No último sábado, celebrou-se o aniversário de 120 anos do nascimento de uma heroína brasileira: a militante comunista Laudelina de Campos Melo. Ela foi a pioneira da luta pelos direitos das empregadas domésticas e fundou a primeira associação sindical de trabalhadores domésticos do Brasil. Também ajudou na luta contra o nazismo durante a Segunda Guerra Mundial e ajudou a fortalecer o movimento negro e a luta antirracista no país. Desde o ano passado, o nome de Laudelina integra formalmente a lista de heróis e heroínas do Panteão da Pátria.
Laudelina de Campos Melo nasceu em 12 de outubro de 1904, em Poços de Caldas, no interior de Minas Gerais. Nascida uma década e meia após a abolição da escravatura, era filha de pais alforriados após a Lei do Ventre Livre. Começou a trabalhar aos sete anos de idade, ajudando a mãe, Maria Maurícia, que atuava como lavadeira.
Aos 12 anos, Laudelina perdeu o pai, Marcos Aurélio, que trabalhava como lenhador. Ele morreu em um acidente trabalhista, durante o corte de madeira no Paraná. A jovem foi então forçada a abandonar a escola, para ajudar a mãe a criar os cinco irmãos. Ao mesmo tempo, auxiliava no sustento da casa, vendendo compotas, geleias e doces caseiros.
Laudelina começou a trabalhar como empregada doméstica aos 16 anos. O descontentamento com a exploração dos patrões e as condições precárias impostas aos trabalhadores motivou sua atuação política desde cedo. Ainda adolescente, ela presidiu o Clube 13 de Maio, agremiação voltada à promoção de atividades recreativas e políticas para a população negra.
Aos 18 anos, Laudelina se mudou para São Paulo em busca de novas oportunidades de trabalho. Na capital paulista, casou-se com Geremias Campos Melo, pai de seus dois filhos. Partiu em seguida para Santos, onde intensificaria sua militância política e o seu contato com as organizações do movimento negro. Ela ingressou no grupo “Saudade de Campinas”, voltado à valorização da cultura afro-brasileira, e se aproximou da Frente Negra Brasileira (FNB) — a mais importante organização do movimento negro até então.
Em 1936, Laudelina se filiou ao Partido Comunista (PCB) e passou a atuar em diversos movimentos populares. Nesse mesmo ano, ela fundou a Associação de Empregadas Domésticas de Santos, o primeiro sindicato de trabalhadores domésticos do Brasil. Submetidos aos estigmas negativos da escravidão, os trabalhadores domésticos não possuíam nenhum tipo respaldo legal, estando sujeitos aos abusos dos empregadores. O serviço doméstico era referenciado somente nas leis sanitárias e policiais — e nesses casos, as leis visavam apenas proteger os patrões, tratando os trabalhadores como potenciais ameaças.
Por meio do sindicato, Laudelina lutou pelo reconhecimento legal da profissão e pela criação de normas para regular as relações trabalhistas, reivindicando direitos como salário mínimo, limite de horas trabalhadas e repouso semanal remunerado. Ela também liderou ações para auxiliar trabalhadores domésticos desempregados e em situação de vulnerabilidade.
Com apoio de Geraldo Campos de Oliveira, então presidente do Clube Cultural Recreativo do Negro, Laudelina viajou pelo Brasil, mobilizando trabalhadoras domésticas e ajudando a fundar novas associações em diversas cidades. Em 1937, entretanto, a Associação de Empregadas Domésticas foi fechada por ordem de Getúlio Vargas, no contexto do recrudescimento da repressão anticomunista do Estado Novo. As reivindicações da categoria seriam todas ignoradas pelo regime de Vargas, que manteve os trabalhadores domésticos excluídos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, Laudelina se alistou como voluntária na luta contra o nazifascismo. Ela atuou como auxiliar de guerra no país, prestando apoio aos combatentes da Força Expedicionária Brasileira, e serviu como sentinela avançada da guarda de navios do Porto de Santos. Após a redemocratização, Laudelina retomou seu trabalho sindical na Associação de Empregadas Domésticas. Em 1948, logo depois de ficar viúva, a líder sindical trabalhou como governanta na fazenda de Bedecilda Vaz Cardoso, mãe da escritora Hilda Hilst. Dois anos depois, foi encarregada de gerenciar um hotel da família em Mogi Mirim, onde viveu por três anos.
Após o falecimento de Bedecilda, Laudelina se mudou para Campinas em busca de emprego. Logo passou atuar no movimento negro da cidade, promovendo atividades políticas e culturais e ações de combate ao racismo. Laudelina foi responsável por fundar a Escola de Bailado Clássico Santa Efigênia — a primeira escola de bailado aberta para as meninas negras de Campinas.
Em 1957, indignada com o fato de que as debutantes negras não eram convidadas a participar dos concursos e bailes da cidade, Laudelina criou o Baile Pérola Negra, um evento de gala para as jovens negras, sediado no Teatro Municipal de Campinas. O baile fez tanto sucesso que passou a ser realizado periodicamente desde então, tornando-se um marco do movimento negro campineiro — prestigiado por personalidades consagradas da cultura brasileira, nomeadamente Jair Rodrigues. Laudelina também liderou uma campanha contra a discriminação racial nos anúncios de vagas emprego. Após organizar um protesto contra o jornal Correio Popular, ela conseguiu banir a veiculação de anúncios de emprego que vetavam candidatos negros.
Em 1961, com apoio do Sindicato da Construção Civil de Campinas, Laudelina fundou a Associação Profissional Beneficente das Empregadas Domésticas. Congregando milhares de trabalhadoras, a organização logo se tornaria um dos mais importantes instrumentos políticos da categoria, auxiliando a organização dos trabalhadores domésticos em sindicados e articulando a luta conjunta com os movimentos negro e feminista.
Após o golpe militar de 1964, o nome de Laudelina foi incluso numa lista de lideranças políticas a serem detidas. Laudelina escapou da prisão graças à intervenção de aliados influentes. Para manter sua associação funcionando, entretanto, viu-se obrigada a vinculá-la à União Democrática Nacional (UDN). Laudelina conseguiu driblar a política antissindical da ditadura, mas seguiu na mira dos burocratas do regime — chegando a ser apelidada de “o terror das patroas” pelo ministro Jarbas Passarinho.
A articulação política orquestrada por Laudelina rendeu frutos e possibilitou que os empregados domésticos conquistassem direitos mesmo sob a ditadura. Em 1968, as organizações do setor realizaram o primeiro Congresso Nacional dos Trabalhadores Domésticos, que recebeu apoio da ala progressista da Igreja Católica. Em 1972, a categoria conquistou o direito ao registro em carteira e ao recolhimento do INSS.
Não obstante, a infiltração de representantes dos setores reacionários enfraqueceu a Associação das Empregadas Domésticas, que acabou fragmentada por disputas internas. Com a saúde fragilizada e cansada das desavenças, Laudelina se afastou da associação, seguindo com sua luta em prol da categoria de forma independente. Por insistência de suas antigas companheiras, voltou a presidir a organização em 1982.
Nos anos 80, Laudelina atuou no processo de redemocratização e contribuiu com as discussões da Assembleia Constituinte, assegurando a inclusão de novos direitos para os trabalhadores domésticos na Constituição Federal de 1988. Após a promulgação da Constituição, a associação presidida por Laudelina se transformou no Sindicato das Empregadas Domésticas
Em 1989, a líder sindical foi homenageada com a criação da Casa Laudelina de Campos Mello, organização voltada a celebrar sua luta e desenvolver ações sociais junto aos trabalhadores domésticos. Laudelina faleceu dois anos depois, em 12 de maio de 1991, aos 86 anos de idade. Em seu testamento, deixou sua casa para o Sindicato dos Trabalhadores Domésticos de Campinas. Em 2005, o legado de Laudelina foi homenageado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que a condecorou com a Ordem do Mérito do Trabalho, no grau de Cavaleira post mortem.
Em 2013, durante o governo Dilma Rousseff, boa parte das reivindicações históricas de Laudelina foram concretizadas por meio da aprovação da Emenda Constitucional n.º 72, a chamada “PEC das Domésticas”, que estendeu aos trabalhadores domésticos os direitos e benefícios válidos para as demais categorias da CLT, incluindo a jornada de trabalho de 44 horas semanais, pagamento de horas extras, seguro-desemprego, vale-transporte, aposentadoria, auxílio-doença, férias remuneradas, 13º salário, etc.
Em 2015, Laudelina foi tema de um documentário produzido pela prefeitura de Campinas, intitulado “Laudelina: Lutas e Conquistas”. Em julho de 2023, o presidente Lula sancionou a Lei 14.635, incluindo o nome de Laudelina no Livro de Aço dos Heróis e Heroínas da Pátria.