Há 45 anos, em 30 de julho de 1979, eclodia em Belo Horizonte a Revolta dos Pedreiros, marco histórico do movimento operário brasileiro. O movimento surgiu como uma reação à política de arrocho salarial e precarização do trabalho da ditadura militar. A manifestação ocorreu de forma espontânea, sem apoio do sindicato da categoria, e evoluiu para uma tumultuada greve que paralisou a capital mineira por quatro dias.
Desarticulado pela ditadura militar após o golpe de 1964, o movimento operário começou a se reestruturar em meados da década de 70, em paralelo com o processo de distensão iniciado no governo de Ernesto Geisel. Reagindo à política de arrocho salarial e de ataque aos direitos trabalhistas promovida pelo regime militar — e exigindo medidas para combater o aumento da pobreza e do desemprego após o fim do “milagre econômico” — os trabalhadores começaram a se organizar.
O movimento foi encabeçado pelos metalúrgicos do ABC Paulista. Sob a liderança de Lula, os metalúrgicos começaram a pressionar pela reposição salarial das perdas inflacionárias. Em 1978, uma greve de grandes proporções paralisou a produção de empresas como Mercedes-Benz, Chrysler, General Electric e Brastemp. A paralisação rendeu frutos, forçando o patronato a conceder reajuste salarial a mais de 200 mil trabalhadores.
O resultado positivo da greve estimulou outras categorias a se engajarem na luta por direitos trabalhistas e salários mais dignos. Em 1979, foram deflagradas 246 greves em todo o Brasil, mobilizando mais de três milhões de trabalhadores. Várias categorias registraram forte adesão ao movimento grevista: bancários das capitais do Sul e do Sudeste, trabalhadores dos canaviais de Pernambuco, professores da rede pública do Rio de Janeiro, jornalistas de São Paulo, etc.
Em Minas Gerais, a adesão foi bastante expressiva: mais de 400 mil trabalhadores cruzaram os braços, incluindo fumageiros, motoristas e cobradores de ônibus, comerciários, funcionários de hospitais, bancários e professores, etc. A paralisação dos trabalhadores da companhia Mannesmann alarmou o governo do estado, presidido por Francelino Pereira, dirigente da ARENA nomeado por Geisel. Os metalúrgicos chegaram a tomar a fábrica e impuseram uma resistência vigorosa.
A greve dos operários da construção civil, entretanto, foi a que mais se destacou por sua combatividade, recebendo a alcunha de “Revolta dos Pedreiros”. O movimento surgiu de forma espontânea, à revelia do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil, apontado pelos grevistas como “pelego”.
Entre os dias 30 de julho e e 3 de agosto, os operários ocuparam as ruas do Centro de Belo Horizonte, exigindo reajuste salarial: 5 mil cruzeiros para os serventes, 12 mil cruzeiros para os encarregados e 20 mil cruzeiros para os mestres de obras. Também reivindicavam adoção do aviso prévio de 30 dias, irredutibilidade do salário e registro na carteira de trabalho. A participação da categoria foi massiva, levando à paralisação de quase todos os canteiros de obras da capital mineira.
Os grevistas montaram piquetes no entorno da Praça da Estação, onde se concentrou um grande número de trabalhadores. Preparando-se para reprimir a greve, a Polícia Militar iniciou um cerco à praça. Os grevistas, entretanto, enfrentaram os soldados, rompendo o cerco e saindo em passeata rumo ao antigo estádio do Atlético Mineiro.
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Durante o percurso, um taxista forçou a passagem no meio da multidão, atropelando um operário. Quando o motorista se recusou a prestar socorro, os grevistas reagiram incendiando o veículo. Diante de uma nova investida da polícia, os trabalhadores arrombaram os portões do estádio do Atlético e trataram de se armar com pedaços de paus e pedras. Durante o confronto com os policiais, o tratorista Orocílio Martins Gonçalves foi morto a tiros.
O assassinato de Orocílio provocou a ira dos operários, que retornaram ao centro de Belo Horizonte no dia seguinte. Entoando gritos de “basta de exploração” e “precisamos de comida”, os trabalhadores invadiram e saquearam lojas e bloquearam o trânsito, atacando os ônibus esvaziados pelos passageiros com pedradas e pauladas. Assustados, os comerciantes fecharam as lojas e a capital mineira seguiu paralisada.
As associações patronais, entretanto, não se sensibilizaram com o protesto e rejeitaram a proposta dos grevistas. As negociações no âmbito da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) também não avançaram, tampouco as tentativas de mediação conduzidas pelo Sindicato dos Bancários. Os operários seguiram realizando suas assembleias dentro do estádio do Atlético, onde chegaram a receber uma visita de Lula.
Os confrontos com a polícia prosseguiram ao longo da semana. No terceiro dia da greve, os trabalhadores foram surpreendidos pela decisão do Tribunal Regional do Trabalho, que julgou a paralisação como procedente e determinou a concessão do reajuste salarial. O movimento, entretanto, consistia em uma estratégia para dividir os grevistas: o sindicato patronal concordou com a concessão do reajuste para mestres de obras e encarregados, mas excluiu os serventes da proposta.
A estratégia deu certo. Na assembleia dos operários realizada no dia seguinte, a categoria se dividiu: os que foram contemplados com a promessa reajuste concordaram em encerrar a paralisação, ao passo que os serventes insistiam em sua prorrogação. Com os ânimos exaltados, os trabalhadores começaram a brigar entre si, transformando a assembleia no estádio do Atlético em uma verdadeira batalha campal.
Com a discórdia instalada entre os operários e o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil cooptado pelos interesses patronais, a greve chegou ao fim, sem ganhos efetivos para os trabalhadores. A promessa de reajuste feita aos encarregados e mestres de obras nunca saiu do papel: o acordo seria anulado no mês seguinte à paralisação, por decisão do Tribunal Superior do Trabalho, acionado pelas organizações patronais.
No restante do país, os movimentos grevistas foram severamente reprimidos. Em Belo Horizonte, o metalúrgico Guido Leão morreu atropelado por uma viatura da polícia e a greve das professoras primárias foi violentamente atacada pelo Corpo de Bombeiros. Em São Paulo, a polícia matou a tiros o líder sindical Santo Dias da Silva. Em Porto Alegre, Olívio Dutra, líder dos bancários, foi preso. Os sindicatos combativos sofreram intervenção federal e 27 dirigentes tiveram seus mandatos cassados.
Apesar da repressão, os trabalhadores seguiram mobilizados e novas greves de grande porte seriam registradas já no ano seguinte, novamente capitaneados por Lula e pelos metalúrgicos do ABC Paulista.