Há 200 anos, em 2 de julho de 1824, o governo revolucionário de Pernambuco proclamava sua independência e fundava a Confederação do Equador — movimento revolucionário que visava instalar uma república federativa no Nordeste do Brasil.
A Confederação do Equador surgiu como uma reação às tendências absolutistas de D. Pedro I, convertendo-se no maior conflito interno do Primeiro Reinado. A nova nação seria fundada sob princípios políticos avançados, defendendo eleições livres, separação dos poderes e o fim da escravidão. Sua existência, no entanto, foi breve: o movimento foi brutalmente esmagado pelas tropas imperiais e seus principais líderes foram condenados à morte.
Nenhuma província do Império do Brasil foi tão influenciada pelo pensamento iluminista e pelas ideias liberais quanto Pernambuco. Cenário de uma série de movimentos insurrecionais registrados desde a era colonial, Pernambuco também se destacaria como um epicentro dos anseios independentistas e republicanos na primeira metade do século 19. A província abrigava várias organizações difusoras do pensamento liberal, incluindo o clero católico iluminista do Seminário de Olinda, o Areópago de Itambé e a Sociedade Patriótica Pernambucana.
Em 1817, eclodiu em Recife a Revolução Pernambucana — movimento republicano que visava superar o domínio colonial português. Em 1821, a província abrigou a Convenção de Beberibe, um dos marcos iniciais do processo de emancipação do Brasil, em que Pernambuco declarou sua independência do Reino de Portugal.
Os liberais pernambucanos apoiaram o projeto independentista encabeçado por Dom Pedro I, que resultou na proclamação da Independência do Brasil em 7 de setembro de 1822. Não obstante, as expectativas de que o Império fosse regido por uma Constituição moderna, de cariz liberal, e de que as províncias teriam maior autonomia logo foram frustradas.
Em outubro de 1823, em um esforço de centralização do poder político, Pedro I modificou o processo de escolha dos governos locais, abolindo o sistema de juntas e passando a indicar diretamente os presidentes das províncias. No mês seguinte, em 13 de novembro, o imperador ordenou ao Exército que invadisse o plenário da Assembleia Constituinte e prendesse os deputados, no episódio intitulado “Noite da Agonia”.
Pedro I estava incomodado com as propostas de limitação ao seu poder que haviam sido apresentadas pelos parlamentares. Ordenou então a dissolução da Assembleia e nomeou representantes de sua confiança para redigir a primeira Constituição do Brasil. Outorgada em março de 1824, a Constituição ampliava os poderes do imperador, a quem atribuía não apenas a chefia do Executivo, mas também o comando do Poder Moderador — que se sobrepunha a todos os outros.
As decisões de Pedro I causaram enorme descontentamento. Por intermédio do jornal Sentinela da Liberdade, o ex-deputado Cipriano Barata contestou duramente o despotismo do monarca após o fechamento da Assembleia Constituinte. As críticas ácidas resultaram na prisão da Barata, mas a defesa dos princípios liberais e do ideário republicano teriam continuidade no trabalho de Frei Caneca, um dos principais líderes da Confederação do Equador. Influenciado por Barata, Frei Caneca fundou o indômito jornal Typhis Pernambucano, que se destacaria pela oposição inflamada ao governo imperial.
Incomodados com as inclinações absolutistas de Pedro I, os líderes políticos pernambucanos começaram a se rebelar. Em dezembro de 1823, sob forte pressão dos liberais, Francisco Pais Barreto renunciou à Presidência da junta de governo. Ele foi substituído provisoriamente no cargo por Manoel de Carvalho, combatente da Revolução Pernambucana que havia se exilado nos Estados Unidos após o fim da insurreição, tornando-se um defensor do federalismo.
A troca espelhava o embate das facções políticas predominantes em Pernambuco. Pais Barreto era um dos mais destacados líderes monarquistas e tinha ligações com os proprietários de engenhos de cana-de-açúcar, que possuíam tendências fortemente conservadoras e advogavam pela continuidade das relações com Portugal. Já Manoel de Carvalho era um representante dos liberais e republicanos, apoiados pelos produtores de algodão da província, simpáticos às ideias de modernização econômica e aos possíveis ganhos advindos com o fomento à indústria têxtil no contexto da Revolução Industrial.
Gostou do conteúdo? Acesse o link e leia mais da Pensar a História.
As tensões se acirram ainda mais em fevereiro de 1824, quando Pedro I não acatou a troca no governo pernambucano e ordenou que Pais Barreto fosse reconduzido ao comando da província. Os representantes liberais das Câmaras provinciais se recusaram a obedecer e informaram ao imperador que Manoel de Carvalho permaneceria no cargo. Apoiado por algumas unidades militares, Pais Barreto decretou a prisão de Manoel de Carvalho e tentou tomar o poder à força, mas foi impedido pela pronta reação do coronel José de Barros Falcão de Lacerda, célebre comandante das tropas brasileiras durante a Batalha de Pirajá. Diante da resistência dos pernambucanos, Pedro I ordenou o envio de uma flotilha de navios de guerra a Pernambuco, sob comando do mercenário inglês John Taylor, a fim de impor sua decisão.
Em março de 1824, a força naval comandada por Taylor bloqueou o porto de Recife e exigiu que o governo fosse entregue a Pais Barreto. Irredutíveis, os pernambucanos se negaram a obedecer a ordem e enviaram uma delegação para tratar do assunto com o imperador no Rio de Janeiro. Tentando evitar o acirramento do conflito, Pedro I recuou da tentativa de impor Pais Barreto. O monarca apontou José Carlos Mayrink da Silva Ferrão como presidente de Pernambuco — um nome neutro, que poderia buscar a conciliação entre as facções em disputa. Mais uma vez, os pernambucanos recusaram a indicação, reafirmando a decisão de manter Manoel de Carvalho em seu cargo.
O impasse levou ao acirramento dos ânimos, com as forças em disputa iniciando preparativos para o conflito, que parecia iminente e inevitável. No dia 1º de julho, o capitão John Taylor partiu para o Rio de Janeiro com seus navios de guerra, antevendo a possibilidade de um ataque naval português à capital do Império. No dia seguinte, aproveitando-se da partida da flotilha, Manoel de Carvalho proclamou a independência de Pernambuco e conclamou as demais províncias do Norte e do Nordeste a se unirem aos pernambucanos para formar a Confederação do Equador — uma república federativa e constitucional, fundada sob os mais avançados princípios iluministas.
A Confederação do Equador se destacou por possuir um caráter mais democrático e popular do que as revoltas nativistas que a precederam. A insatisfação com o autoritarismo e a negligência do governo imperial, a crise econômica que afetava as províncias do Nordeste e exacerbava os problemas sociais da região e a crescente imposição de taxas e impostos para financiar gastos concentrados no Sudeste resultaram em amplo apoio popular à revolução, sobretudo nos centros urbanos. Conforme relatado pela viajante Maria Graham, o clima em Pernambuco, guardadas as devidas proporções, ecoava o ambiente insurrecional da Revolução Francesa.
A Confederação do Equador intencionava elaborar um projeto constitucional baseado na Carta Magna colombiana — então uma das avançadas do continente. A nova nação deveria ser governada por representantes escolhidos pelo povo, em eleições livres e periódicas. O sistema político seria baseado no federalismo norte-americano, concedendo ampla autonomia aos Estados-membros. A divisão dos poderes seguiria a teoria tripartite de Montesquieu (Executivo, Legislativo e Judiciário independentes e harmônicos) e a liberdade de expressão e de imprensa deveriam ser assegurados como princípios constitucionais.
Manoel de Carvalho assumiu a chefia do governo revolucionário e montou um secretariado composto pelos principais ideólogos do movimento republicano em Pernambuco, incluindo Frei Caneca e José da Natividade Saldanha. A suspensão do tráfico de escravizados foi uma das primeiras medidas tomadas pelo governo da Confederação do Equador, sob a justificativa de ser “um comércio que está em completa oposição com os princípios do Direito Natural e às luzes do presente século”.
Os principais líderes do governo revolucionário eram favoráveis à libertação dos escravizados, mas encontraram forte resistência dos donos de engenhos e das oligarquias rurais.
A Confederação do Equador obteve crescente apoio de líderes políticos de outras províncias do Nordeste, sobretudo da Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. A adesão ao movimento foi bastante pronunciada na Paraíba, onde os revolucionários foram comandados por Padre Mororó e pelo capitão-mor do Crato, José Pereira Filgueiras. Os rebeldes conseguiram derrubar o presidente da província, Pedro José da Costa Barros, e formar um governo provisório comandado por Tristão Gonçalves. Após a tomada de Fortaleza, as tropas confederadas seguiram para o interior, conquistando apoio popular em Icó, São Bernardo das Russas, Aracati e Crato.
A primeira reação contra a Confederação do Equador foi liderada por Pais Barreto. O presidente deposto armou tropas e comandou uma ofensiva na divisa de Alagoas, mas foi derrotado pelas tropas revolucionárias e forçado a se refugiar no interior da província. Em paralelo, o governo imperial preparava uma grande expedição militar para esmagar o movimento. A ofensiva naval foi comandada pelo almirante inglês Thomas Cochrane, que partiu rumo a Recife acompanhado de uma esquadra. Já a operação terrestre ficou a cargo do brigadeiro Francisco de Lima e Silva e mobilizou mais de 1.200 homens. O contingente foi ampliado pela adesão de milicianos e dos homens de Pais Barreto, totalizando 3.500 soldados.
A repressão imperial foi bastante violenta. Diante da recusa dos sublevados à rendição, o almirante Cochrane ordenou o bombardeio do porto do Recife. Em setembro de 1824, as tropas de Lima e Silva iniciaram o ataque terrestre à capital pernambucana. Além das ofensivas do Império, o governo da Confederação também enfrentava a fragmentação de sua base de apoio.
O fim do tráfico negreiro e a intenção declarada de abolir a escravidão resultaram no afastamento dos proprietários de terras e dos setores das elites agrárias que inicialmente apoiaram o movimento. Comerciantes, altos burocratas e setores da elite também rejeitaram as propostas de reformas políticas, julgando-as excessivamente radicais.
Subjugados pelas forças do Império, membros da cúpula do governo da Confederação — Manoel de Carvalho, Natividade Saldanha e Falcão de Lacerda — fugiram em embarcações estrangeiras e se exilaram na Europa e nos Estados Unidos. Frei Caneca partiu para o interior liderando um grupo de soldados confederados, esperando poder recompor as tropas com a adesão dos rebeldes da Paraíba e do Ceará, mas a resistência foi totalmente desarticulada em questão de semanas. Em 29 de novembro de 1824, sem condições de seguir resistindo, as tropas remanescentes se renderam ao Exército Imperial.
A punição aos confederados foi bastante severa. Centenas de pessoas foram presas e 31 rebeldes foram condenados à pena de morte. Pedro I recusou todos os apelos dos condenados por comutação das penas. Sentenciado à morte por enforcamento, Frei Caneca teve de ser fuzilado. Isso porque os três carrascos designados para a tarefa se recusaram a executá-lo — evidenciando o enorme prestígio popular de que o frade possuía em Pernambuco.
Em retaliação pela revolta, Pedro I reduziu em 65% o território de Pernambuco, desmembrando toda a comarca de São Francisco e anexando-a à Bahia.
Apesar de sua curta existência, a Confederação do Equador constitui um marco único na nossa história. O levante foi um dos poucos movimentos que ultrapassou a fase conspiratória e logrou a instituição de um governo revolucionário. Foi também o primeiro levante federalista e constitucionalista da história do Brasil.
Por muito tempo, a historiografia oficial buscou relativizar a importância da Confederação do Equador ou diminuí-la como um mero movimento de caráter separatista. Essa leitura ignora que os confederados buscavam apresentar um modelo de organização política pautado na incorporação de princípios democráticos bastante avançados — incluindo conquistas que o Brasil aguardaria várias décadas para vivenciar.