Há 61 anos, em 12 de junho de 1963, o militante afro-americano Medgar Evers, expoente do Movimento dos Direitos Civis, era assassinado por Byron De La Beckwith, um supremacista branco ligado à Ku Klux Klan. Medgar Evers foi um dos mais destacados dirigentes da NAACP no estado de Mississippi e se destacou por liderar diversas iniciativas contestando as leis segregacionistas dos Estados Unidos.
Medgar Evers nasceu em 2 de julho de 1925, em Decatur, no Mississippi, como um dos cinco filhos de Jesse e James Evers, um casal de agricultores. O jovem cresceu em um contexto de forte opressão. O estado do Mississippi era então conhecido pelas tensões raciais exacerbadas e pela violência direcionada contra população negra. A Ku Klux Klan e outras milícias supremacistas agiam livremente no estado, com anuência das autoridades policiais, e centenas de negros foram linchados só nas primeiras décadas do século XX.
A segregação racial no Mississippi estava plenamente institucionalizada. As Leis de Jim Crow proibiam os negros de frequentarem as escolas, restaurantes e quaisquer estabelecimentos públicos ou privados utilizados pelos brancos. O transporte e os demais serviços públicos também eram segregados. Evers sofreu com a discriminação e as privações desde muito cedo. Ainda criança, ele precisava caminhar quase 20 quilômetros todos os dias para frequentar a única escola que atendia aos estudantes negros na região. Na adolescência, Evers foi agredido, viu vários de seus colegas sendo espancados por gangues e testemunhou o assassinato de um amigo de seus pais, linchado até à morte.
Após concluir o concluir o ensino básico, Evers se alistou no exército. Em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial, o jovem foi enviado para a Europa, onde participou da luta contra os nazistas. Ele esteve entre os 73 mil soldados norte-americanos que desembarcaram na Normandia em junho de 1944, durante a famosa Operação Overlord. Evers serviu no exército até 1946, atingindo a patente de sargento.
Após ter baixa do serviço militar, Evers se matriculou no Alcorn College (atualmente Alcorn State University) — uma instituição de ensino tradicionalmente vinculada à comunidade negra do Mississippi. Ele obteve destaque por seu desempenho acadêmico, sendo eleito representante de classe e listado entre os homenageados do “Who is Who in American Colleges”. Especializou-se em administração de empresas e obteve seu diploma de “bacharel em artes” em 1952. Durante a graduação, conheceu Myrlie Williams, que viria a ser sua esposa. O casal teve três filhos: Darrell, Reena e James.
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Já graduado, Evers passou a trabalhar em uma companhia de seguros de Mound Bayou, uma pequena comunidade ao norte de Mississippi, fundada por ex-escravizados após a Guerra de Secessão. Foi nesse período que ele começou a militar ativamente nos movimentos negros. Ainda em 1952, Evers foi nomeado presidente do Conselho Regional de Liderança Negra (RCNL) e liderou uma campanha de boicote aos estabelecimentos comerciais que não permitiam que os negros utilizassem seus banheiros. Ele também se tornou membro da Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (NAACP no acrônimo em inglês) — uma das maiores e mais influentes organizações ativas na luta pelos direitos civis dos afro-americanos.
Em 1954, Evers foi nomeado primeiro secretário de campo da NAACP no Mississippi. Sua gestão foi marcada pelo dinamismo e combatividade, ajudando a projetá-lo como uma das mais destacadas lideranças do movimento dos direitos civis no Sudeste dos Estados Unidos. O ativista expandiu enormemente a NAACP no Mississippi, organizando ações para abertura de escritórios locais e campanhas de filiação, e conduziu inúmeros boicotes aos estabelecimentos que negavam atendimento aos afro-americanos. Evers coordenou os protestos em prol do fim da segregação racial nos parques públicos de Mississippi e nas linhas de ônibus de Jackson, capital do estado. Liderou as campanhas de recenseamento eleitoral, exortando os afro-americanos à participação política, e ajudou Gilbert Mason a organizar os protestos contra a privatização e segregação das praias da Costa do Golfo — os chamados “Passeios de Biloxi”.
Evers teve um papel fundamental na luta contra a segregação racial nas instituições de ensino do Mississippi. Em 1954, a Suprema Corte dos Estados Unidos havia determinado que a segregação racial no sistema educacional público era inconstitucional, mas as escolas e universidades do estado seguiam impedindo a matrícula de afro-americanos. Como parte de uma campanha para forçar o estado a cumprir a determinação legal, Evers foi um dos primeiros negros a solicitar admissão na Faculdade de Direito da Universidade do Mississippi. A instituição negou a matrícula e Evers recorreu à justiça. A luta pela dessegregação nas universidades do estado se tornou uma das principais bandeiras da NAACP e o foco de uma batalha legal que se estendeu por oito anos. Em 1962, como fruto desse processo, a Universidade do Mississippi foi forçada a admitir a matrícula de seu primeiro estudante negro — o jovem James Meredith, que se consagraria como um expoente do movimento dos direitos civis. Evers também organizou protestos e ações em prol do fim da segregação racial nas escolas de Condado de Leake e na cidade de Jackson, onde passou a residir.
As vitórias em favor da integração racial nas escolas e universidades do estado enfureceram os supremacistas. Um violento protesto contra a presença de negros na Universidade do Mississippi deixou dois mortos e dezenas de feridos. Líderes supremacistas também criaram os Conselhos de Cidadãos Brancos, com o objetivo de lutar contra a integração racial nas escolas. Identificado como um dos grandes responsáveis pela dessegregação, Evers se tornou um alvo dos grupos racistas ativos no Mississippi. Ele passou a sofrer hostilidades e recebeu inúmeras ameaças de morte. O assédio era tão frequente que Evers teve de solicitar escolta da polícia e do FBI.
Os ataques aumentaram ainda mais quando Evers passou a tratar publicamente sobre a morte de Emmett Till — um adolescente de 14 anos que fora sequestrado, torturado e brutalmente espancado até a morte por racistas do Mississippi, sob a acusação de ter assobiado para uma mulher branca. Os acusados de assassinarem o jovem foram todos absolvidos em um julgamento farsesco, que durou pouco mais de uma hora, causando indignação da comunidade negra. Evers anunciou que estava conduzindo uma investigação paralela, para descobrir o que de fato havia ocorrido. Pouco tempo depois, sua residência foi atacada com coquetéis Molotov. Evers também escapou de uma tentativa de atropelamento nesse mesmo período.
Em 12 de junho de 1963, enquanto retornava de uma reunião na sede da NAACP, Medgar Evers foi atingido pelas costas com um tiro de rifle. Sua esposa chegou a socorrê-lo e o levou ao hospital mais próximo — mas o ingresso de Evers foi barrado em função de sua cor. Somente após muita insistência, a instituição concordou em recebê-lo, mas já era tarde. Medgar Evers morreu alguns minutos após ser internado. Ele tinha 37 anos de idade. A morte de Evers comoveu e revoltou a comunidade afro-americana. Uma grande multidão compareceu ao seu funeral no Cemitério Nacional de Arlington e um protesto denunciando o assassinato de Evers reuniu milhares de pessoas, incluindo ícones do movimento dos direitos civis como Allen Johnson e Martin Luther King.
O motivo pelo qual Medgar Evers estava sem escolta do FBI e da polícia no dia em que foi assassinado nunca foi esclarecido. As investigações não tiveram problemas em identificar o autor: o comerciante Byron De La Beckwith, um supremacista branco filiado ao Conselho de Cidadãos Brancos e à Ku Klux Klan. As evidências eram inúmeras. Várias testemunhas viram De La Beckwith no local em que Evers foi baleado e o rifle usado no crime tinha suas impressões digitais.
De La Beckwith chegou a ser preso e foi levado a julgamento em fevereiro de 1964, mas foi libertado após o júri, inteiramente formado por brancos, não conseguir formar maioria para condená-lo. Um novo julgamento foi realizado dois meses depois, também com um júri inteiramente branco, e chegou ao mesmo resultado. Myrlie Evers, a viúva do ativista, solicitou outro julgamento após um novo juiz ser designado para o condado. Em 1994, mais de 30 anos após o assassinato de Medgar Evers, Byron De La Beckwith finalmente foi condenado e sentenciado à prisão perpétua. Ele morreu na cadeia em 2001, aos 80 anos de idade.
A comoção gerada pela morte de Medgar Evers reforçou a pressão sobre o governo dos Estados Unidos para implementar o Ato dos Direitos Civis de 1964. O ato proibia a segregação racial nas escolas e instituições públicas, dando base legal para a superação das Leis de Jim Crow. Myrlie Evers deu continuidade ao legado do marido como militante dos direitos civis e chegou à presidência da NAACP. Charles, o irmão mais velho de Evers, foi o primeiro afro-americano a ser eleito como prefeito no estado de Mississippi, governando a cidade de Fayette. Medgar Evers foi postumamente condecorado com a Medalha Presidencial da Liberdade e a casa onde residia foi declarada como Monumento Nacional. Também foi homenageado por Bob Dylan com a canção Only a Pawn in Their Game e por Nina Simone com Mississippi Goddan, além de ter tido sua vida retratada em uma série de filmes, documentários e livros.