121 anos de Anésia Pinheiro Machado, pioneira da aviação no Brasil
Primeira brasileira que realizou um voo solo no país lutou pela inclusão das mulheres na aviação e foi responsável por divulgar o legado de Santos Dumont
Há 121 anos, em 5 de junho de 1904, nascia Anésia Pinheiro Machado, pioneira da aviação no Brasil. Ela foi a primeira mulher a realizar um voo solo no país e a segunda a conquistar uma licença de piloto.
Ao longo de sua carreira, Anésia estabeleceria uma série de marcos históricos. Ela foi primeira brasileira a realizar voos acrobáticos e a cruzar a Cordilheira dos Andes. E em 1951, Anésia ganhou manchetes ao se aventurar em um voo transcontinental pelas Américas.
A aviadora participou do Levante Tenentista de 1924 em São Paulo, lutando ao lado dos rebeldes que pretendiam superar o governo oligárquico da Primeira República. Também se dedicou a lutar pela inclusão das mulheres na aviação e foi uma das grandes responsáveis por divulgar internacionalmente o legado de Santos Dumont.
Anésia foi reconhecida como Decana Mundial da Aviação Feminina pela Federação Aeronáutica Internacional e foi laureada com o Prêmio Edward Warner, a distinção máxima da aviação civil.
Os primeiros anos
Anésia Pinheiro Machado nasceu em Santo Antônio da Boa Vista (atual Itaí), uma pequena cidade do interior de São Paulo, filha de Aurélia Cândida de Vasconcelos e Gustavo Gomes Pinheiro Machado. Ainda criança, ela se mudou com os pais para Itapetininga, onde estudou na Escola Modelo.
Dotada de curiosidade e espírito inquieto, Anésia começou a se interessar pela aviação ainda na infância. Em certa ocasião, durante as celebrações da Festa do Divino, ela ficou fascinada ao testemunhar, pela primeira vez, o voo de uma aeronave em sua cidade.
Após concluir o ensino secundário, Anésia se matriculou na Escola de Farmácia e Odontologia de Itapetininga. Ela conciliava os estudos com seu trabalho como jornalista no Diário de Itapetininga.
Sua verdadeira paixão, no entanto, estava nos céus. Assim, aos 17 anos, Anésia tomou a decisão de se mudar para São Paulo, a fim de iniciar seus estudos de pilotagem.
Por indicação do capitão João Alexandre Busse, a jovem procurou o instrutor alemão Fritz Roesler, um piloto veterano da Primeira Guerra Mundial. Roesler também foi o instrutor (e futuro marido) de Thereza Di Marzo, outra pioneira da aviação feminina.
Até então, os campos de aviação no Brasil eram ambientes exclusivamente masculinos. Anésia teve de enfrentar muitos preconceitos e desconfianças, mas estava resoluta em sua decisão de se tornar uma aviadora. Em suas palavras, voar era “um ímpeto incontido da alma”, “um meio de sair da banalidade do viver comum”.
O pioneirismo de Anésia
Em 17 de março de 1922, Anésia, então com 18 anos, realizou seu primeiro voo solo, pilotando um biplano Caudron G.3. Era a primeira vez que uma mulher voava sozinha pelos céus do Brasil — um marco histórico, não apenas da aviação nacional, mas também da luta pela emancipação feminina.
Em 9 de abril de 1922, Anésia recebeu o brevê de número 77 da Federação Aeronáutica Internacional (FAI), concedido pelo Aeroclube do Brasil. Ela foi a segunda brasileira a obter a permissão, precedida somente por Thereza Di Marzo.
Anésia acumularia uma série de feitos pioneiros ao longo de sua vida. Ainda em abril de 1922, ela se tornou a primeira brasileira a realizar um voo com passageiro. Também foi a primeira a fazer um voo acrobático. E no mês seguinte, a aviadora conquistou o recorde feminino de voo em altitude.
Em junho de 1922, Anésia realizaria um voo de São Paulo até Santos, acompanhada por Paulo Duarte, redator do jornal “O Estado de S. Paulo”. Poucas semanas depois, ela participaria de uma competição em homenagem aos aviadores portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, primeiros pilotos a atravessarem o Atlântico Sul. Anésia ficou em terceiro lugar, atrás de Edu Chaves e Steckmann.
Anésia também foi a primeira mulher a realizar um voo interestadual no Brasil. Em 5 de setembro de 1922, ela partiu de São Paulo rumo ao Rio de Janeiro, a bordo do Caudron G.3 “Bandeirante”. Parte integrante das celebrações do Centenário da Independência, o voo se prolongou por quatro dias.
A aviadora enfrentou condições adversas, incluindo mau tempo, ventos fortes e a fragilidade do avião, que exigia paradas frequentes para reabastecimento e manutenção. A façanha lhe conferiu enorme visibilidade na imprensa e uma recepção calorosa em sua chegada ao Campo dos Afonsos.
Alberto Santos Dumont, o pai da aviação, enviou uma carta parabenizando Anésia por seu feito e a presenteou com uma réplica da medalha de São Bento que ele recebera da Princesa Isabel — uma honraria que a aviadora carregaria consigo pelo resto da vida.
Durante sua estadia no Rio de Janeiro, Anésia foi homenageada no Theatro São Pedro e recebeu uma premiação outorgada pelo Conselho Municipal. Ela também tomou parte do Primeiro Congresso Feminista Internacional, representando a Liga Paulista pelo Progresso Feminino.

Coleção Brasiliana Fotográfica Digital / Biblioteca Nacional
Da Revolta Tenentista aos anos 40
Em julho de 1924, eclodiu em São Paulo a Segunda Revolta Tenentista — movimento armado de militares de baixa e média patente que reivindicavam a reforma do sistema político brasileiro. Liderados por Isidoro Dias Lopes, os rebeldes pretendiam derrubar o governo de Artur Bernardes, acabar com o voto de cabresto e implementar uma série de reformas sociais.
Simpática aos ideais revolucionários, Anésia aderiu à insurreição. Ela voaria em várias missões durante o levante, atirando panfletos que pretendiam estimular a deserção das forças federais. Após a derrota do movimento, Anésia foi presa e teve sua autorização de voo cancelada. Ela ficaria sem voar por 14 anos.
Nos anos seguintes, Anésia voltaria ao jornalismo, escrevendo colunas para o matutino carioca “O Paiz”, onde compartilhava suas experiências, discutia avanços técnicos e argumentava em favor da importância da aviação para o desenvolvimento do Brasil. Ela também atuou no Departamento de Imprensa e Propaganda e na Assembleia Legislativa.
Anésia também faria papéis no cinema na década de 20, atuando em dois filmes mudos — “Hei de Vencer”, filme de aventura de Luiz de Barros, e “Quando Elas Querem”, comédia de E. C. Kerrigan.
Anésia retomou a carreira da aviadora em 1940, obtendo as licenças de voo privado e comercial do Departamento de Aviação Civil. Nesse mesmo ano, ela participou do primeiro campeonato feminino da “Semana da Asa”, organizado pelo Aeroclube do Brasil. O evento contou com a presença de ícones da aviação feminina, incluindo Ada Rogato, Rosa Schorling e Joana Martins Castilho.
Anésia se destacaria como uma figura central na luta pela integração das mulheres na aviação brasileira, atuando fortemente em prol do acesso feminino aos cursos de pilotagem.
Em maio de 1940, a aviadora fez um discurso vigoroso denunciando o preconceito de gênero no meio aeronáutico e reivindicando direitos iguais: “Em qualquer iniciativa ligada à aviação, só os homens são convidados a tomar parte. Parece que ninguém confia na perícia de uma aviadora, quando estamos prontas para dar a prova das nossas habilidades. Precisamos de estímulo e merecemos estímulo porque temos o mesmo direito que os homens têm de prestar serviço à nossa pátria.”
As conquistas internacionais
Ao longo dos anos 40, Anésia firmaria sua reputação como uma das melhores aviadoras femininas do mundo. Sua habilidade acrobática foi muito elogiada por figuras como Elizabeth Lippincott McQueen, presidente da Women’s International Association of Aeronautics, e Alice Rogers Hager, chefe de informação pública do Conselho de Aeronáutica Civil dos Estados Unidos. Ambas ficaram impressionadas com as manobras executadas pela brasileira a bordo de um Bucker-Jungman durante uma apresentação especial.
Em 1943, Anésia foi convidada pelo governo norte-americano a realizar um curso avançado de aviação em Houston, no Texas, onde obteve licenças como piloto e instrutora de voo. Posteriormente, ela atuaria como instrutora de voo da Panair e do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva da Aeronáutica.
Em 1951, Anésia voltaria a se destacar por novas conquistas. Ela foi a primeira brasileira a realizar um voo transcontinental ao longo das Américas, partindo de Nova York e pousando no Rio de Janeiro. No mesmo ano, tornou-se a primeira brasileira a realizar a travessia da Cordilheira dos Andes, em um voo de Santiago do Chile a Mendoza, na Argentina.
Durante a Conferência de Istambul, Anésia foi homenageada pela Federação Aeronáutica Internacional (FAI), recebendo o título de Decana Mundial da Aviação Feminina e o Diploma Paul Tissandier, reservado às personalidades que deram grandes contribuições à causa da aviação.
Anésia foi uma das grandes responsáveis por divulgar internacionalmente o legado de Santos Dumont. Em 1956, por ocasião do aniversário de 50 anos do voo do 14-Bis, ela organizou uma série de homenagens ao inventor brasileiro e articulou a doação de réplicas de suas aeronaves para o Museu Nacional do Ar e do Espaço, vinculado ao Smithsonian Institution.
A aviadora também liderou a campanha que levou a União Astronômica Internacional a dar o nome de Santos Dumont à cratera lunar localizada nos arredores do local onde pousou a espaçonave Apollo 15. Em 1959, Anésia foi nomeada comandante do Corpo Feminino da Patrulha Aérea Civil.
Os últimos anos
Ao longo de sua carreira, Anésia recebeu inúmeras honrarias, incluindo 19 medalhas nacionais e 7 internacionais. Em 1989, ela foi condecorada com o Prêmio Edward Warner, a maior honraria concedida pela comunidade da aviação civil internacional.
Anésia possui status de piloto honorária de várias nações sul-americanas e recebeu os títulos de cidadã honorária de Rio de Janeiro, São Paulo e do estado de Missouri. Ela também era membro das “Ninety-Nines” — a organização internacional de aviadoras criada por Amelia Earhart, pioneira da aviação nos Estados Unidos.
Anésia Pinheiro Machado faleceu no Rio de Janeiro em 10 de junho de 1999, aos 94 anos de idade. Ela foi cremada e teve suas cinzas depositadas em uma urna no Museu de Cabangu, dedicado à memória de Santos Dumont e à história da aviação brasileira.
Uma estátua em sua homenagem foi erguida junto ao Centro Cultural de Itapetininga. A história da aviadora foi retratada no documentário “Anésia, um Voo no Tempo”, dirigido por Ludmila Ferolla.
