38 anos do assassinato de Paulo Fonteles, o deputado dos camponeses
Membro da Ação Popular e do PCdoB lutou contra ditadura militar e denunciou abusos de grileiros e latifundiários
Há 38 anos, em 11 de junho de 1987, o advogado, sindicalista e militante comunista Paulo Fonteles era assassinado por pistoleiros no Pará.
Membro da Ação Popular e do PCdoB, Paulo participou da luta contra a ditadura militar brasileira e foi submetido à prisão e à tortura nos porões do regime. Posteriormente, ele se tornou advogado da Comissão Pastoral da Terra, passando a atuar na defesa dos trabalhadores rurais e no movimento em prol da reforma agrária.
Foi eleito deputado estadual em 1982 e dedicou seu mandato à defesa dos camponeses e à denúncia contra os abusos dos grileiros e latifundiários, entrando em confronto com a poderosa UDR. Os responsáveis pelo seu assassinato jamais foram investigados ou punidos.
Os primeiros anos e o movimento estudantil
Paulo César Fonteles de Lima nasceu em Belém do Pará, em 11 de fevereiro de 1949. Era o oitavo filho da dona de casa Cordolina Fonteles e do oficial da marinha mercante Benedito Rodrigues de Lima. Os pais de Paulo eram militantes do Partido Comunista do Brasil (antigo PCB). Benedito chegou a ser preso durante o regime de Getúlio Vargas, após ser flagrado colando cartazes considerados “subversivos”.
A visão política dos pais exerceu grande influência sobre a formação de Paulo. Desde jovem, ele demonstrava interesse pelo debate político e pelas questões sociais. Era também um intelectual precoce. Aos 15 anos, já tinha lido a maior parte dos livros de Machado de Assis, Castro Alves e Manoel Bandeira, discutia sobre poesia e música clássica. Ainda adolescente, começou a se debruçar sobre as obras de Marx, Engels e Lenin.
Paulo ingressou no curso de direito da Universidade Federal do Pará (UFPA) em 1968. À época, as universidades estavam tomadas pelo clima de agitação política. Desde o golpe de 1964, os movimentos estudantis haviam se convertido em uma das principais frentes de oposição à ditadura. Os militares reagiram ordenando o fechamento da União Nacional dos Estudantes (UNE) e criminalizando as atividades políticas no meio estudantil.
A repressão se agravou após junho de 1968, quando os estudantes organizaram no Rio de Janeiro a Passeata dos 100 Mil, em desagravo ao assassinato do secundarista Edson Luís Lima Souto. Assustadas com a mobilização, as autoridades da caserna baixaram um decreto proibindo manifestações em todo o país. No ano seguinte, o regime promulgaria o AI-5, suspendendo as garantias constitucionais e institucionalizando o aparato repressivo.
Paulo era bastante ativo no movimento estudantil e logo se projetou como um dos principais líderes dos protestos. Ele seria eleito membro da direção da União Estadual dos Estudantes (UEE) e se dedicaria a reorganizar o movimento no Pará.
A atuação na AP e a prisão na ditadura
Em 1969, Paulo ingressou na Ação Popular (AP), uma organização da esquerda revolucionária que atuava na resistência à ditadura. Originária dos setores progressistas da Igreja Católica, a AP radicalizou sua linha política após o golpe de 1964, adotando uma estratégia de fomento à revolta das massas. Nesse mesmo ano, Paulo se casou com Hecilda Veiga, estudantes de ciências sociais da UFPA e militante da AP.
Em 1970, seguindo a orientação da AP, o casal se mudou para Brasília, a fim de coordenar as atividades políticas na capital e ajudar a rearticular a UNE. A ditadura, entretanto, havia intensificado o monitoramento sobre o movimento estudantil e lançado uma violenta campanha para esmagar a resistência ao regime. Em outubro de 1971, Paulo e Hecilda foram presos por agentes do DOI-CODI.
Os estudantes foram submetidos a um tratamento brutal. Mesmo estando grávida de cinco meses, Hecilda foi agredida com socos e pontapés, enquanto ouvia os agentes do regime dizendo que “filho dessa raça não merece nascer”. O bebê, batizado Paulo Fonteles Filho, nasceu na prisão. Hecilda pesava apenas 37 quilos quando deu à luz.
Paulo Fonteles foi submetido a espancamentos, choques elétricos e tortura no pau de arara por vários dias seguidos. Ele foi condenado a quase dois anos de prisão e proibido de retomar os estudos por três anos.

Centro de Documentação e Memória Fundação Maurício Grabois do PCdoB/Via Memorial da Democracia
PCdoB e Comissão Pastoral da Terra
Após sua libertação em junho de 1973, Paulo se tornou militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). A heroica Guerrilha do Araguaia, travada por militantes da organização no início dos anos 70, foi o que motivou sua filiação. Ele se engajaria nos movimentos em prol da anistia e da revogação das leis de exceção. Também concluiu a graduação em direito, engajando-se imediatamente na defesa dos presos políticos.
Em 1977, Paulo ajudou a fundar a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SPDDH), que se destacaria pela denúncia da violência policial e dos crimes da ditadura militar. Primeiro presidente da organização, ele também seria responsável por fundar o jornal “Resistência” — um dos periódicos mais aguerridos da oposição ao regime.
Dois anos depois, em 1979, Paulo aceitou o convite do bispo Estêvão Cardoso de Avelar para atuar como advogado da Comissão Pastoral de Terra (CPT). Criada em 1975 por iniciativa de Dom Pedro Casaldáliga, a CPT congregava membros da ala progressista da Igreja Católica que apoiavam a luta dos trabalhadores rurais e a mobilização pela reforma agrária.
A atuação do Paulo se concentraria em regiões de intensos conflitos agrários — sobretudo no sul do Pará, onde o avanço da fronteira agrícola, a concentração fundiária e a grilagem de terras fomentavam a escalada de violência contra os camponeses. Ele foi um dos primeiros advogados da região a representar os posseiros e trabalhadores rurais nas disputas contra os latifundiários.
Paulo também se tornou um aliado incansável dos sindicalistas que faziam oposição às direções pelegas ligadas ao regime militar. Em Conceição do Araguaia, ele ajudaria os camponeses na tentativa de retirar o Sindicato dos Trabalhadores Rurais das mãos de Bertoldo Siqueira, um aliado do Major Curió, comandante da repressão à Guerrilha do Araguaia.
“Advogado do mato”
Em paralelo à sua atuação jurídica, Paulo se destacaria como articulador político, promovendo a organização dos trabalhadores rurais em sindicatos e associações. Ele se tornaria uma das lideranças políticas mais expressivas do sul do Pará, o que levou à sua inclusão na direção regional do PCdoB.
A atuação na luta camponesa renderia ao advogado inimigos poderosos. Ele passou a ser ameaçado constantemente por jagunços e pistoleiros e foi preso em diversas ocasiões, acusado de “subversão”. Os fazendeiros o chamavam pejorativamente de “advogado do mato” — um epíteto que ele ressignificaria e acolheria com orgulho.
Entre o fim dos anos 70 e o início dos anos 80, a ditadura intensificou a repressão aos movimentos camponeses no sul do Pará. Soldados do exército e agentes das forças policiais aterrorizavam os lavradores e até líderes progressistas da Igreja Católica foram presos.
Em maio de 1980, Raimundo Ferreira Lima, o Gringo, uma das mais importantes lideranças da CPT, foi assassinado. Ele seria o primeiro de uma série de mártires da luta camponesa que tombariam na região, ao lado de nomes como João Canuto e Expedito Ribeiro de Souza.
Paulo atuaria como advogado de familiares de diversas vítimas do regime. Em 1980, ele ajudou a organizar uma histórica caravana integrada por familiares de mortos e desaparecidos, que percorreu vários focos de conflito na Região Norte ao longo de dez dias.
Deputado dos posseiros
Diante da escalada de violência, o advogado aceitou a sugestão dos camponeses de representá-los na luta institucional. Em 1982, ele lançou sua candidatura a deputado estadual. Concorreu pelo PMDB, uma vez que o PCdoB ainda operava na clandestinidade. Paulo recebeu apoio expressivo dos setores populares, sendo eleito com mais de 13 mil votos.
Seu mandato tinha como lema “Terra, Trabalho e Independência Nacional”. Em sua atuação parlamentar, Paulo trouxe visibilidade para os conflitos agrários na Pará, utilizando a tribuna da Assembleia Legislativa para denunciar a violência contra os camponeses e os crimes dos latifundiários.
O parlamentar também combateu a grilagem e apresentou projetos em favor da reforma agrária e da ampliação dos direitos dos trabalhadores rurais, o que lhe valeu a alcunha de “deputado dos posseiros”. Fundou ainda o Centro de Estudos e Apoio ao Trabalhador Rural (CEATRU), uma organização voltada à defesa dos direitos sociais e à prestação de serviços e cursos para os camponeses do Pará.
O mandato de Paulo o colocou em confronto direto com a União Democrática Ruralista (UDR) — uma das mais reacionárias organizações patronais do agronegócio. Criada por latifundiários incomodados com o avanço da luta pela reforma agrária, a UDR seria marcada pela postura beligerante, que levaria ao aumento da violência no campo.
O nome de Paulo começou a circular em listas de pessoas marcadas para morrer. E em 1985, ele receberia uma ameaça de morte explícita feita pelo coronel do exército Eddie Castor da Nóbrega. Sobre o episódio, Paulo comentou: “se um coronel tem a ousadia de ameaçar de morte um deputado abertamente, imaginem o que este senhor não faz com os trabalhadores rurais de sua fazenda”.
Em 1986, em meio ao processo de redemocratização, Paulo se lançou como candidato a deputado federal constituinte, mas não conseguiu se eleger. Ele seguiu atuando na defesa dos trabalhadores do campo e prestando assessoria às organizações sindicais — logrando uma importante vitória que afastaria a direção pelega que comandava o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Belém.
O assassinato
As ameaças contra a vida de Paulo Fonteles se concretizaram em 11 de junho de 1987. O advogado estava a caminho de uma reunião com trabalhadores rurais de Ananindeua quando sofreu uma emboscada de pistoleiros. Paulo foi assassinado com três tiros na cabeça, em frente a um posto de combustíveis da BR-316. Ele tinha 38 anos e deixou cinco filhos.
O assassinato de Paulo causou revolta e comoção. Seu corpo foi velado na Assembleia Legislativa do Estado do Pará. Convertido em um ato de protesto, o cortejo fúnebre reuniu mais de 7 mil pessoas, que atravessaram as ruas de Belém entoando a canção “Funeral do Lavrador”, de Chico Buarque. Uma série de protestos foram organizados pelos camponeses, exigindo a responsabilização dos assassinos.
Os assassinos de Paulo nunca foram punidos. A suspeita generalizada era a de que a UDR teria encomendado sua morte. A cobertura do assassinato na imprensa paraense foi extremamente limitada, refletindo a pressão das elites locais. Os principais jornais do estado se recusaram a publicar matérias sobre o caso, temendo represálias de anunciantes ligados aos latifundiários.
Paulo Fonteles foi postumamente homenageado emprestando seu nome a escolas e instituições públicas no estado do Pará e à rodovia PA-150. Em 2009, foi criado o Instituto Paulo Fonteles de Direitos Humanos, dedicado à promoção da justiça social e à preservação da memória de seu patrono.
Seu primogênito, Paulo Fonteles Filho, tornou-se vereador pelo PCdoB e integrou a Comissão da Verdade do Pará, auxiliando na apuração dos crimes da ditadura.
