Há 64 anos, em 17 de janeiro de 1961, o líder político congolês Patrice Lumumba era assassinado em uma conspiração golpista apoiada pelos governos dos Estados Unidos, Reino Unido e Bélgica. Ele foi um dos maiores expoentes das lutas anticoloniais do século 20 e liderou o movimento pela independência da República Democrática do Congo, chegando a ocupar o cargo de primeiro-ministro de sua nação, mas sucumbiu diante da ofensiva dos adversários internos, subservientes à ingerência estrangeira.
Quem foi Patrice Lumumba
Patrice Lumumba nasceu em 2 de julho de 1925, na aldeia de Onalua, região de Sankuru, na colônia do Congo Belga. Oriundo de uma família de camponeses de etnia Tetela, Lumumba cursou as primeiras letras em uma escola de missionários católicos e concluiu o ensino básico em um colégio metodista.
Aos 18 anos, Lumumba se mudou para Kindu, onde trabalhou em uma empresa de mineração. Posteriormente, estabeleceu-se em Stanleyville, obtendo emprego nos correios.
Em paralelo ao trabalho, Lumumba dedicou-se ao estudo das ciências humanas e sociais, tornando-se um intelectual autodidata e desenvolvendo uma visão crítica sobre as práticas exploratórias e a opressão a que seu país estava submetido pelo jugo colonial da Bélgica. Ele publicou diversos ensaios e poemas nos jornais locais, muitos dos quais de temática anti-imperialista.
Lumumba iniciou sua atividade política em meados dos anos 50, em meio ao contexto de difusão do pensamento anticolonial no continente africano. Vinculou-se às organizações operárias locais, obtendo grande destaque por seu preparo intelectual. Foi então eleito presidente do Sindicato Independente dos Trabalhadores Congoleses e filiou-se posteriormente ao Partido Liberal.
Após retornar de uma viagem de estudos à Bélgica, Lumumba foi preso, acusado de fraudar o sistema postal. Depois de deixar a prisão, mudou-se para Léopoldville, capital do Congo Belga, onde intensificou sua atuação política.
Em 1958, Lumumba reuniu um grupo de intelectuais e dirigentes locais e fundou o Movimento Nacional Congolês (MNC), o primeiro partido político nativo do Congo. A organização era pautada pelo pensamento nacionalista e anticolonial, pelo princípio do “neutralismo positivo” e pelo ideário pan-africanista.
No mesmo ano, Lumumba participou da primeira Conferência Pan-Africana do Povo, sediada na cidade de Acra, em Gana, onde defendeu a união dos povos africanos contra o colonialismo e travou contato com líderes nacionalistas de todo o continente, tais como Kwame Nkrumah, Sékou Touré, Julius Nyerere e Tom Mboya.
O dirigente congolês se destacaria nos anos seguintes por sua defesa dos ideais pan-africanos e de iniciativas encorajando a solidariedade e o diálogo entre os países do continente.
Não obstante, Lumumba também se tornou alvo da hostilidade dos colonialistas, que passaram a persegui-lo e a fomentar a rivalidade étnica junto aos chefes locais, visando neutralizar sua atuação. Malgrado as tentativas de sabotagem, o Movimento Nacional Congolês conseguiu unir a maior parte dos grupos étnicos nacionais em prol da reivindicação da independência do Congo.
Sob a liderança de Lumumba, o MNC conduziu uma série de ações, insuflando uma grande onda de protestos pró-autonomia na colônia.
Manifestações contra o colonialismo
Reagindo à pressão popular, as autoridades belgas anunciaram um plano de eleições locais e um projeto de transição gradual para a independência, a ser cumprido em um prazo de cinco anos. Ciente de que o governo belga pretendia ganhar tempo para instalar lideranças fantoches na administração local, Lumumba convocou novas manifestações e iniciou uma campanha de desobediência civil.
Em Stanleyville, o protesto foi violentamente reprimido pelas autoridades belgas, resultando na morte de 30 pessoas. Acusado de incitar o motim, Lumumba foi preso.
A comoção gerada pela prisão do líder do MNC teve um efeito contrário para os interesses belgas nas eleições locais, com a legenda nativa conquistando mais de 90% dos votos — fortalecendo a causa autonomista e obrigando a Bélgica a iniciar as negociações pró-autonomia. A delegação congolesa exigiu a soltura de Lumumba, libertado a tempo de participar das reuniões em Bruxelas.
Durante as negociações, acordou-se a realização de uma nova eleição nacional em maio de 1960. O pleito ocorreria em meio a um processo de cisão no MNC, dividido entre a ala nacionalista (MNC-L, liderada por Lumumba) e a ala federalista (MNC-K, chefiada por Albert Kalonji).
A facção liderada por Lumumba obteve a maioria dos votos na eleição de 1960, mas a cisão do MNC obrigou-o a buscar uma coalizão com partidos conservadores — nomeadamente a Associação dos Bacongos para a Unificação, a Conservação e o Desenvolvimento da Língua Congo (Abako).

Wikimedia Commos
Patrice Lumumba em 1960; fotografia de Harry Pot
Após a eleição, Lumumba foi nomeado como primeiro-ministro. O Congresso congolês, por sua vez, escolheu o conservador Joseph Kasa-Vubu, filiado ao Abako, para a Presidência. A formação do gabinete foi extremamente conturbada e marcada por disputas pelo comando de áreas estratégicas.
Independência do Congo
A independência do Congo foi oficializada em 30 de junho de 1960, ocasião em que Lumumba proferiu um histórico discurso, denunciando os crimes da colonização diante do rei Balduíno I da Bélgica e dos dignitários estrangeiros e definindo a independência congolesa como fruto da luta de seu povo, e não uma concessão magnânima dos colonizadores.
A sinceridade do discurso de Lumumba desconcertou a grande imprensa — a ponto de ser rotulado pela revista Time como “um ataque venenoso” ao Ocidente.
Durante sua gestão, Lumumba buscou superar as rivalidades regionais para consolidar a unidade nacional e iniciar a reforma das instituições legadas da colonização. Mas antes mesmo de que pudesse anunciar as primeiras medidas, seu governo foi confrontado por uma grave crise política instada por governos estrangeiros — a chamada “Crise do Congo” — que se estenderia por seis anos e deixaria um saldo de mais de 100 mil mortos.
A crise teve início com uma série de motins militares. Lumumba reagiu decretando a substituição do alto comando das Forças Armadas, mas a Bélgica, alegando a necessidade de proteger seus cidadãos, interveio no país, enviando 6.000 soldados para a rica província de Katanga, onde se concentram os recursos naturais do Congo.
A Marinha belga, por sua vez, bombardeou a cidade de Matadi, matando 19 congoleses e agravando os distúrbios.
Levante separatista
Líder do partido reacionário CONAKAT, Moïse Tshombe deu início a um levante separatista, declarando unilateralmente a independência da província de Katanga. A insurreição recebeu apoio imediato do governo belga e de empresários europeus do setor de mineração.
Alegando preocupação com os civis no conflito, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução 143 e enviou suas tropas para o país. As ações dos soldados das Nações Unidas, entretanto, favoreceram as tropas belgas e os rebeldes separatistas.
Lumumba viajou para Estados Unidos e solicitou apoio de Washington e das potências ocidentais para debelar a guerra civil, mas foi ignorado. Diante da recusa, aproximou-se da União Soviética, que lhe ofereceu ajuda com o envio de suprimentos e armamentos para combater o levante.
A aproximação de Lumumba com o bloco socialista ocasionou a imediata reação das nações ocidentais, com Estados Unidos e Reino Unido se aliando à Bélgica para articular sua deposição. A participação da CIA na conspiração contra o líder político foi comprovada pelas audiências da Comissão Church.
O relatório da comissão apresentou a documentação telegráfica onde Allen Dulles, chefe da CIA, afirmava que a “remoção de Lumumba” era “um objetivo urgente e prioritário”.
Assassinato de Lumumba
Lumumba neutralizou uma primeira tentativa de derrubá-lo, obtendo voto de confiança do Senado para evitar a dissolução do seu governo, ordenada pelo presidente Kasa-Vubu. Poucos dias depois, entretanto, ele seria deposto por um golpe de Estado conduzido pelo coronel Joseph Mobutu, chefe do Exército.
Posto em prisão domiciliar sob vigilância das tropas das Nações Unidas, Lumumba ainda conseguiu articular uma tentativa de fuga para Stanleyville, mas foi capturado pelos militares congoleses, auxiliados pela CIA.
Apesar dos apelos da União Soviética, de outras nações africanas e de parte da comunidade internacional, as tropas da ONU, pressionadas pelo governo dos Estados Unidos, não intervieram para libertá-lo.
Após meses preso no quartel-general de Thysville, Lumumba foi transferido para uma instalação militar em Elisabethville, capital de Katanga, onde foi espancado e brutalmente torturado.
Em 17 de janeiro de 1961, Lumumba foi executado por um pelotão de fuzilamento comandando por Tshombe e um grupo de oficiais belgas. Gerard Soete, policial belga que participou da execução, confessou em depoimento que o corpo de Lumumba foi esquartejado e dissolvido em ácido.
O coronel Mobutu sucedeu a Kasa-Vubu como presidente do Congo (rebatizado Zaire) e converteu o país em uma ditadura sangrenta, subserviente aos interesses dos Estados Unidos e das potências europeias, governando-o por 32 anos.
Novos documentos tornados públicos pelo governo dos Estados Unidos em 2007 confirmaram a participação da CIA na captura e no assassinato de Lumumba.
Em 2013, o governo do Reino Unido também admitiu ter participado da conspiração. Já a Bélgica apresentou um pedido de desculpas formais pelo assassinato de Lumumba e devolveu aos familiares um dente do primeiro-ministro — único vestígio que sobrou de seus restos mortais.