Há 130 anos, em 2 de agosto de 1894, nascia a bióloga, diplomata e educadora brasileira Bertha Lutz. Expoente da luta feminista no século 20, Bertha foi uma das principais líderes do movimento sufragista no Brasil, tendo uma atuação de grande importância para a conquista dos direitos das mulheres.
Ela foi a segunda mulher a ocupar o cargo de deputada federal no Brasil e representou o país na convenção que deu origem à Organização das Nações Unidas (ONU). Destacou-se ainda como cientista, atuando como pesquisadora do Museu Nacional e contribuindo para a descoberta e catalogação de novas espécies de anfíbios.
Bertha Lutz nasceu em São Paulo, filha da enfermeira britânica Amy Fowler e do médico brasileiro Adolfo Lutz. Seu pai é reconhecido como o pioneiro da medicina tropical e da epidemiologia. Ele foi diretor do Instituto Bacteriológico de São Paulo e ajudou a combater doenças como febre amarela, hanseníase e malária.
Bertha cursou as primeiras letras em São Paulo e concluiu o estudo primário no Rio de Janeiro, para onde se mudou em 1908, acompanhando o pai, nomeado pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz. Em seguida, transferiu-se para a Paris, acompanhada da mãe e do irmão, Gualter Adolpho, a fim de dar continuidade aos estudos.
Interessada pela ciência desde a infância, Bertha ingressou no curso de Ciências Naturais da Universidade de Paris. Durante a graduação, a brasileira teve os primeiros contatos com o movimento feminista. Também fez amizade com a enfermeira Jerônima Mesquita, que seria sua futura parceira de luta pelos direitos das mulheres. Formada em 1918, Bertha regressou ao Brasil e passou a trabalhar como assistente de seu pai na Seção de Zoologia do Instituto Oswaldo Cruz.
Em 1919, Bertha tentou participar de um concurso público para o Museu Nacional, mas teve sua inscrição barrada por ser mulher. Ela recorreu então à Justiça e apresentou uma recomendação de Rui Barbosa, conseguindo autorização para se inscrever. Bertha foi aprovada em primeiro lugar no concurso e se tornou a segunda mulher a ser admitida no serviço público do Brasil. Foi nomeada secretária do Museu Nacional, tornando-se posteriormente pesquisadora da instituição.
Em paralelo ao seu trabalho como cientista, Bertha se dedicou ao ativismo em prol dos direitos das mulheres, tornando-se uma das maiores referências do feminismo brasileiro do século 20. Em 1919, ela fundou no Rio de Janeiro a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, organização voltada a estimular a participação feminina na vida cultural, intelectual e política do país.
Em 1922, Bertha organizou o I Congresso Feminista do Brasil e serviu como representante do país na Conferência Pan-Americana de Mulheres, realizada nos Estados Unidos. Durante o encontro, a brasileira defendeu a igualdade de gênero e a inclusão das mulheres nas decisões políticas. A conferência deu origem à União Interamericana de Mulheres, da qual Bertha viria ser presidente.
Em seu retorno ao Brasil, Bertha criou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF) — organização herdeira da Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher. A FBPF se tornaria a mais importante organização feminista do país e exerceria papel fundamental para o fortalecimento da organização política das mulheres, sedimentando uma série de conquistas e avanços nas décadas de 20 e 30. Foi através da atuação da FBPF que Bertha conseguiu viabilizar a admissão de mulheres no Colégio Pedro II, a mais tradicional instituição de ensino secundário do Brasil. A federação também coordenou a criação da União Universitária Feminina, organização que objetivava incentivar o ingresso de mulheres no ensino superior.
A pressão e articulação social liderada pela FBPF resultaram na incorporação de antigas reivindicações feministas nas políticas de Estado. Bertha e outras militantes da organização participaram da Comissão Preparatória do Anteprojeto da Constituição de 1934, conseguindo incluir a licença-maternidade remunerada e outras medidas voltadas aos direitos das mulheres no texto constitucional. A FBPF também teve importante participação na conquista do voto feminino. Em 1927, a grande mobilização em torno dessa pauta levou à criação da Lei Estadual nº 660, sancionada pelo governo do Rio Grande do Norte, que estendeu o direito de voto às mulheres. Em 1932, o novo Código Eleitoral promulgado pelo governo de Getúlio Vargas instituiu nacionalmente o direito das mulheres de votar e de se candidatar a cargos eletivos.
Bertha se destacou igualmente por contribuições no campo da educação. Ela foi uma das fundadoras da Associação Brasileira de Educação (ABE) — agremiação de intelectuais e profissionais do ensino, voltada a impulsionar a produção teórica sobre educação e a contribuir na criação de diretrizes e programas educacionais. Com patrocínio do Ministério da Agricultura, Bertha conduziu um importante estudo sobre educação doméstica agrícola junto à população rural, visando fornecer subsídios para estimular a criação de cooperativas femininas. O estudo lhe rendeu um prêmio concedido pelo governo da Bélgica.
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Em 1933, Bertha foi uma das representantes do Brasil na Conferência Interamericana de Montevidéu, no Uruguai. Durante o encontro, a brasileira propôs a criação de um Tratado de Igualdade de Direitos e pressionou a Comissão Interamericana de Mulheres a se comprometer com a fiscalização das condições de trabalho no continente. Nesse mesmo ano, Bertha participou da fundação da União Profissional Feminina e da União das Funcionárias Públicas. Também concluiu sua segunda graduação, formando-se pela Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro.
Em 1934, nas primeiras eleições nacionais em que as mulheres puderam participar, Bertha se candidatou à Câmara dos Deputados pelo Partido Autonomista do Distrito Federal — uma legenda progressista criada por Pedro Ernesto. A cientista obteve 16.423 votos, conquistando a primeira suplência da legenda.
Em junho de 1936, após a morte de Cândido Pessoa, Bertha tomou posse como parlamentar. Ela foi a segunda mulher a ocupar o cargo de deputada federal no Brasil, depois de Carlota Pereira de Queirós.
A atuação parlamentar de Bertha teve como foco a defesa dos direitos das mulheres e da igualdade de gênero. A deputada defendeu bandeiras como a ampliação da licença-maternidade, a igualdade salarial e o acesso das mulheres à educação. Bertha foi autora do projeto de lei do Estatuto da Mulher, propôs a criação do Ministério da Mulher e de uma agência estatal de apoio à maternidade e infância. Ela também lutou pelo fim do trabalho infantil, pressionou pela ampliação da verba destinada às universidades e pesquisas científicas, apoiou campanhas de saúde pública e programas voltados à conservação do meio ambiente.
Embora prolífico, o mandato de Bertha foi breve. Em novembro de 1937, Getúlio Vargas ordenou o fechamento do Congresso Nacional e a cassação de todos os mandatos parlamentares, instaurando a ditadura do Estado Novo. Com isso, a tramitação do projeto de lei que criava o Estatuto da Mulher — principal bandeira de Bertha — foi interrompida. O regime de Vargas também determinou a supressão de todas as organizações políticas da sociedade civil, forçando o encerramento da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.
Em dezembro de 1937, Bertha assumiu o cargo de diretora do Departamento de Botânica do Museu Nacional, onde permaneceria até 1964, quando foi aposentada compulsoriamente pela ditadura militar. Durante esse período, dedicou-se a conduzir uma série de pesquisas científicas e participou de várias expedições para análise de biomas e coleta de materiais zoobotânicos em todo o Brasil. A produção científica de Bertha era centrada no estudo de anfíbios anuros — provavelmente por influência do pai, que mantinha amplas coleções de herpetologia no Instituto Oswaldo Cruz. Em 1941, Bertha ajudou a produzir os catálogos da coleção Adolfo Lutz.
Na década de 40, Bertha também se destacou por sua atuação diplomática, participando de importantes conferências internacionais. Em 1944, ela representou o Brasil na Conferência da Organização Internacional do Trabalho, sediada na Filadélfia — ocasião em que foi publicada a Carta da Filadélfia, que reorganizou os princípios laborais sob a égide dos direitos humanos.
Bertha integrou, em 1945, a delegação brasileira que atuou na Conferência de São Francisco — encontro em que foi redigida a Carta das Nações Unidas, o tratado que deu origem à ONU. A brasileira foi uma das únicas quatro mulheres do mundo que participaram da conferência.
Ela foi também a principal responsável por incluir a defesa dos direitos das mulheres e a luta por igualdade de gênero como princípios basilares na Carta da ONU.
Bertha aprofundou suas pesquisas científicas a partir dos anos 50. Em 1958, ela descobriu uma nova espécie de rã — o Paratelmatobius lutzii, assim batizado em homenagem ao seu pai. Nesse mesmo ano, publicou uma monografia sobre os sapos do gênero Hyla. O trabalho foi apresentado no Congresso de Herpetologia de San Diego, Califórnia, em 1962, e serviu de base a produção do livro Brazilian Species of Hyla, publicado pela Universidade do Texas em 1973. Ela ainda identificaria duas novas espécies de sapo, descritas na revista Copeia. Em 1963, Bertha foi nomeada presidente de honra da Associação Latino-Americana de Herpetologia.
Bertha Lutz permaneceria frequentando as conferências políticas e militando em prol dos direitos femininos até o fim de sua vida. Em 1964, ela liderou a delegação brasileira durante a 14ª Comissão Interamericana de Montevidéu. Seis anos depois, Bertha propôs a inclusão das mulheres indígenas nas pautas abordadas pela Comissão Interamericana de Mulheres.
Seu último grande compromisso público foi a participação na Conferência do Ano Internacional da Mulher, realizado pela ONU na Cidade do México em 1975. Faleceu no ano seguinte, em 16 de setembro de 1976, aos 82 anos.