Há 62 anos, em 25 de setembro de 1962, a independência da Argélia era formalizada. A emancipação do país encerrou mais de 130 anos de domínio colonial francês e coroou o triunfo da Revolução Argelina. Após a independência, a Argélia viu emergir um governo de inspiração socialista, responsável por conduzir uma série de reformas que a transformaram em um dos países mais prósperos do continente africano.
Habitada pelo povo berbere há milhares de anos, a Argélia passou parte substancial de sua história submetida ao domínio de impérios estrangeiros. Fenícios, romanos, bizantinos, árabes e otomanos se sucederam como ocupantes do território argelino. Foram os franceses, entretanto, que instauraram um dos projetos coloniais mais repressivos e predatórios da história do país.
A Argélia foi invadida pela França em 1830, por ordem do rei Carlos X, que enviou uma expedição liderada pelo Conde de Bourmont. Os invasores foram combatidos pela aguerrida resistência nativa, comandada por Abdalcáder. A gigantesca expedição de Thomas Robert Bugeaud, entretanto, logrou desarticular as forças argelinas, consolidando o domínio francês sobre o país. Com uma extensão territorial quatro vezes superior à França, riquezas minerais abundantes e terras férteis para o cultivo de produtos agrícolas ao longo da faixa litorânea, a Argélia logo se tornou uma das colônias mais centrais do projeto imperialista francês.
A partir de 1870, intensificou-se a ocupação da Argélia pelos colonizadores franceses (ditos “colons” ou “pied noirs”), que passaram a confiscar as terras dos nativos para cultivar vinhas e cereais, causando o empobrecimento acelerado dos camponeses argelinos. A administração colonial francesa estabeleceu um regime de indigenato baseado na segregação étnica entre colonos e autóctones. Os argelinos passaram a ser tratados como cidadãos de segunda classe, destituídos de seus direitos políticos e civis, coagidos a renunciar às suas tradições e práticas religiosas e preteridos aos cargos na administração pública e até mesmo na indústria.
A insatisfação dos argelinos em relação à repressão colonial francesa passou a alimentar o sentimento nacional, resultando no ressurgimento da resistência anticolonial e na criação de movimentos emancipacionistas — a princípio conduzidos pelas correntes liberais, mas progressivamente dominados pelas organizações de esquerda. Em 1937, foi fundado o Partido do Povo Argelino, agremiação emancipacionista sucessora da Estrela Norte Africana, vinculada ao Partido Comunista Francês.
Com o advento da Segunda Guerra Mundial, ocorreu a radicalização das aspirações nacionalistas. Em 1943, Ferhat Abbas publicou o Manifesto do Povo Argelino, exortando a população a apoiar a causa da emancipação política. Militares argelinos expostos ao ideário socialista soviético durante a Segunda Guerra e correntes reformistas islâmicas se engajaram no movimento. Em 1945, uma grande manifestação popular eclodiu na cidade de Sétif. No mesmo ano, a população de Constantina, um dos maiores centros urbanos do país, iniciou uma grande sublevação.
Alinhados ao regime colaboracionista de Vichy, os colonos franceses reagiram com brutalidade, massacrando manifestantes, bombardeando aldeias e organizando ataques contra as comunidades muçulmanas. A repressão francesa deixou mais de 30 mil mortos, enfurecendo os argelinos e insuflando novas rebeliões em todo o país.
Em 1947, visando arrefecer as sublevações, a França aprovou um novo estatuto administrativo que ampliava dos direitos políticos dos argelinos. O descontentamento dos nativos com a política colonial, a situação social e as dificuldades econômicas, entretanto, impeliram o avanço do movimento revolucionário.
Em abril de 1954, foi fundada a Frente de Libertação Nacional da Argélia (FLN), unindo várias organizações nacionalistas, incluindo desde marxistas até sociais-democratas e partidários do pan-arabismo. Em 1º de novembro do mesmo ano, a FLN liderou uma revolta armada, dando início à Guerra de Independência Argelina.
Os insurgentes da FLN formularam uma estratégia de inspiração leninista-maoísta, baseando-se em um cenário de guerrilha prolongada contra as tropas francesas. Ao mesmo tempo, lograram superar as divergências internas em favor de uma tática pragmática de agitação política e de cooptação do apoio do campesinato. Emulando o exemplo dos vietcongues, os argelinos conquistaram a aprovação dos camponeses com ações de conscientização política aliadas à instalação de escolas, centros de assistência médica e serviços públicos nas áreas sob seu controle.
A França reagiu aos insurgentes decretando estado de emergência, convocando reservistas e mobilizando 400 mil soldados. Visando amedrontar os insurgentes argelinos, os militares franceses lançaram uma estratégia militar hedionda, com uso abundante de tortura, assassinato de civis, estupros e atentados terroristas, além do estabelecimento de campos de concentração.
O avanço dos ideais anticoloniais no cenário internacional, entretanto, limitou o apoio público das potências ocidentais à França, ao passo que a FLN foi bem sucedida em sua estratégia diplomática — marcada pelo uso astuto das tensões entre os blocos capitalista e socialista durante a Guerra Fria e pela atuação enérgica de líderes carismáticos como Ahmed Ben Bella nas conferências internacionais.
Os revolucionários argelinos conquistaram apoio até mesmo de rivais históricos no mundo árabe. É o caso dos sauditas, que passaram a financiar a organização visando limitar a influência do mandatário egípcio Gamal Abdel Nasser, que se tornara um dos maiores apoiadores dos insurgentes. Marrocos e Tunísia também autorizaram que a FLN estabelecesse bases de operações em seu território. A organização argelina logo se converteu em uma referência global do movimento pan-africanista e anti-imperialista, agregando a colaboração de revolucionários de todo o mundo — de Frantz Fanon a Nelson Mandela.
Malgrado o substancial apoio internacional, as tropas francesas, mais volumosas e bem equipadas, seguiam limitando os avanços dos insurgentes — derrotados de forma taxativa na Batalha de Argel, onde lutaram sob o comando de Abane Ramdane. Os franceses também conseguiram limitar o recrutamento para a FLN por meio do aprisionamento da população rural em campos de concentração.
Assim, os revolucionários argelinos intensificaram a atuação diplomática, tentando alimentar a pressão externa sobre a França em favor de uma solução mediada. Contribuiu para a estratégia a crescente visão negativa sobre o conflito que havia se formado junto à opinião pública francesa, bem como os protestos da comunidade internacional pelo fim da guerra.
Diante da crescente pressão, o presidente francês Charles de Gaulle reconheceu o direito dos argelinos à autodeterminação. Em março de 1962, o governo da França e a FLN firmaram o Acordo de Évian, estabelecendo o cessar-fogo. Acordou-se a realização de dois plebiscitos: o primeiro questionando aos franceses se eram favoráveis à independência da Argélia e o segundo perguntando aos argelinos se eles queriam a independência da França. 75% dos franceses e 99,8% dos argelinos disseram-se favoráveis à independência da Argélia nas consultas. Em 5 de julho de 1962, logo após a realização do referendo, a Argélia proclamou sua independência.
Os “colons” reagiram com indignação ao plebiscito e à proclamação da independência, iniciando uma série de atentados contra as comunidades argelinas durante a “Semana das Barricadas”. Eles também criaram a Organização do Exército Secreto (OAS) — um grupo terrorista responsável por conduzir diversos ataques contra as comunidades árabes. Na França, os setores reacionários do exército reagiram ao avanço da agenda anticolonial, tentando articular um golpe para depor Charles de Gaulle — o chamado “Putsch dos Generais”.
Apesar da resistência dos grupos reacionários, o governo francês e a FLN seguiram com as negociações e instituíram o governo provisório argelino. Em 25 de setembro de 1962, a independência do país foi formalizada. Ferhat Abbas assumiu a chefia da Assembleia Constituinte e Ahmed Ben Bella foi eleito como primeiro presidente da República Argelina Democrática e Popular.
Ben Bella pôs em prática um programa socialista e iniciou uma série de reformas políticas e econômicas. O governo argelino universalizou os serviços públicos, instituiu a reforma agrária e implementou um programa de nacionalização e autogestão das grandes propriedades e empresas. As ações de Ben Bella em favor do controle popular da indústria tornaram seu governo uma referência mundial para os socialistas — e tornaram a Argélia um laboratório de experiências políticas avançadas, visando a constituição de um modelo socioeconômico alternativo. Não obstante, o líder argelino seria derrubado por um golpe de Estado já em junho de 1965, sendo sucedido por Houari Boumédiène.
A deposição de Ben Bella resultou da oposição da alta burocracia do FLN, favorável a um governo mais centralizado, por julgar que o sistema de autogestão operária não atendia às demandas pela implementação de uma política de expansão do parque industrial e rápida mecanização da produção. Apesar do temor em relação à possibilidade de um esforço contrarrevolucionário, o governo de Boumédiène prosseguiu com a socialização da economia, expandindo a nacionalização das empresas, instituindo uma política petrolífera e aprofundando a reforma agrária. Também manteve a orientação anti-imperialista da política externa e deu continuidade às campanhas de arabização e escolarização iniciadas por seu antecessor.
Não obstante, as reformas de inspiração socialista levadas a cabo desde a década de 1960 permitiram que a Argélia se transformasse em um dos países mais prósperos da África. A Argélia hoje detém o 5º melhor Índice de Desenvolvimento Humano do continente africano e possui indicadores sociais acima das médias regionais.
A crise do bloco socialista no fim da década de 1980, a dissolução da União Soviética, as sanções econômicas promovidas pelas potências ocidentais e a emergência da Guerra Civil da Argélia pressionaram o governo argelino a abandonar a plataforma socialista. A partir de 1992, o país tem instituído uma série de reformas liberalizantes, adotando uma agenda de privatizações, cortes de investimentos e limitação da rede de proteção social.