Quinta-feira, 10 de julho de 2025
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Há 202 anos, em 2 de julho de 1823, as forças brasileiras derrotavam e expulsavam as tropas portuguesas estacionadas em Salvador. Declarava-se assim a Independência da Bahia, um dos derradeiros episódios do movimento emancipacionista brasileiro.

Embora a independência do Brasil tenha sido proclamada em 7 de setembro de 1822, o processo de emancipação na Bahia ocorreu de forma bem mais turbulenta. A forte presença de portugueses no território baiano representava um obstáculo para a conquista da autonomia nacional.

Os baianos se insurgiram contra o domínio português ainda em fevereiro de 1822. A luta pela independência na província foi marcada por batalhas sangrentas e combates intensos, com a participação ativa das classes populares.

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A vitória em Dois de Julho debelou o último grande reduto do domínio português no Brasil, consolidando a Independência do país. A data se converteria em símbolo de resistência e orgulho cívico para os baianos — e é considerada por muitos como o “verdadeiro dia da independência”.

O movimento independentista

A independência brasileira foi o capítulo final do processo de emancipação iniciado após a transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro. A invasão de Portugal pelas tropas de Napoleão Bonaparte forçou D. João VI a transferir a administração do império colonial português para o Brasil.

Esse processo culminou com a elevação do Brasil ao status de Reino Unido a Portugal. Com a eclosão da Revolução Liberal do Porto e o retorno de João VI a Lisboa, o Brasil vislumbrou o risco de perder sua relativa autonomia.

As Cortes Portuguesas exigiam que o Brasil retornasse ao status de colônia, provocando a forte resistência de comerciantes e representantes da elite brasileira.

Ao perceber que as pressões pela emancipação seriam incontornáveis, o príncipe-regente Pedro de Alcântara resolveu se antecipar ao movimento, encampando a luta pela independência como forma de manter o trono. Assim, em 7 de setembro de 1822, D. Pedro I proclamou a independência do Brasil.

A proclamação, entretanto, não garantiu a adesão imediata de todas as províncias brasileiras ao novo regime. Em muitos locais, as forças portuguesas resistiram fortemente e tentaram garantir a permanência dos vínculos com a antiga metrópole, dando início à Guerra da Independência.

O movimento emancipacionista na Bahia

Na Bahia, onde a presença portuguesa era muito forte, o processo de independência ocorreu de forma paralela e bem mais turbulenta, iniciando-se vários meses antes (19 de fevereiro de 1822) e terminando quase um ano depois (2 de julho de 1823).

Desde a eclosão da Conjuração Baiana em 1798, a Bahia se tornara um dos mais importantes epicentros do movimento pela independência. Representantes da Bahia participaram da Revolução Liberal do Porto e defenderam a limitação do poder dos monarcas portugueses, incitando desde cedo a mobilização em prol da autonomia.

Em fevereiro de 1821, Salvador foi palco da Revolução Liberal da Bahia, um levante constitucionalista que reivindicava a limitação do poder monárquico.

Os rebeldes ocuparam a Câmara Municipal, derrotaram as tropas legalistas e lograram a instituição de uma Junta Governativa, após a renúncia do governador Francisco de Assis Mascarenhas, o Conde de Palma.

Com o retorno de João VI a Lisboa e a confirmação de que as Cortes Portuguesas não pretendiam aceitar o status do Brasil como reino, ampliou-se o clima de cisão entre portugueses e brasileiros, levando a uma forte agitação política na capital baiana.

Em 12 de novembro de 1821, militares portugueses atacaram soldados brasileiros, iniciando uma sangrenta batalha campal na Praça da Piedade. Após a eleição de uma nova Junta Governativa em janeiro de 1822, o brigadeiro Inácio Luís Madeira de Melo foi imposto pela Coroa Portuguesa como Comandante de Armas da Bahia, substituindo o brasileiro Manuel Pedro, simpatizante da causa autonomista.

‘O Primeiro Passo para a Independência da Bahia’, pintura de Antônio Parreiras, representa sublevação contra o domínio português
Acervo do Palácio Rio Branco

A insurreição

Em 19 de fevereiro de 1822, logo após a confirmação da nomeação de Madeira de Melo, militares brasileiros iniciaram uma sublevação no Forte São Pedro e nos quartéis da Palma e da Mouraria, contando com significativo apoio da população.

Madeira de Melo reagiu ordenando o bombardeio das instalações militares e reprimindo a população baiana. Um grupo de militares rebelados buscou refúgio no Convento da Lapa, mas foi perseguido por soldados legalistas.

Ao tentar impedir que os portugueses invadissem o convento, a sóror Joana Angélica foi assassinada a golpes de baioneta. O martírio da freira, muito conhecida e bem quista na cidade, comoveu a população, insuflando ainda mais a adesão popular à rebelião.

Militares, comerciantes, fazendeiros e populares passaram a organizar a resistência ao domínio português. Acossados pelas tropas de Madeira de Melo, os moradores de Salvador iniciaram um êxodo gradual rumo às fazendas do Recôncavo Baiano.

Entre maio e junho de 1822, as câmaras municipais das vilas do Recôncavo — Cachoeira, Santo Amaro e São Francisco do Conde — apresentaram conclamações reconhecendo D. Pedro como legítimo regente da província da Bahia, renegando a autoridade das Cortes Portuguesas.

Em 25 de junho, a Câmara Municipal de Cachoeira organizou uma consulta popular, referendando o título de D. Pedro como “Regente Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil”. As tropas de Madeira de Melo retaliaram a ação, bombardeando a vila com uma canhoneira ancorada no Rio Paraguaçu.

As batalhas pela independência

Os brasileiros reagiram formando as Juntas de Defesa para combater as tropas portuguesas. Uniram-se ao exército rebelde nomes como os irmãos Antônio Pereira e Manuel Maurício Rebouças e Rodrigo Antônio Falcão Brandão, futuro Barão de Belém.

Destacou-se igualmente a combatente Maria Quitéria. Primeira mulher a atuar no exército brasileiro, Maria Quitéria se disfarçou de homem para atuar nos combates contra os portugueses, sendo elogiada por sua destreza, coragem e pontaria. Ela também se tornaria uma heroína de guerra ao impedir o desembarque das tropas portuguesas na Barra do Paraguaçu.

Ao contrário do que ocorreu em outras províncias, onde o processo emancipacionista foi conduzido estritamente pelas elites, a luta pela independência na Bahia foi marcada pela ampla participação popular. Negros livres e escravizados, indígenas, mulheres, trabalhadores rurais, comerciantes e os setores médios se engajaram nas batalhas, enxergando no movimento autonomista a possibilidade de construir um país mais justo.

Entre os eventos que evocam a participação popular durante a Guerra de Independência está a história de Maria Felipa, uma marisqueira negra que vivia na Ilha de Itaparica. Conforme a tradição popular, ela teria liderado um grupo de 200 mulheres negras, indígenas tupinambás e tapuias em um ataque contra soldados portugueses durante a Batalha de Itaparica.

A região do Recôncavo se tornou o epicentro da resistência baiana, sediando o exército rebelde e as milícias populares. Em Cachoeira, os sublevados organizaram um governo provisório, presidido por Miguel Calmon do Pin e Almeida, futuro Marquês de Abrantes.

Após a proclamação da independência brasileira em 7 de setembro, D. Pedro I despachou para a Bahia uma tropa de 300 combatentes comandados pelo mercenário francês Pedro Labatut, contratado para auxiliar as Juntas de Defesa na luta contra a Coroa Portuguesa.

A esquadra de Labatut, entretanto, foi impedida de aportar em Salvador pelos navios de guerra lusitanos, sendo forçada a desembarcar em Maceió, de onde os combatentes avançaram por terra.

A vitória baiana

A estratégia portuguesa consistia em usar Salvador como uma base para reconquistar as outras províncias e, eventualmente, reintegrar uma parte do Brasil à Coroa lusitana.

As tropas de Madeiro de Melo receberam um importante reforço de dez navios de guerra enviados por Lisboa, mas a adesão esmagadora das Câmaras Municipais, comerciantes, fazendeiros e populares ao movimento independentista ampliou o isolamento dos portugueses, mantendo-os limitados a Salvador.

Os portugueses tentaram romper o isolamento e avançar para o norte da Bahia, mas foram contidos pelos brasileiros na Batalha de Cabrito e forçados a recuar. Madeira de Melo reorganizou suas tropas e lançou um potente ataque aos brasileiros na Batalha de Pirajá.

Auxiliados pelas tropas mercenárias de Labatut, os brasileiros resistiram ao ataque e, mesmo estando em desvantagem numérica, conseguiram forçar os portugueses a efetuar mais um recuo.

Em maio de 1823, uma grande esquadra comandada pelo almirante inglês Thomas Cochrane, a serviço de Pedro I, chegou ao litoral baiano. Cochrane organizou um eficiente bloqueio marítimo a Salvador, cortando o abastecimento e a chegada de reforços dos portugueses.

Sem meios materiais de seguir com a guerra, Madeira de Melo abandonou a campanha e embarcou rumo a Portugal com as tropas que lhe restavam. Finalmente, em 2 de julho de 1823, as tropas libertadoras adentraram em Salvador oficializando a independência da Bahia, outrora o principal reduto do domínio português no Brasil.

A vitória na Bahia consolidou o projeto de D. Pedro I de manter o Brasil unificado sob um governo centralizado. A resistência portuguesa em outras províncias, como Maranhão e Pará, foi enfraquecida após a derrota em Salvador, facilitando a adesão dessas regiões ao Império.

A Bahia, ao se converter no epicentro do movimento autonomista, também reforçou sua importância como centro cultural e político do Brasil. O Dois de Julho se tornaria um símbolo de grande relevância para a identidade cultural do estado, reforçando o orgulho baiano por sua história de resistência.

A data se tornou um tema frequentemente evocado nas manifestações culturais do estado, muito presente nas citações de autores como Jorge Amado e João Ubaldo Ribeiro, retratada nas representações do teatro popular e da literatura regional e celebrada nos festejos populares e desfiles cívicos.