Há 51 anos, em 4 de fevereiro de 1974, Osvaldão, comandante da Guerrilha do Araguaia, era assassinado pelas forças da ditadura militar brasileira (1964-1985).
Militante do Partido Comunista do Brasil, ele foi o primeiro guerrilheiro a se estabelecer na região do Araguaia, onde conquistou a admiração dos camponeses e ribeirinhos.
Osvaldão liderou uma série de combates contra as tropas do regime — e chegou a ser mitificado pelos habitantes locais, que, impressionados por sua força, habilidade e coragem, o apelidaram de “o gigante invencível”.
A juventude de Osvaldão
Osvaldo Orlando da Costa nasceu em Passa Quatro, no sul de Minas Gerais, em 27 de abril de 1938. Era o caçula de 12 irmãos, filho de Rita dos Santos e José Orlando da Costa. José nascera de pais escravizados, mas cresceu liberto graças à Lei do Ventre Livre. Trabalhava como cozinheiro e era dono de uma padaria, com a qual sustentava a numerosa família.
Rita faleceu quando Osvaldão ainda era bem pequeno. Ele seria criado pelos irmãos — em especial a irmã mais velha, Irene, a quem costumava chamar de mãe. A visão política de Osvaldão foi bastante influenciada pelo seu pai, um simpatizante das ideias comunistas.
Ainda adolescente, Osvaldão partiu para São Paulo, a fim de dar continuidade aos estudos. Entre 1952 e 1954, ele frequentou o Curso Industrial Básico de Cerâmica. Em seguida, mudou-se para o Rio de Janeiro, matriculando-se na Escola Técnica Nacional. Nessa instituição, tornou-se amigo de Wladimir Pomar, membro do Partido Comunista, e iniciou sua militância no movimento estudantil, chegando a ser eleito como presidente da Associação dos Estudantes Técnico Industriais.
Osvaldão se formou como técnico em construção de máquinas e motores em 1958. Ele também cursou por um ano o Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR) — órgão de formação de quadros do Exército Brasileiro.
Osvaldão não seguiria carreira nas Forças Armadas, mas o treinamento militar seria de grande serventia no futuro.
Em paralelo aos estudos, Osvaldão se dedicou aos esportes. Seu apelido no aumentativo derivava do porte físico imponente. Ele tinha 1,98 metro de altura, pesava 100 quilos e tinha uma força descomunal.
Osvaldão se dedicou a várias modalidades — remo, basquete, lançamento de dardos, arremesso de peso, etc. Sua grande paixão, no entanto, era o boxe. O jovem chegou a ser campeão carioca de boxe, disputando o título pelo Vasco da Gama.
Dos estudos na Tchecoslováquia ao golpe de 1964
Em 1960, Osvaldão e outros alunos egressos da Escola Técnica Nacional foram agraciados com bolsas de estudo oferecidas pelo governo da Tchecoslováquia. A oferta era um gesto diplomático que visava estreitar os laços entre o governo tcheco e o Brasil — então governado por Juscelino Kubitschek, de ascendência tcheca.
Osvaldão partiu para a Tchecoslováquia em setembro do mesmo ano, ingressando no curso de Engenharia Mecânica da Universidade de Praga. Carismático, sorridente e muito comunicativo, ele causou ótima impressão entre seus colegas — a ponto de ter sido convidado a participar de um documentário sobre estudantes estrangeiros e homenageado pelo escritor tcheco Cyprian Ekwensi com a publicação do livro Lidé z města (O homem que parou a cidade).
Foi provavelmente nesse período que Osvaldão se filiou Partido Comunista do Brasil (PCdoB). A agremiação surgiu em fevereiro de 1962, como uma dissidência do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Seus fundadores — João Amazonas, Maurício Grabois e Pedro Pomar, entre outros — contestavam a nova orientação do PCB, que havia apoiado a “desestalinização” empreendida por Nikita Kruschev e instituído uma nova linha política, renunciando à defesa da revolução armada e comprometendo-se a respeitar as instituições da democracia burguesa.
Enquanto o PCB apostava no pacifismo, a direita brasileira fazia o caminho inverso. O governo de João Goulart se tornou alvo de uma ofensiva golpista, reunindo o alto comando das Forças Armadas, empresários, setores da igreja e o governo dos Estados Unidos.
A crise atingiu seu ápice em 1º de abril de 1964, quando Goulart foi deposto e os generais assumiram o poder, pavimentando o caminho para a instauração da ditadura militar.
Após o golpe de 1964, o PCdoB foi uma das primeiras organizações a conclamar a luta armada contra o regime. Inspirando-se nas experiências da Revolução Cubana e, sobretudo, da Revolução Chinesa, o partido defendia a necessidade de estabelecer uma guerrilha rural apta a fomentar uma grande revolução popular.
Treinamento na China e chegada ao Araguaia
Desde a ruptura sino-soviética, o PCdoB estava gradualmente se aproximando do pensamento maoísta e ampliando o intercâmbio com os comunistas chineses. Ainda em 1964, o partido iniciou o envio de militantes para a China.
Osvaldão integrou a primeira missão do PCdoB no país, junto a um grupo de 18 militantes. Ele passaria um longo período na China, realizando treinamentos militares e cursos de formação política.
Após retornar ao Brasil, Osvaldão foi incumbido pelo partido de procurar uma área que possibilitasse a instalação de um movimento de insurgência contra a ditadura militar. O local escolhido foi a região do Araguaia, próxima à divisa entre o Pará, Tocantins e Maranhão. Além de ser um local isolado e de difícil acesso, tratava-se de uma região de mata fechada, o que impediria as tropas do regime de usarem tanques e artilharia e dificultaria eventuais bombardeios aéreos.
Osvaldão foi o primeiro membro do PCdoB a se estabelecer no Araguaia. Ele chegou à região em 1966, instalando-se a princípio em Araguatins. Trabalhou como caçador e garimpeiro e se integrou rapidamente à vida local. Ele ajudava a mapear as áreas de cata e extraía pedras preciosas, que eram usadas para financiar a guerrilha e ajudar as famílias necessitadas da região.

Há 51 anos, Osvaldão, comandante da Guerrilha do Araguaia, era assassinado pelos militares
Não demorou para que Osvaldão ganhasse o respeito e admiração dos ribeirinhos do Araguaia. Solidário e prestativo, ele passou a ser visto como um protetor da comunidade. Em uma região abandonada pelo poder público, era ele que sempre estava disposto a ajudar na resolução dos problemas. Ensinava as crianças a ler e escrever, levava remédios para os enfermos e fornecia alimento para as famílias carentes.
Em 1969, Osvaldão se fixou em uma posse às margens do Rio Gameleira, próximo à Serra das Andorinhas. O local abrigaria boa parte dos militantes do PCdoB que começavam a chegar à região.
Ao todo, 69 pessoas se voluntariaram a lutar na Guerrilha do Araguaia. Eram estudantes, profissionais liberais e operários, vindos de todas as partes do Brasil.
A Guerrilha do Araguaia
Os guerrilheiros foram divididos em três destacamentos. Osvaldão assumiu o comando do Destacamento B, composto por 21 combatentes e sediado na Gameleira. O Destacamento A estava localizado na região entre São João do Araguaia e Apinajés e o Destacamento B se concentrava em Caiano. Havia ainda uma Comissão Militar e o Birô Político da Guerrilha, formado por Maurício Grabois, João Amazonas, Ângelo Arroyo e Elza Monnerat.
A área em que os guerrilheiros circulavam era de quase 7 mil quilômetros quadrados, entre os municípios de São Domingos e São Geraldo. Osvaldão foi responsável por treinar boa parte dos combatentes, ensinando-os a manejar armas, realizar emboscadas e a sobreviver na selva.
O comandante tratou de integrar ao grupo à população local, envolvendo-os na prestação de serviços, como pequenos atendimentos médicos e aulas de alfabetização. Osvaldão também foi responsável por redigir a “Carta aos Amigos”, em que explicava a razão pela qual o grupo lutava contra a ditadura e exortava a população local a aderir ao combate.
A guerrilha ainda estava em fase de treinamento e preparação quando foi descoberta pelo governo brasileiro. Após a prisão de Pedro Albuquerque e outros militantes que conheciam a área, os militares conseguiram obter a localização exata dos destacamentos.
Em abril de 1972, o Exército lançou a Operação Papagaio, visando aniquilar a guerrilha. O primeiro enfrentamento entre os grupos ocorreu em 5 de maio — e terminou com a vitória dos guerrilheiros.
Osvaldão liderou os combatentes e conseguiu emboscar a patrulha. Durante o combate, o cabo Odílio Cruz Rosa foi morto e dois oficiais ficaram feridos.
Uma segunda ofensiva do Exército foi lançada em outubro de 1972, contando com um efetivo de 5 mil soldados. A operação foi um fracasso. Os militares não conseguiram realizar nenhuma emboscada e ainda sofreram um ataque da guerrilha, que culminou com a morte de um sargento.
Osvaldão liderou uma série de escaramuças e embates contra as tropas do governo — sempre conseguindo evitar sua captura e manter a guerrilha viva. Habilidoso, inteligente e dono de uma mira precisa, ele era, de longe, o guerrilheiro mais temido pelo Exército. Esse fato fez com que ele fosse mitificado pelos ribeirinhos.
Surgiram diversas lendas sobre o comandante — chamado pelos locais de “o gigante invencível”. Diziam que Osvaldão conseguia ficar invisível ou se transmutar em tocos de árvore, pedras e animais. Outros afirmavam que ele tinha o corpo fechado ou mesmo que era imortal.
A ofensiva final
A terceira e última campanha do Exército foi lançada no segundo semestre de 1973. Dessa vez, os militares optaram por realizar uma operação de inteligência (Operação Sucuri), infiltrando agentes nas comunidades, levantando informações sobre os combatentes e mapeando os postos de operação da guerrilha.
Em outubro de 1973, teve início a ofensiva militar— a Operação Marajoara — mobilizando um amplo contingente de soldados bem armados. Os militares receberam ordem para não fazer prisioneiros. Todos os guerrilheiros deveriam ser eliminados.
O ataque se estendeu a toda a comunidade. As casas dos ribeirinhos foram incendiadas e os moradores foram presos, espancados e torturados. Geovani, um menino de quatro anos, filho de Osvaldão com a ribeirinha Maria Viana, foi sequestrado pelos militares e nunca mais reapareceu. A mãe faleceu uma semana após o sequestro, vitimada por um infarto.
Subjugada pela potência do ataque e pela disparidade de forças, a guerrilha logo se desestruturou, fragmentando-se em múltiplas colunas que foram sistematicamente caçadas e exterminadas.
Osvaldão foi morto em 4 de fevereiro de 1974. Ele teria sido traído pelo mateiro Arlindo Vieira, o “Piauí”, um conhecido seu que entregou sua localização para os militares.
Segundo relatos dos ribeirinhos, foi o próprio Arlindo quem desferiu o tiro de carabina que derrubou Osvaldão. Em seguida, o guerrilheiro foi fuzilado pelos soldados. A fim de desmentir as lendas sobre a imortalidade de Osvaldão, os militares penduraram o corpo do comandante em um helicóptero e sobrevoaram toda região.
Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, João Alves de Souza, tenente da Polícia Militar de Goiás, afirmou que a versão que responsabiliza Arlindo Vieira pela morte de Osvaldão é falsa e que o comandante teria sido morto por seu grupamento.
Os restos mortais de Osvaldão nunca foram recuperados, motivo pelo qual o guerrilheiro segue até hoje classificado como desaparecido político.