subversão da ordem político-social”. Ele conseguiu evitar a detenção refugiando-se por um período no o Chile, mas foi levado a julgamento assim que retornou ao Brasil. Em 1970, Caio foi condenado a seis anos de prisão e encarcerado no Presídio Tiradentes. Ele permaneceria na cadeia por um ano e meio, até ser absolvido pelo STF.

Durante o confinamento, dedicou-se a escrever sobre as concepções estruturalistas que julgava prejudiciais ao marxismo. Esses textos seriam compilados e publicados em 1971, no livro “Estruturalismo de Lévi-Strauss — O Marxismo de Louis Althusser”.

Caio Prado continuou escrevendo após sua libertação, mas se distanciou gradualmente da militância política nas últimas décadas de vida. Ele ainda publicou “A Questão Agrária no Brasil”, retomando e aprofundando suas reflexões sobre a questão fundiária, e os livros “O que é Liberdade” e “O que é Filosofia”, obras introdutórias da coleção “Primeiros Passos”.

Seu último livro foi “A Cidade de São Paulo”, onde explica transformação da capital paulista em um grande centro industrial. Caio Prado Júnior faleceu em São Paulo em 23 de novembro de 1990, aos 83 anos.