Há 79 anos, em 6 de agosto de 1945, a cidade de Hiroshima, no Japão, era devastada pela bomba atômica “Little Boy”, lançada por um avião da Força Aérea dos Estados Unidos. Três dias depois, uma segunda bomba atômica, intitulada “Fat Man”, foi lançada sobre Nagasaki. Estima-se que os ataques atômicos tenham matado até 250.000 pessoas. Os bombardeios permanecem até hoje como o único momento da história em que as armas nucleares foram utilizadas em guerras, contra alvos civis.
Rompendo com um longo período de isolamento internacional, a Restauração Meiji levou a Japão a embarcar em um ambicioso processo de modernização e industrialização, buscando se consolidar como uma potência regional. A escassez de recursos naturais e a necessidade de garantir mercados para seus produtos manufaturados levaram o Japão a adotar uma política externa agressiva e expansionista, avançado militarmente sobre as nações asiáticas para criar a “Esfera de Coprosperidade da Grande Ásia Oriental” — um “espaço vital” sob domínio do Japão.
O imperialismo japonês logo se chocaria com os interesses dos Estados Unidos, que também buscavam consolidar seu domínio sobre o Pacífico. A disputa entre os dois países se intensificou continuamente e atingiu seu ápice após o início da Segunda Guerra Mundial.
A decisão dos Estados Unidos de embargar o fornecimento de petróleo ao Japão foi o estopim para o ataque japonês à base naval de Pearl Harbor. O bombardeio justificou o ingresso dos Estados Unidos na Segunda Guerra, ao lado dos Aliados.
Em abril de 1942, os Estados Unidos realizaram a primeira represália ao Japão, bombardeando Tóquio e Yokohama durante a “Incursão Doolittle”. Conforme idealizado pelo comando militar norte-americano, o bombardeio deveria ser o primeiro de uma sequência de ataques aéreos, mas a ocupação das bases aliadas pelas tropas japonesas forçou o adiamento da estratégia. As campanhas tiveram início em meados de 1944, após o desenvolvimento dos bombardeiros Boeing B-29 Superfortress, que ampliaram enormemente o potencial destrutivo da frota de guerra norte-americana.
Durante a Operação Matterhorn, os Estados Unidos conduziram uma série de bombardeios a alvos militares e civis, despejando mais de 450 toneladas de bombas incendiárias e de fragmentação sobre Tóquio e Yokohama. Em março de 1945, os norte-americanos realizaram um ataque ainda mais destrutivo: a Operação Meetinghouse, uma “tempestade de fogo” que despejou mais de 2.000 toneladas de bombas sobre Tóquio. A campanha devastou metade dos edifícios da capital japonesa e matou cerca de 140 mil pessoas.
O ataque contra Tóquio é um dos exemplos mais representativos da doutrina dos “bombardeios de terror” — o emprego deliberado de ataques contra a população civil, com o objetivo de minar o estado psicológico das massas e forçar o inimigo à rendição, ameaçando-o com a aniquilação completa. Outras campanhas de bombardeio foram realizadas contra cidades de grande porte, como Nagoya e Osaka.
O emprego da doutrina dos “bombardeios de terror”, no entanto, ainda não havia chegado ao ápice. Em 1939, cientistas proeminentes como Albert Einstein e Leó Szilárd enviaram uma carta ao presidente Franklin Roosevelt, alertando-o sobre a possibilidade de a Alemanha nazista desenvolver um novo tipo de bomba de imenso poder destrutivo, baseada na reação de fissão nuclear. O alerta levou à criação do Projeto Manhattan — o programa secreto que visava produzir as primeiras bombas atômicas antes dos alemães. Desenvolvido com apoio do Reino Unido e do Canadá, o projeto foi colocado sob a supervisão do Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos, sob a direção do general Leslie Groves. O físico Robert Oppenheimer foi designado como diretor científico e liderou o trabalho no Laboratório de Los Alamos, no Novo México, onde a maior parte do projeto foi concretizada.
Em maio de 1945, após a tomada de Berlim pelas tropas da União Soviética, a Alemanha apresentou sua rendição incondicional, encerrando a guerra na Europa. O governo norte-americano, no entanto, deu prosseguimento ao Projeto Manhattan, visando não apenas utilizar a nova tecnologia contra o Japão, mas tentar impor a hegemonia militar no plano global, no contexto fortemente polarizado de uma incipiente Guerra Fria. Em 16 de julho de 1945, os Estados Unidos conduziram a “Experiência Trinity”, o primeiro teste nuclear da história, detonando uma bomba de plutônio no deserto do Novo México.
A escolha das cidades a serem bombardeadas ficou a cargo de um comitê de militares e cientistas, presidido por Leslie Groves. Diversas cidades foram cogitadas, incluindo Kokura, Yokohama, Niigata e Kyoto. Um relatório produzido pelo comitê elucidava que os alvos teriam de ser cidades populosas, uma vez que o objetivo do ataque era “obter o maior efeito psicológico possível”.
Os norte-americanos optaram por Hiroshima, uma cidade populosa que ainda estava praticamente intocada pelos bombardeios — o que facilitaria a análise sobre o potencial destrutivo das bombas. Fatores topográficos que ajudariam a potencializar os efeitos destrutivos também foram considerados. O relatório do comitê considerou, por exemplo, que as colinas que cercam Hiroshima produziriam “um efeito de focagem que aumentaria os danos da explosão”.
Em 26 de julho, os Aliados emitiram a Declaração de Potsdam, delineando os termos da rendição do Império do Japão. O documento advertia que, caso não se rendesse, o país sofreria uma “devastação inevitável e completa”. Panfletos alertando sobre a possibilidade de ataques foram jogados por aviões aliados, mas não mencionavam Hiroshima entre os possíveis alvos de bombardeios.
O ataque a Hiroshima ocorreu às 8h15 da manhã do dia 6 de agosto de 1945. O bombardeiro B-29 Enola Gay, pilotado pelo coronel Paul Tibbets, decolou das Ilhas Marianas do Norte e viajou seis horas. Quando sobrevoava a região central da cidade, a aeronave lançou “Little Boy” — uma bomba de urânio com 3,2 metros de comprimento, 71 centímetros de largura e peso superior a quatro toneladas. A bomba detonou a cerca de 580 metros distância do solo, diretamente sobre o Hospital Shima, ocasionando uma explosão equivalente a 16 quilotons de TNT.
Um enorme clarão tomou os céus e uma devastadora onda de calor, com temperaturas de quase 4.000°C, se alastrou por um raio de 4,5 quilômetros. Na região em torno do epicentro da explosão, todas as construções foram instantaneamente pulverizadas. A onda de calor causou incêndios generalizados, que se prolongaram por três dias e destruíram uma área superior a 12 quilômetros quadrados. Cerca de dois terços dos 60 mil edifícios da cidade foram reduzidos a escombros.
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Explosão atômica em Hiroshima, por George Caron
O número exato de vítimas não pode ser determinado com precisão. Estima-se que entre 70 e 80 mil pessoas morreram logo após a explosão — quase um terço da população da cidade. Nas semanas seguintes, os ferimentos, doenças e a exposição à radiação e à cinza nuclear fizeram o número de vítimas saltar para quase 170 mil mortos. Muitas outras mortes relacionadas ao ataque seguiram ocorrendo nas décadas seguintes. Conforme a prefeitura de Hiroshima, o número total de mortes relacionadas ao bombardeio já passa dos 240.000.
O presidente norte-americano Harry Truman, sucessor de Roosevelt, fez uma declaração pública no mesmo dia do ataque: “Foi para poupar o povo japonês da completa devastação que o ultimato de 26 de julho foi emitido em Potsdam. Seus líderes prontamente o rejeitaram. Se não aceitam os nossos termos, podem aguardar uma chuva de fogo vinda do ar, como nunca antes se viu neste planeta.” O governo japonês não reagiu à declaração.
Três dias depois, em 9 de agosto de 1945, um novo ataque nuclear foi lançado contra o Japão. O alvo original era Kokura, mas uma espessa neblina cobria a cidade no dia programado para o ataque. Assim, os norte-americanos redirecionaram a missão para Nagasaki, um dos maiores portos do Japão. O ataque foi conduzido por um bombardeiro Bockscar, pilotado pelo major Charles Sweeney. Às 11h02 da manhã, “Fat Man”, uma bomba de plutônio com 2,34 metros de comprimento, 1,52 metro de diâmetro e 4,5 toneladas, foi lançada sobre a cidade.
A bomba detonou a uma distância de 500 metros do solo, sobre uma área industrial. “Fat Man” era ainda mais potente do que a bomba lançada sobre Hiroshima. O dispositivo gerou uma energia equivalente a 21 quilotons de TNT. Entretanto, a disposição geográfica da cidade, situada entre dois vales, ajudou a limitar o impacto da explosão. O raio de destruição total foi de cerca de um quilômetro. A área devastada pela onda de calor e pelos incêndios chegou a 7,7 quilômetros quadrados.
A explosão nuclear destruiu cerca de 40% da cidade de Nagasaki. Assim como no caso de Hiroshima, o número exato de vítimas é difícil de calcular. Estima-se que entre 28 mil e 49 mil pessoas tenham morrido logo após a explosão. Nas semanas seguintes, o número de mortos saltou para 80 mil.
O presidente Truman fez outra declaração após o ataque a Nagasaki, asseverando que a bomba atômica era “uma terrível responsabilidade” confiada aos Estados Unidos e evocando a intercessão divina para garantir que os bombardeios servissem aos desígnios de Deus: “Agradecemos a Deus que [a bomba atômica] veio a nós, em vez de ir para os nossos inimigos, e oramos para que Ele nos guie para usá-la em Seus caminhos e Seus propósitos”, afirmou. Mais tarde, Truman garantiria que a decisão de matar 250 mil pessoas com ataques nucleares havia sido “o maior feito da história”.
O comando militar dos Estados Unidos previa pelo menos mais sete ataques nucleares contra o Japão. Já havia uma terceira bomba atômica pronta para ser utilizada no dia 19 de agosto. Outros três ataques nucleares ocorreriam em setembro e mais três em outubro. Havia também um debate para reservar alguns artefatos nucleares a serem empregados em paralelo a uma eventual invasão por terra. Mas, em 14 de agosto de 1945, antes que novas ogivas fossem lançadas, o imperador Hirohito anunciou a rendição do Japão.
Dessensibilizados por anos de propaganda de guerra e pelo fomento governamental à nipofobia, os norte-americanos ignoraram as discussões sobre o custo humano do bombardeio, preferindo embarcar em um verdadeiro “frenesi atômico”. Governo, imprensa e indústria do entretenimento estimularam a aceitação cultural das armas nucleares, tratando-as como símbolos de poder e da afirmação da superioridade bélica do império norte-americano. Relatos e reportagens sobre os efeitos devastadores das explosões foram censurados e uma série de “verdades oficiais” foram instituídas para interditar as denúncias de que os ataques foram, na realidade, assassinatos em massa, crimes de guerra e atos de terrorismo de Estado.
As alegações de que os bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki foram necessários para “forçar a rendição do Japão” e “evitar uma invasão que custaria 500 mil vidas” estão presentes em praticamente todos os livros didáticos produzidos nos Estados Unidos desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Ambas são falsas.
Documentos do próprio comando militar dos Estados Unidos desmentem a alegação de que uma invasão ao Japão produziria mais de “meio milhão de mortes”. Os relatórios produzidos pelo Comitê de Planos de Guerra, por exemplo, estimavam 40 mil mortes de soldados norte-americanos no caso de uma incursão terrestre.
Também carece de sentido a alegação de que o Japão “não se renderia em hipótese alguma”. Em agosto de 1945, o Japão já estava nas cordas. Suas tropas tinham sido dizimadas, sua frota mercante estava aniquilada e a economia de guerra estava estagnada por falta de matérias primas. A pesca e a produção agrícola despencaram e a fome era generalizada. A situação era tão caótica e insustentável que o próprio príncipe Fumimaro Konoe já havia aconselhado o imperador Hiroito a abdicar do trono.
Mesmo após o ataque a Hiroshima, o fator que mais contribuiu para a rendição do Japão foi a declaração de guerra emitida contra o país pela União Soviética, em 8 de agosto de 1945. Até então, os japoneses nutriam a esperança de que Moscou pudesse intermediar uma rendição em condições mais favoráveis. A declaração de guerra, no entanto, gerou um risco ainda maior para os japoneses do que aceitar os termos ditados pelos norte-americanos: a ocupação permanente de Hokkaido e outros territórios do país pelas tropas do Exército Vermelho e a imposição da troca de regime, com a derrubada da família imperial.