Se estivesse vivo, Hugo Chávez teria completado 70 anos no último domingo, 28 de julho. 56º Presidente da Venezuela, Chávez foi o líder da Revolução Bolivariana — um movimento socialista, nacionalista e pan-hispânico fundamentado em ideais de justiça social, igualdade econômica, soberania política e luta contra o imperialismo. O movimento ultrapassou as fronteiras venezuelanas e inspirou toda uma geração de líderes latino-americanos em países como Bolívia, Equador e Honduras.
Hugo Chávez nasceu em Sabaneta, no estado venezuelano de Barinas, filho de um casal de professores. Após frequentar o ensino primário no Grupo Escolar Julián Pino, concluiu sua educação básica no Liceu Daniel Florencio O’Leary. Ingressou na Academia Militar da Venezuela aos 17 anos, obtendo a graduação em Ciências e Artes Militares quatro anos depois. Seguiu a carreira militar, chegando à patente de tenente-coronel. No Exército Venezuelano, Chávez integrou-se ao grupo de oficiais de tendência progressista, simpáticos aos ideais revolucionários e críticos do modelo econômico ditado pela Escola de Chicago, que ganhava força na América Latina desde o fim dos anos 70.
Em 1983, por ocasião do bicentenário do nascimento de Simón Bolívar, herói da emancipação hispano-americana, Hugo Chávez e outros oficiais fundaram o “Movimento Bolivariano Revolucionário – 200” (MBR-200). Retomando as concepções de Mario Menéndez acerca do desenvolvimento de um “marxismo-leninismo bolivariano”, o MBR-200 iniciou um processo de infiltração nas Forças Armadas da Venezuela.
O movimento se tornou uma das principais forças de oposição ao desastroso governo de Carlos Andrés Pérez, marcado pelo aprofundamento do receituário neoliberal e pelo aumento generalizado da pobreza. O ambiente de agitação social foi agravado após 1989, quando eclodiu na Venezuela um vigoroso levante popular, mobilizando a população carente dos cerros e ranchos de Caracas contra a carestia e o alto custo de vida — o chamado Caracazo. O governo venezuelano reagiu com brutalidade, massacrando milhares de pessoas, suspendendo os direitos civis e impondo lei marcial.
Em 1992, Chávez liderou uma tentativa de deposição de Carlos Andrés Pérez, levada a cabo por 300 militares vinculados ao MBR-200. A iniciativa falhou e Chávez foi preso junto com os demais militares rebelados. A figura de Chávez, entretanto, foi projetada nacionalmente, angariando forte apoio popular.
Em 1993, Carlos Andrés Pérez sofreu um impeachment. Seu sucessor, Rafael Caldera Rodríguez, pressionado pela comoção popular, terminou por conceder anistia a Chávez e aos demais militares que participaram da sublevação de 1992. Após sair da prisão, Chávez abandonou o Exército e passou a se dedicar à construção de um movimento político institucional. O ambiente de instabilidade e a insatisfação generalizada com o modelo econômico neoliberal favoreceram enormemente a consolidação da Chávez como líder político da esquerda radical.
Em 1997, Chávez fundou o Movimento Quinta República (MVR) e articulou uma coligação de partidos de esquerda e centro-esquerda para disputar a eleição presidencial no ano seguinte (dito “Polo Patriótico”). Chávez foi eleito com 56% dos votos válidos, derrotando o economista Henrique Salas Römer e a ex-miss universo Irene Saez.
A eleição de Chávez pôs fim ao Pacto de Punto Fijo — a aliança entre os partidos políticos tradicionais que dominaram a Venezuela por quase meio século. Chávez também foi o pioneiro da chamada “Onda Rosa”, fenômeno caracterizado pela ascensão de governos de esquerda e centro-esquerda eleitos na América Latina, em reação à hegemonia neoliberal das décadas anteriores.
Tão logo tomou posse, Chávez organizou um referendo popular sobre a convocação de uma nova Assembleia Constituinte. O referendo foi aprovado por 70% dos eleitores. Por ocasião da instituição da nova ordem constitucional, Chávez submeteu seu mandato à validação popular e foi reeleito com ampla margem de votos no ano seguinte. A coligação de centro-esquerda que apoiava seu governo obteve 120 dos 131 assentos legislativos.
O amplo apoio popular e a refundação do Estado venezuelano permitiram ao governo fazer alterações estruturais profundas. O Senado foi extinto e o legislativo tornou-se unicameral, convertendo-se em Assembleia Nacional. As prerrogativas do poder executivo foram ampliadas, dando a Chávez maior autonomia para governar por decreto. Utilizando-se desse expediente, Chávez reconheceu os direitos civis das comunidades indígenas, instituiu o projeto de reforma agrária e nacionalizou setores da economia, nomeadamente o de hidrocarbonetos. A companhia estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA) se tornou detentora das maiores reservas de petróleo do mundo, com um total estimado em 300 bilhões de barris.
As medidas empreendidas por Chávez lhe granjearam enorme popularidade junto à classe trabalhadora, mas também despertaram profunda insatisfação entre latifundiários, grandes empresários e setores conservadores da sociedade venezuelana. O mandatário também se tornou alvo da ira do governo dos Estados Unidos e das grandes petroleiras privadas como Shell, Chevron e a ExxonMobil.
Articulou-se na Venezuela uma virulenta oposição, composta por grandes empresários, representantes das Forças Armadas, magnatas da mídia, juízes e setores da Igreja Católica. Para revestir o intento golpista de legitimidade, a oposição passou a incitar a classe média venezuelana a se envolver em “campanhas cívicas” de “defesa das liberdades individuais”.
Em abril de 2002, os tumultos ocorridos durante um encontro de manifestantes pró e contra Chávez serviram de justificativa para uma tentativa de golpe de Estado. Chávez chegou a ser preso e substituído por Pedro Carmona, presidente da Fedecámaras — maior associação patronal do país. Não obstante, a falta de adesão das bases das Forças Armadas e a forte reação popular impediram que o golpe se concretizasse. Chávez retornou à presidência três dias depois.
A oposição ao governo chavista se reorganizou sob a liderança de María Corina Machado. Em 2003, Machado organizou um abaixo-assinado para convocar uma consulta popular, questionando se os venezuelanos queriam ou não que Chávez permanecesse no poder. O referendo ocorreu em agosto de 2004 e 58,25% dos votantes apoiaram a permanência de Chávez até o fim do mandato. A oposição alegou fraude, mas todos os observadores internacionais, incluindo o ex-presidente norte-americano Jimmy Carter, confirmaram a legitimidade do pleito.
Chávez foi reeleito para seu terceiro mandato na eleição presidencial de 2006, angariando 62,9% dos votos. O pleito foi novamente considerado legítimo pelos observadores internacionais e pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Ao mesmo tempo, a não renovação da concessão dos veículos de mídia envolvidos na tentativa de golpe em 2002 serviu de pretexto para que os Estados Unidos acusassem o governo venezuelano de desrespeitar as liberdades democráticas.
Em dezembro de 2007, Chávez convocou um plebiscito sobre a reforma da Constituição da Venezuela, rejeitado por estreita margem pela maioria dos eleitores. A oposição aproveitou a oportunidade para intensificar a campanha antigovernista, mas as reformas e programas sociais implementados em sua gestão lograram ao mandatário expressivo apoio popular. Pela primeira vez na história, a Venezuela começou a aplicar a receita proveniente do petróleo na melhoria das condições de vida da população mais vulnerável.
Sob Chávez, o percentual de venezuelanos vivendo abaixo da linha da pobreza despencou de 42,8% em 1999 para 7% em 2011. O Coeficiente de Gini, indicador da desigualdade econômica, passou de 0,46 para 0,39, transformando a Venezuela no segundo país menos desigual das Américas. O Índice de Desenvolvimento Humano venezuelano subiu de 0,656 para 0,735, saltando 10 posições no ranking do PNUD e fazendo o país ingressar no grupo de nações com IDH elevado. A renda per capita mais que dobrou, o acesso à água potável foi universalizado e o analfabetismo erradicado. O governo venezuelano distribuiu mais de 700 mil moradias, quase extinguindo o déficit habitacional. A fome crônica foi debelada e a taxa de desnutrição despencou de 21% em 1998 para 3% em 2012.
No campo da política externa, Chávez manteve uma atuação de crítica ao imperialismo e às intervenções dos Estados Unidos. Chávez foi o fundador da Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA), uma plataforma de cooperação internacional integrada pelos governos de inspiração socialista da América Latina e do Caribe.
Durante seus mandatos, a Venezuela se converteu no maior parceiro comercial de Cuba e estreitou os laços com Rússia e China. Também estabeleceu parcerias com os governos da Bolívia, Equador e Brasil — respectivamente presididos por Evo Morales, Rafael Correa e Luiz Inácio Lula da Silva — e apoiou as iniciativas internacionais de criação de organismos paralelos ao sistema Bretton Woods. Foi um forte crítico das ações militares de Israel contra os palestinos e manteve intenso antagonismo com Álvaro Uribe, presidente da Colômbia.
Chávez foi diagnosticado com câncer em 2011 e batalhou contra a doença por mais de dois anos. Faleceu em Caracas em 5 de março de 2013, aos 58 anos. Sua morte causou profunda comoção junto ao povo venezuelano. Mais de dois milhões de pessoas acompanharam o funeral do mandatário. A cerimônia fúnebre foi acompanhada por 30 chefes de Estado, incluindo a então presidente do Brasil, Dilma Rousseff, e o ex-presidente Lula.
Chávez foi sucedido no governo pelo vice-presidente Nicolás Maduro, ex-ministro das Relações Exteriores da Venezuela. Novas eleições foram convocadas em abril de 2013 e Maduro foi eleito para cumprir um mandato integral, derrotando o candidato da oposição Henrique Capriles, ex-governador de Miranda. Capriles contestou o resultado da eleição, mas o pleito foi acompanhado e referendado por mais de 170 organizações internacionais.
Maduro deu seguimento aos programas sociais de Chávez, agrupados nas chamadas “Missões Bolivarianas”. Inaugurou centenas de milhares de moradias populares através da Gran Misión Vivienda, ampliou a cobertura assistencial de saúde através do Misón Barrio Adentro, instituiu a distribuição de medicamentos subsidiados através das farmácias populares, criou os Comitês Locais de Abastecimento e Produção (CLAPS) e garantiu o fornecimento de cestas básicas às famílias de baixa renda. Não obstante, seu governo foi alvo do recrudescimento dos intentos golpistas e tentativas de desestabilização ainda mais severas do que as que foram usadas contra Chávez.
Ainda em 2013, o governo dos Estados Unidos aplicou as primeiras sanções contra a o governo de Nicolás Maduro. No ano seguinte, o congresso norte-americano aprovou a Lei 113-278, que proíbe todas as empresas ativas nos Estados Unidos de realizar transações comerciais com a Venezuela.
As punições cresceram de forma exponencial desde então, visando sufocar o país através do estrangulamento de sua economia. A Venezuela já é alvo de mais de 150 sanções internacionais — sendo 62 emitidas pela Casa Branca. Os efeitos são devastadores: hiperinflação, desemprego, aumento da pobreza e crise de abastecimento, fomentando a imigração em massa. Um estudo publicado pelo Centro de Pesquisas Econômicas e de Políticas Públicas dos Estados Unidos estimou que as sanções contra a Venezuela resultaram no crescimento de 31% da taxa de letalidade do país, causando a morte de mais de 40 mil pessoas.
Em paralelo às sanções econômicas, o governo Maduro enfrentou 11 tentativas de golpe. Reeleito em 2018, o mandatário teve de lidar com a sublevação golpista da Assembleia Nacional e com o respaldo das potências ocidentais a Juan Guaidó, que se autoproclamou presidente da Venezuela sem ter concorrido a nenhum pleito presidencial. As “guarimbas” — motins violentos conduzidos pela oposição — já deixaram centenas de mortos. Em 2020, a Venezuela chegou a ser alvo de uma tentativa de invasão perpetrada por uma companhia privada de mercenários norte-americanos.
Apesar das dificuldades, Maduro foi eleito para um terceiro mandato em julho de 2024. O anúncio de sua vitória foi seguido por uma virulenta campanha de contestação ao resultado das urnas, mais uma vez encampada pelo Ocidente e instrumentalizada como fator de ignição de uma crise política. Por hora, a base de Maduro resiste ao assédio e tenta manter vivo o sonho de emancipação da Revolução Bolivariana.