Há 15 anos, em 28 de junho de 2009, Manuel Zelaya, presidente de Honduras, era deposto por um golpe de Estado. A quartelada foi uma reação dos setores conservadores às políticas sociais implementados pelo ex-mandatário. Após o golpe, Zelaya se refugiou na embaixada do Brasil, de onde comandou a resistência.
Filiado ao Partido Liberal de Honduras, Zelaya assumiu a Presidência em 2006, três meses após derrotar o candidato reacionário Porfirio Lobo Sosa, do Partido Nacional. Embora eleito por um partido de direita, ele obteve o apoio crítico de parte da esquerda hondurenha, por manter um discurso de conciliação e de respeito aos direitos humanos, contrastando fortemente com a defesa da pena de morte e do punitivismo encampada por Sosa.
Mas logo após assumir a Presidência, Zelaya iniciou um giro político para a centro-esquerda, adotando uma série medidas que contrastavam com o programa do seu partido.
Durante a Presidência de Zelaya, Honduras aderiu à Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA), organização internacional fundada pelo presidente venezuelano Hugo Chávez. O então presidente também se aproximou do governo de Cuba e adotou uma retórica vigorosamente crítica ao imperialismo norte-americano. Seu governo introduziu a educação gratuita universal e aumentou o salário mínimo em 80%.
Zelaya também passou a fornecer subsídios para pequenos agricultores, reduziu as taxas de juros, instituiu a distribuição de merenda escolar para 1,6 milhão de crianças, integrou os empregados domésticos ao sistema de previdência social, criou um programa de renda básica para as famílias carentes e isentou as contas de luz dos hondurenhos de baixa renda. Os programas sociais criados pela sua gestão tiveram impacto positivo na redução da pobreza e lhe granjearam forte apoio da classe trabalhadora. Por outro lado, as medidas desagradaram profundamente a elite hondurenha e os liberais e conservadores que compunham sua base parlamentar — incluindo os deputados do seu próprio partido.
Sem respaldo legislativo e sob forte ataque da imprensa, o governo Zelaya passou a sofrer críticas da Casa Branca, que acusava seu governo de perseguir jornalistas e de adotar posturas autoritárias. Zelaya também se tornou alvo de tentativas de criminalização no judiciário de Honduras, sendo acusado corrupção e irregularidades na gestão da Hondutel, a empresa estatal de telecomunicações de Honduras.
A tensão política chegou ao ápice após novembro de 2008, quando Zelaya, atendendo aos pedidos de movimentos sociais, iniciou a organização de um referendo para que povo hondurenho decidisse pela convocação de uma Assembleia Constituinte. Os opositores afirmaram que o mandatário pretendia promulgar uma nova Constituição para prolongar sua permanência do governo e instituir um “regime socialista” aos moldes do governo venezuelano de Chávez. O referendo foi rejeitado pelo Congresso e rotulado como ilegal pela Suprema Corte. Zelaya, entretanto, se negou a interromper a organização da consulta. A oposição reagiu articulando sua derrubada.
A Suprema Corte de Honduras emitiu um mandado secreto ordenando a prisão de Zelaya em 26 de junho de 2009. Dois dias depois, em 28 de junho, militares hondurenhos invadiram a casa do presidente e o detiveram em uma base da Força Aérea. Zelaya foi colocado em um avião militar e enviado para o exílio na Costa Rica, enquanto o Alto Comando das Forças Armadas apresentava uma carta de renúncia forjada.
A eletricidade e as telecomunicações foram cortadas durante a ação e os soldados ocuparam as áreas estratégicas da capital, Tegucigalpa. Os embaixadores de Cuba, Venezuela e Nicarágua foram sequestrados pelos militares e forçados a deixar o país. Os parlamentares hondurenhos declararam formalmente a vacância da Presidência e nomearam o presidente do Congresso, Roberto Micheletti, como chefe de governo interino. Micheletti decretou estado de sítio em Honduras, suspendendo as garantias constitucionais e os direitos civis.
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Protestos contra a destituição de Zelaya eclodiram imediatamente por todo o país. Em Tegucigalpa, dezenas de milhares de manifestantes se concentraram em frente aos edifícios governamentais e às instalações militares. O Exército e a polícia hondurenha reprimiram brutalmente os protestos, matando vários manifestantes (incluindo uma criança de 10 anos) e prendendo milhares de pessoas. Para conter a agitação popular, o governo interino cortou a internet e a telefonia. Micheletti também ordenou a suspensão do sinal de redes internacionais como a Telesur e a CNN e retirou uma rede estatal de televisão do ar. No interior do país, os militares invadiram e fecharam emissoras de rádio e TV.
O golpe de Estado foi rechaçado por todos os países latino-americanos. 10 países retiraram seus embaixadores de Tegucigalpa. A Venezuela interrompeu o envio de petróleo para Honduras e os governos de El Salvador, Guatemala e Nicarágua suspenderam o comércio com o país. Organizações internacionais, como ONU, OEA, Mercosul, UNASUL, ALBA e União Europeia, também condenaram o golpe de Estado.
Nenhum governo reconheceu a legitimidade do governo de Micheletti. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, adotou uma postura dúbia, condenando formalmente o golpe, mas buscando atenuar as medidas de isolamento e pressão da comunidade internacional sobre o regime golpista. Documentos confidenciais do governo norte-americano publicados pela organização WikiLeaks em 2010 revelaram que o Departamento de Estado, então sob comando de Hillary Clinton, atuou nos bastidores para dificultar a restituição de Zelaya ao poder, encobrindo ilegalidades de Micheletti e pressionando os governos vizinhos a normalizarem as relações comerciais com o governo golpista de Honduras.
Em agosto de 2009, Zelaya veio ao Brasil, onde se reuniu com presidente Lula e com o ministro das Relações Exteriores Celso Amorim e discursou contra o golpe de Honduras na tribuna da Câmara dos Deputados. No mês seguinte, em 21 de setembro de 2009, Zelaya retornou a Honduras escondido e refugiou-se na embaixada do Brasil no país.
Um gigantesco grupo de apoiadores de Zelaya se concentrou em frente à embaixada brasileira ao tomar conhecimento sobre o retorno do presidente deposto. Os militares reagiram com violência, disparando balas de borracha, gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral para dispersar a multidão. A imprensa brasileira acusou Lula de ter arquitetado o retorno de Zelaya a Honduras, mas o governo brasileiro afirmou que não teve envolvimento na iniciativa. Micheletti deu um ultimato ao governo brasileiro, exigindo que Zelaya fosse entregue às autoridades hondurenhas em um prazo de 10 dias. Lula respondeu que ignoraria a advertência, justificando não reconhecer a legitimidade do governo de Micheletti e afirmando que “o governo brasileiro não acata ultimato de golpista”.
Vencido o prazo do ultimato, o governo interino de Honduras cortou o telefone, eletricidade e o abastecimento de água da embaixada brasileira e ameaçou invadir o prédio. Diante de manifestações mais enérgicas de Lula, Chávez e demais líderes sul-americanos, Micheletti recuou dos ataques e assegurou que respeitaria a inviolabilidade da embaixada brasileira.
De dentro da embaixada, Zelaya seguiu por quatro meses tentando coordenar a resistência ao golpe de Estado, incluindo a articulação de uma greve geral. O edifício tornou-se palco de outras manifestações, mas a brutalidade da repressão do governo de Micheletti desarticulou a mobilização popular. O conservador Porfirio Lobo Sosa venceu o pleito de novembro de 2009, acusado de fraude pelo Mercosul e pela UNASUL.
Zelaya deixou a embaixada brasileira em 27 de janeiro de 2010, após a negociação de um salvo-conduto com o governo de Sosa, que permitiu ao ex-mandatário exilar-se com sua família na República Dominicana. Após o golpe de 2009, Honduras mergulhou em um processo de militarização e retrocessos sociais. O programa neoliberal foi aprofundado e a tendência de redução da desigualdade social registrada no governo Zelaya foi revertida.
O percentual de hondurenhos vivendo abaixo da linha da pobreza dobrou em apenas três anos. O desemprego saltou de 6,8% em 2008 para 14,1% em 2012 e quase todos os programas sociais criados por Zelaya foram extintos. Honduras também mergulhou em uma onda de violência sem precedentes, com uma impressionante escalada de assassinatos de jornalistas, líderes indígenas, militantes de esquerda e ativistas dos direitos humanos. A taxa de homicídios quase triplicou, saltando de 37 assassinatos por 100 mil habitantes em 2009 para 91,6 em 2011. O país é considerado hoje o mais violento do mundo.
O reacionário Partido Nacional de Honduras continuou no poder até janeiro de 2022. O ex-presidente hondurenho, Juan Orlando Hernández, eleito em um processo eleitoral fraudado e acusado de vínculos com o narcotráfico, conduziu uma agenda moralizante, instituindo a proibição total do aborto e do casamento entre pessoas do mesmo sexo, ao mesmo tempo em que aprofundou o desmonte dos serviços públicos e da rede de proteção social.
Zelaya filiou-se ao Partido Liberdade e Refundação (LIBRE), principal agremiação de esquerda em Honduras. A esposa de Zelaya, Xiomara Castro, foi candidata do partido na eleição presidencial de 2021. Foi eleita com uma vitória contundente, com quase 20 pontos de vantagem sobre o 2º colocado, tornando-se a primeira mulher a assumir a Presidência do país.