75 anos da Guerra da Coreia
Um dos conflitos mais sangrentos da Guerra Fria representou ápice das tensões após divisão da península coreana em dois Estados: um socialista e outro capitalista
Há 75 anos, em 25 de junho de 1950, tinha início a Guerra da Coreia, um dos mais sangrentos conflitos tributários da Guerra Fria.
A conflagração representou o ápice das tensões geradas após a divisão da península coreana em dois Estados — com um governo socialista instalado ao norte e um regime capitalista no território meridional. Os dois governos iniciaram uma pressão constante pela reunificação da península sob seus próprios sistemas políticos, levando à eclosão da guerra.
O conflito rapidamente se internacionalizou. Liderando uma coalização sob bandeira da ONU, os Estados Unidos ingressaram na guerra em favor da Coreia do Sul. A entrada posterior da China, ao lado das tropas norte-coreanas, trouxe maior equilíbrio ao confronto, levando a um impasse prolongado.
O conflito foi encerrado após três anos, com a assinatura de um armistício em julho de 1953. As consequências da guerra foram brutais. O território norte-coreano foi devastado por bombardeios que mataram um quinto de sua população. Estima-se que a guerra tenha matado entre 3 e 5 milhões de pessoas.
A ocupação colonial do Japão
Alvo da cobiça estrangeira desde o século 19, a Coreia foi transformada em protetorado e dominada pelo Japão após a queda da Dinastia Qing. Ao longo de quase quatro décadas, o Japão submeteu a Coreia a um dos projetos coloniais mais violentos do continente asiático, confiscando as terras produtivas dos nativos, instaurando o trabalho forçado e institucionalizando a violência sexual.
Milhões de coreanos foram forçados a trabalhar como escravos em fábricas, minas e campos. A língua coreana foi proibida nas escolas, e a identidade nacional foi sistematicamente suprimida em um esforço de assimilação cultural. Os coreanos viviam sob a vigência de um código penal hediondo, que institucionalizou a tortura e os açoitamentos.
Essa exploração intensificou a resistência popular, resultando no surgimento de iniciativas como o Movimento de Primeiro de Março, que mobilizou milhões de coreanos em protestos pela independência — e que foram brutalmente reprimidos pelas forças japonesas.
A agressiva ocupação do Japão motivou os coreanos a apoiarem ao esforço de guerra das nações aliadas durante a Segunda Guerra Mundial. A União Soviética combateu as tropas japonesas ao norte da península, ao passo que os Estados Unidos concentraram seus esforços militares na porção meridional do território coreano.
A divisão da península coreana
Ao término da Segunda Guerra Mundial, durante a Conferência de Potsdam (realizada em junho de 1945), soviéticos e norte-americanos acordaram a divisão da península da Coreia em duas zonas de influência distintas, delimitadas ao longo do Paralelo 38.
Essa divisão, feita sem qualquer consulta ao povo coreano, foi uma imposição que refletia a polarização da incipiente Guerra Fria. O direito à autodeterminação do povo coreano foi ignorado em prol dos interesses políticos das potências vencedoras da Segunda Guerra.
Na porção setentrional da península, formou-se a República Popular Democrática da Coreia (dita Coreia do Norte), uma nação socialista integrada à esfera de influência soviética, que passou a ser governada por Kim Il-Sung, um ex-guerrilheiro que se convertera em líder do movimento independentista da Coreia.
A partir de 1946, o governo norte-coreano implementou uma série de reformas abrangentes. Confiscou latifúndios e redistribuiu terras para milhões de camponeses, nacionalizou as indústrias que eram controladas por japoneses e promoveu a ampliação dos serviços públicos e dos direitos trabalhistas.
Ao sul, instalou-se um regime militar de orientação capitalista, inteiramente subordinado ao governo norte-americano — a República da Coreia (ou Coreia do Sul), inicialmente comandada pelo tenente-general John Hodge.
O regime sul-coreano manteve intactas as leis coloniais e as estruturas administrativas legadas pelo Japão, causando enorme insatisfação popular. A partir de 1946, o país enfrentou uma série de insurreições e revoltas — todas brutalmente esmagadas, resultando em uma série de massacres.
Em 1948, o governo dos Estados Unidos decidiu terceirizar a administração da Coreia do Sul para um governo fantoche, entregue ao ditador Syngman Rhee. As revoltas populares prosseguiram, bem como os massacres do governo. Somente em Jeju, 30 mil pessoas foram mortas pelas tropas sul-coreanas e norte-americanas.

A cidade de Wonsan, na Coreia do Norte, bombardeada por forças norte-americanas durante a Guerra da Coreia (c. 1951)
Força Aérea dos Estados Unidos/Wikimedia Commons
O início do conflito
A criação dos dois Estados transportou para a península coreana a atmosfera de tensão geopolítica da Guerra Fria, com os dois governos pressionando pela reunificação do território sob seus respectivos modelos de organização política e econômica.
A fronteira das Coreias junto ao Paralelo 38 tornou-se um cenário frequente de incursões militares e provocações. Centenas de pequenos incidentes foram documentados na região a partir de 1948 — muitos dos quais perpetrados com a intenção de legitimar uma resposta militar mais severa.
A frequência e a magnitude desses incidentes aumentou gradualmente, chegando ao ápice em junho de 1950. Poucos dias depois de uma visita de oficiais norte-americanos, as tropas sul-coreanas estacionadas em Ongjin iniciaram um ataque com bombas e morteiros contra uma linha de defesa da Coreia do Norte.
Incidentes envolvendo soldados sul-coreanos também foram registrados na cidade de Kaesong e na região de Ryonchon. Em 25 de junho de 1950, respondendo às provocações, o governo da Coreia do Norte ordenou a incursão contra as forças militares do Sul. O presidente sul-coreano Syngman Rhee emitiu declaração de guerra, dando início ao conflito.
Mais numerosas, bem equipadas e apoiadas indiretamente pela União Soviética, as forças armadas da Coreia do Norte avançaram rapidamente sobre o sul, forçando Syngman Rhee a evacuar a capital Seul.
Logo após o início da invasão, o governo da Coreia do Sul perpetrou os chamados Massacres das Ligas Bodo, em que 200 mil cidadãos sul-coreanos suspeitos de serem comunistas ou simpatizantes da esquerda foram sumariamente executados.
Apenas três dias após o início da guerra, os norte-coreanos já haviam tomado Seul e ocupavam cerca de 90% do território da península, isolando as forças sul-coreanas no bolsão de Pusan.
O sucesso inicial da Coreia do Norte reflete em grande parte o descontentamento que os sul-coreanos possuíam em relação ao regime de Syngman Rhee — ao ponto de não organizarem nenhuma forma significativa de resistência civil.
Os Estados Unidos entram na guerra
Diante da vitória iminente das forças norte-coreanas e da possibilidade de unificação das duas Coreias sob um regime socialista, o governo dos Estados Unidos decidiu intervir diretamente no conflito.
O recente triunfo dos comunistas chineses na Revolução de 1949, que havia levado à instauração da República Popular da China, já havia alarmado os norte-americanos. A manutenção do regime sul-coreano era vista agora como essencial para limitar o “efeito dominó” da expansão socialista no Leste Asiático.
Visando revestir a intervenção com aspecto de legitimidade e evitar o envolvimento direto da União Soviética, os Estados Unidos pressionaram a ONU a aprovar a Resolução 82 — o que lhe permitiu despachar tropas militares sob a bandeira das Nações Unidas para atuar na guerra.
As tropas da ONU eram compostas por soldados oriundos de 16 nações, mas 90% do efetivo era proveniente dos Estados Unidos. Países como Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia e Canadá também enviaram soldados para auxiliar a Coreia do Sul.
O comando da força expedicionária norte-americana ficou a cargo do general Douglas MacArthur, que coordenou o contra-ataque após o desembarque anfíbio em Incheon. Mais de 1,7 milhão de soldados foram mobilizados por Washington para a guerra.
O reforço bélico norte-americano reverteu a tendência até então assinalada, assegurando a vitória sul-coreana na Batalha de Pusan e forçando o recuo das tropas da Coreia do Norte para além do Paralelo 38.
Seguindo ordens do presidente norte-americano Harry Truman, as tropas do general MacArthur prosseguiram marchando rumo a Pyongyang, visando derrubar o governo de Kim Il-Sung.
A reação chinesa
Incomodado com as pretensões norte-americanas, o presidente chinês Mao Zedong decidiu intervir na guerra. Em outubro de 1950, a China despachou um contingente de 1,4 milhão de combatentes para auxiliar as forças norte-coreanas. Josef Stalin também encaminhou esquadrões aéreos, três divisões de baterias antiaéreas e seis mil caminhões com suprimentos em favor dos norte-coreanos.
A entrada da China e a intensificação do apoio soviético equilibraram a disputa. As tropas sul-coreanas e norte-americanas foram decisivamente derrotadas nas batalhas de Onjong e do Rio Chongchon e sofreram severas perdas nos ataques a Changjin. Acuadas, as forças dos Estados Unidos e da Coreia do Sul foram obrigadas a recuar aos limites do Paralelo 38.
Após uma sucessão de derrotas, o general MacArthur passou a exigir do governo norte-americano autorização para o uso de armas nucleares contra a China e a Coreia do Norte, mas Harry Truman considerou a ideia insensata e o removeu do comando das tropas, substituindo-o pelo general Matthew Ridgway.
A devastação na Coreia do Norte
Embora tenha rejeitado o uso de armas nucleares, o governo norte-americano impôs à Coreia do Norte uma devastação semelhante.
A Força Aérea dos Estados Unidos conduziu uma campanha de bombardeios em larga escala contra o país, jogando mais de 635 mil toneladas de bombas e 32 mil toneladas de napalm sobre o território norte-coreano, matando mais de um quinto de toda a sua população civil (entre 1,5 e 2 milhões de pessoas).
Cerca de 85% de todas as construções da Coreia do Norte foram destruídas na guerra. Cidades como Pyongyang e Sinuiju foram inteiramente reduzidas a escombros. A produção industrial do país caiu para menos de 5% dos níveis anteriores ao conflito.
A economia norte-coreana entrou em colapso devido à destruição de indústrias e à perda de mão de obra. A agricultura também foi gravemente afetada pelos ataques com armas químicas, levando a crises de fome prolongadas.
Impasse e armistício
A guerra se arrastou por mais dois anos, transformando-se em um conflito de atrito. Malgrado a virulência das batalhas, a disputa chegou a um impasse estratégico, onde os ganhos de uma parte eram imediatamente neutralizados pelo avanço da outra.
As condições nas trincheiras eram desumanas, com soldados enfrentando frio extremo, fome e doenças. No lado norte-coreano e chinês, a escassez de recursos foi agravada pelas sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos, que bloquearam o acesso a medicamentos e alimentos.
O equilíbrio de forças levou à alteração dos objetivos iniciais em favor do restabelecimento dos limites territoriais acordados entre os dois países. Em 27 de julho de 1953, quando as duas frentes se estabilizaram, foi assinado o Armistício de Panmunjeom, levando ao cessar-fogo. O número total de mortes registradas nos três anos de conflito é estimado entre 3 e 5 milhões de pessoas.
O armistício não foi seguido pela confecção de um tratado de paz. Apesar do fim das hostilidades, as duas Coreias permanecem tecnicamente em guerra até hoje. A Zona Desmilitarizada estabelecida ao longo do Paralelo 38 tornou-se uma das fronteiras mais tensas do mundo. Cerca de 7 milhões de famílias foram separadas e a reunificação se tornaria um ideal elusivo, cada vez mais distante.