155 anos de Mahatma Gandhi, o 'Pai da Nação' indiana
Líder político comandou resistência contra domínio colonial britânico e ajudou a concretizar a independência da Índia em 1947
Há 155 anos, em 2 de outubro de 1869, nascia o líder político indiano Mahatma Gandhi. Conhecido pelo epíteto de “Pai da Nação”, Gandhi comandou a resistência contra o domínio colonial britânico, ajudando a concretizar a independência da Índia em 1947. Destacou-se ainda como promotor da doutrina da “Satyagraha”, base dos movimentos de desobediência civil e de resistência não violenta.
Mohandas Karamchand Gandhi nasceu em Porbandar, na região de Guzerate, Índia Ocidental, filho de Putlibai e Karamchand Gandhi. Seu pai era governante do principado de Porbandar. A mãe era uma fervorosa devota vixenuíta, que teria grande influência nos valores éticos e na espiritualidade do filho. Aos 13 anos, seguindo a tradição local vigente, Gandhi foi submetido a um matrimônio arranjado com Kasturba Kapadia, uma adolescente de 14 anos. Eles permaneceriam casados pelo resto da vida e teriam cinco filhos.
Após concluir o ensino básico na Índia, Gandhi deu continuidade aos estudos na Inglaterra, onde cursou direito. Durante a estadia na capital inglesa, ele se aproximou dos membros da Sociedade Teosófica, que o inspiraram ao estudo dos textos religiosos do cristianismo, budismo e hinduísmo — em especial, o “Bhagavad-Gita”, clássico da filosofia perene. Gandhi retornou à Índia em 1891, após ser informado sobre a morte da mãe. Dois anos depois, ele recebeu uma oferta de emprego do empresário muçulmano Dada Abdullah, que o chamou para ser representante jurídico de sua firma na África do Sul.
Gandhi viveria na África do Sul por 21 anos — e a experiência teria um profundo impacto na sua visão de mundo, levando-o a desenvolver sua consciência política e um olhar crítico sobre o colonialismo. A princípio, Gandhi tinha uma visão positiva sobre os ingleses e chegou a fazer comentários racistas sobre os sul-africanos negros.
Na África do Sul, entretanto, ele mesmo seria vítima de ataques racistas e sentiria na pele o peso das políticas segregacionistas impostas pela minoria branca. Gandhi chegou a ser espancado apenas por tentar interagir com os colonos europeus e era constantemente desrespeitado nos tribunais. Percebeu, então, que, para os colonizadores, não havia grandes distinções entre os indianos e os negros.
Essa percepção se tornaria ainda mais nítida após a Segunda Guerra dos Bôeres. Gandhi se ofereceu como voluntário para auxiliar as tropas britânicas, organizando um corpo de maqueiros indianos para transportar os soldados feridos. Ele acreditava que a cooperação voluntária no conflito convenceria o Império Britânico a conceder aos indianos o mesmo tratamento dispensado aos colonos brancos — o que se provou uma ilusão.
Em 1894, Gandhi fundou o Congresso Indiano de Natal — uma organização voltada a combater a discriminação e a lutar pelos direitos civis dos imigrantes indianos na África do Sul. O Congresso realizaria uma série de atos contra as políticas segregacionistas locais, incluindo uma campanha contra o projeto de lei que limitou o direito ao voto aos cidadãos brancos. A atuação política de Gandhi incomodou fortemente os colonos brancos — a ponto de o líder indiano quase ter sido linchado em 1897.
Foi na África do Sul que Gandhi desenvolveu e aplicou sua doutrina da resistência não violenta pela primeira vez. Em 1906, o governo do Transvaal aprovou uma lei discriminatória que forçava os imigrantes indianos a se registrarem e portarem documentos de identificação. Gandhi organizou uma campanha de desobediência civil em massa, exortando os indianos a se recusarem a cumprir a lei, mesmo sob a ameaça de prisão ou agressão.
Essa estratégia se tornaria a base da filosofia da “Satyagraha” (“força da verdade”, na língua hindi), que preconiza o uso da resistência pacífica, imbuída de altruísmo e do interesse genuíno pela busca da verdade e da justiça, como uma ferramenta de resolução de conflitos. A “Satyagraha” tem como princípio central a “Ahimsa”, — a “não-violência” — pois entende que o uso da força, mesmo em uma situação de injustiça, perpetua o ciclo de ódio e repressão.
A abdicação à violência, conforme a doutrina da “Satyagraha”, revestiria o oprimido de força moral, contribuindo para que o opressor consiga reconhecer a injustiça em si mesmo, o que, enfim, pavimentaria o caminho para a transformação. As ideias de Gandhi seriam politicamente contextualizadas no livro “A Autonomia da Índia”, publicado em 1909, onde o autor argumenta que a Índia “nunca será livre, a menos que rejeite a própria civilização ocidental”. A obra foi censurada pelo governo britânico.
A estratégia da desobediência civil contou com ampla adesão dos imigrantes indianos, convertendo-se em um movimento de massas. As autoridades sul-africanas reagiram intensificando a repressão, prendendo milhares de pessoas — incluindo o próprio Gandhi. A continuidade dos protestos, no entanto, levou o governo sul-africano a realizar algumas concessões, o que validou a impressão de Gandhi de que a “Satyagraha” poderia ser uma força capaz de “revolucionar ideais sociais e aniquilar o despotismo”.
Gandhi retornou à Índia em 1915, já na condição de líder político proeminente, ostentando o título honorífico de “Mahatma” (“Grande Alma”), concedido por seus compatriotas em reconhecimento ao seu papel central na luta dos imigrantes na África do Sul. Gandhi ingressou no Congresso Nacional Indiano, partido que congregava os principais movimentos independentistas do país, e aproximou-se de Gopal Krishna Gokhale, um nacionalista moderado, que defendia a adoção de reformas graduais dentro do sistema colonial.
A conscientização das massas foi o objetivo central das ações de Gandhi nos anos seguintes, com a realização de um périplo pela Índia, onde se privilegiou o contato com as classes populares. A defesa da emancipação, entretanto, não impediu que Gandhi colaborasse eventualmente com o governo britânico — em alguns casos, em flagrante contradição com seus princípios filosóficos, como quando organizou uma campanha de recrutamento de soldados para lutar ao lado dos ingleses na Primeira Guerra Mundial. Os britânicos haviam se comprometido ampliar a autonomia política da Índia em troca da cooperação na guerra, mas a promessa não foi cumprida.
A primeira grande campanha liderada por Gandhi na Índia ocorreu em 1917. Em Champaran, no estado de Biar, os agricultores eram forçados a cultivar o corante índigo em suas terras e a repassar a produção aos ingleses a preços fixos, o que causava enormes prejuízos. Gandhi e os agricultores organizaram então um movimento de desobediência civil que forçou o governo britânico a flexibilizar a medida.
No ano seguinte, Gandhi partiu em auxílio aos camponeses de Kheda, assolados por uma grave seca, que havia culminado em uma crise famélica. Indignados com o reajuste dos impostos determinado pelos britânicos, os camponeses organizaram um boicote contra o pagamento das taxas. As autoridades coloniais ordenaram o confisco das propriedades agrárias, mas os camponeses seguirem com o protesto. Transcorridos cinco meses da campanha, os britânicos recuaram e devolveram as terras confiscadas.

Mahatma Gandhi, retratado em 1931
Gandhi articulou a realização de uma série de greves e exortou os movimentos sociais e operários a tomarem parte das discussões sobre a autonomia política da Índia. Em 1919, buscando cooptar apoio das comunidades muçulmanas à luta pela independência, Gandhi apoiou o Movimento Khilafat — a campanha política lançada pelos indianos contra o desmembramento do Império Otomano ao fim da Primeira Guerra. Alarmados com a crescente capacidade de mobilização de Gandhi, os britânicos aprovaram a Lei Rowlatt, que dava às autoridades coloniais o direito de prender os indianos de forma preventiva, por prazos indefinidos, sem julgamento ou possibilidade de apelo judicial.
Os indianos organizaram uma série de protestos contra a aprovação da Lei Rowlatt — e foram violentamente reprimidos. Em 9 de abril de 1919, Gandhi foi preso após desobedecer a ordem de não comparecer a um ato em Deli. Quatro dias depois, as tropas britânicas abriram fogo contra uma multidão que realizava uma manifestação pacífica em favor da libertação dos presos políticos. O Massacre de Amritsar deixou um número estimado de até 1.500 mortos. A matança levou Gandhi a intensificar as ações em prol da independência da Índia.
Em 1920, Gandhi organizou o Movimento de Não-Cooperação, baseado na política do “Swadeshi” — o boicote a todos os produtos estrangeiros, sobretudo os britânicos. Gandhi exortou a população a não beber álcool e a substituir as roupas e tecidos importados da Inglaterra pelos khadi, os trajes tradicionais indianos. A campanha também incluía o boicote às instituições britânicas e aos cargos nas instituições coloniais.
O Movimento de Não-Cooperação contou com adesão massiva dos indianos, mobilizando todos os estratos sociais, dos camponeses e comerciantes aos intelectuais. Em março de 1922, Gandhi, já na condição de líder do Congresso Nacional Indiano, foi preso e condenado a uma sentença de seis anos. Ele permaneceria encarcerado até 1924, quando foi liberado por razões médicas.
Gandhi prosseguiu com a “Satyagraha” após sua libertação e auxiliou em diversos movimentos de trabalhadores — nomeadamente a campanha de Bardoli, contra o aumento da tributação dos agricultores. A campanha de maior impacto do movimento de desobediência civil, no entanto, ocorreria em 1930, quando Gandhi organizou a Marcha do Sal. O ato foi realizado em protesto ao monopólio britânico sobre a produção e o comércio do sal. Gandhi liderou a marcha que durou 24 dias, percorrendo os 388 quilômetros que separam Ahmedabad da cidade costeira de Dandi.
A marcha foi iniciada com 78 participantes, mas contou com a adesão de dezenas de milhares de pessoas ao longo do trajeto. Quando chegaram ao litoral, os manifestantes recolheram água do mar em panelas e as deixaram secar ao sol, para produzir o sal — um desafio simbólico à lei colonial.
A Marcha do Sal repercutiu mundialmente e inflamou a população indiana, estimulando protestos análogos em todo o país. Boicotes contra produtos britânicos, movimentos contra o pagamento de impostos e enormes protestos eclodiram nos grandes centros urbanos. A repressão britânica foi severa. Mais de 100 mil pessoas foram presas, incluindo Gandhi, e centenas foram mortas em chacinas.
Pressionado pela situação semi-insurrecional, o governo britânico convidou Gandhi a participar das Conferências da Mesa Redonda, convocadas para discutir as reformas políticas a serem adotadas na Índia. As conversas, entretanto, não contemplaram a autonomia política do país, frustrando os indianos.
De volta à Índia, Gandhi retomou os protestos contra o governo britânico — e foi novamente preso. Informado sobre o projeto de lei que visava atribuir menos direitos políticos às castas inferiores, Gandhi iniciou uma greve de fome, forçando as autoridades coloniais a recuarem da medida.
Após o início da Segunda Guerra Mundial, Gandhi e Jawaharlal Nehru, seu herdeiro político designado, lançaram o movimento “Quit India”, uma campanha exigindo a retirada imediata dos britânicos do país. O movimento recebeu amplo apoio da população, mas foi brutalmente debelado pelos britânicos. Gandhi e os outros líderes do Congresso Nacional Indiano foram novamente presos e mais de mil manifestantes foram assassinados.
A guerra enfraqueceu o Reino Unido, limitando sua capacidade de manter o controle sobre a Índia. Após o término do conflito, as pressões internas e externas se agravaram ainda mais, levando o governo britânico a concordar relutantemente com a descolonização da Índia.
A independência, entretanto, seria marcada pela partição do território indiano, em consequência das crescentes tensões entre hindus e muçulmanos. Em 15 de agosto de 1947, Índia e Paquistão se tornaram independentes. Gandhi, que defendia uma Índia unida sob um governo secular, ficou frustrado com o desfecho do processo independentista, mas se esforçou para tentar interromper os conflitos que eclodiram durante a partição.
Gandhi faleceu poucos meses após a independência da Índia, em 30 de janeiro de 1948. Ele foi assassinado a tiros por Nathuram Godse, um extremista hindu que o acusava de ser muito leniente com os muçulmanos. A morte de Gandhi comoveu profundamente a nação indiana e mais de um milhão de pessoas acompanharam seu cortejo fúnebre. Sua data de nascimento é celebrada na Índia como o feriado nacional de Gandhi Jayanti e comemorada pela ONU como o Dia Internacional da Não-Violência.
