80 anos do nascimento de Elis Regina, a rainha da MPB
Um dos maiores ícones da música popular brasileira, cantora é reconhecida pelo seu engajamento político e crítica à ditadura militar
Há 80 anos, em 17 de março de 1945, nascia a cantora Elis Regina. Nacionalmente consagrada na era dos grandes festivais, Elis se converteu em um dos maiores ícones da música popular brasileira, muito admirada pela emissão vocal perfeita e pela interpretação intensa, emotiva e original que entregava em cada canção.
Dotada de carisma, versatilidade e criatividade, ela é considerada por muitos como a maior cantora da história do Brasil. Além de seu talento musical, Elis era conhecida por sua personalidade forte e pelo seu engajamento político em prol das causas populares.
A juventude em Porto Alegre
Elis Regina nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, filha de Ercy Carvalho e Romeu de Oliveira Costa. Passou sua infância em um bairro operário de Porto Alegre e fez seus estudos básicos no Colégio Estadual Júlio de Castilhos e no Instituto Estadual Dom Diogo de Sousa.
Interessada pela música desde a infância, Elis estudava piano e ouvia os intérpretes de samba-canção da época — nomeadamente Ângela Maria e Cauby Peixoto, nos quais se inspirou para assimilar o uso do vibrato e a afinação.
Aos doze anos, ela tomou parte do programa de calouros “Clube do Guri“, difundido pela Rádio Farroupilha, e impressionou o público com seu talento precoce. Três anos depois, estreou sua carreira artística, sendo contratada para cantar na Rádio Gaúcha. Foi eleita nesse mesmo ano como “Melhor Cantora de Rádio”.
Elis também e se apresentou em diversos clubes de Porto Alegre, o que lhe deu a chance de amadurecer sua técnica vocal e ganhar familiaridade com o palco. Em 1961, aos 16 anos de idade, ela lançou seu primeiro álbum, intitulado “Viva a Brotolândia“. No ano seguinte, passou a se apresentar na TV Gaúcha.
A consagração na era dos festivais
Em 1964, a cantora se mudou para o Rio de Janeiro, onde assinou contrato para se apresentar no programa “Noite de Gala“, apresentado por Luís Carlos Miele e Ronaldo Bôscoli na TV Rio. Foi quando começou a desenvolver seu gestual enérgico característico, inspirado em parte pelo coreógrafo norte-americano Lennie Dale.
No Rio de Janeiro, Elis começou a frequentar o reduto boêmio do Beco das Garrafas, sofrendo influência da bossa nova e do chamado “hot jazz” — influxo particularmente notável no álbum “Samba Eu Canto Assim“.
Em 1965, Elis Regina venceu o Primeiro Festival Nacional da Música Popular, organizado pela TV Excelsior, com a música “Arrastão“, de Vinícius de Moraes e Edu Lobo. Ainda em 1965, foi laureada com o Prêmio Berimbau de Ouro, na categoria melhor intérprete, e recebeu o Troféu Roquette Pinto de melhor cantora do ano.
Contratada pela TV Record, Elis mudou-se para São Paulo, onde passou a apresentar o programa “O Fino da Bossa”, em parceria com Jair Rodrigues e o Zimbo Trio. O programa consolidou ainda mais sua imagem de grande artista, dando-lhe a oportunidade impactar o público com sua habilidade técnica e intuição musical.
A cantora se destacou, em particular, pela interpretação da canção “Upa, Neguinho“, vinheta composta por Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri para a peça “Arena Conta Zumbi“, enriquecendo-a com uma cadência original. O programa “Fino da Bossa” teve duração de dois anos e rendeu três LPs (“Dois na Bossa” I, II e III).
Em 1968, Elis iniciou uma prolífica carreira internacional, após assinar um contrato com a Philips. Gravou dois LPs com o gaitista belga Toots Thielemans, apresentou-se em Estocolmo, Londres e Cannes. O show mais notável de sua turnê, entretanto, ocorreu no Olympia — a mais antiga casa de espetáculos de Paris, onde foi ovacionada e retornou seis vezes ao palco, para atender aos incessantes pedidos de “bis” da plateia.

Elis Regina se apresentando no Teatro a Praia em 1969
Anos 70
Na década de setenta, Elis atingiu o ápice de sua técnica e domínio vocal, mas também foi confrontada por não corresponder às expectativas de politização do público. Em 1972, a artista foi coagida pela ditadura militar a cantar o Hino Nacional durante a comemoração do Sesquicentenário da Independência.
Decepcionado, o público a trataria com indiferença e frieza no ano seguinte, durante o festival Phono 73, marcado pela censura imposta a Chico Buarque e Gilberto Gil. Caetano Veloso saiu em sua defesa, pedindo à plateia que respeitasse “a maior cantora desta terra”.
Superando a reserva que tinha pela Jovem Guarda, Elis gravou sua versão de “As Curvas da Estrada de Santos“, de Erasmo e Roberto Carlos. Também ampliou suas influências musicais, incorporando referências do rock, do pop e da soul music e criou um repertório misto, composto por músicas efusivas e obras intimistas.
Elis também estabeleceu uma bem sucedida parceria com Tom Jobim, com quem gravou o LP “Elis & Tom” e a canção “Águas de Março” — um dos duetos mais inspiradores da música popular, muito admirado pelas acentuações rítmicas e contornos melódicos e regravado por artistas do mundo inteiro.
Em 1975, Elis começou a conceber o espetáculo “Falso Brilhante”, uma retrospectiva de sua vida e obra, complementado por referências à “Nueva Canción” latino-americana (“Gracias a La Vida“, de Violeta Parra) e obras de novos compositores, nomeadamente Belchior.
A oposição à ditadura e os anos finais
No início dos anos 80, Elis fez novos acenos à música pop, incorporando o som de sintetizadores, e dialogou de forma mais intensa com os artistas do chamado Clube da Esquina. Entre os principais sucessos da época está “Alô, Alô, Marciano“, de Rita Lee e Roberto de Carvalho, recheada de tons de ironia e deboche à alta sociedade, e “Aprendendo a Jogar“, de Guilherme Arantes, onde a cantora faz uma bem sucedida experiência com a variação de timbre.
As obras de Elis Regina no período registram ainda o ambiente de tensão política e o incremento da oposição à ditadura. Elis já havia feito diversas críticas ao regime militar brasileiro e chegou a dizer, em plena vigência dos “anos de chumbo”, que o Brasil estava sendo “governado por gorilas”. Sua enorme popularidade desestimulou retaliações, mas a cantora foi fichada pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e mantida sob constante monitoramento.
No fim da década de 70, Elis intensificou sua militância gravando canções de protesto, nomeadamente “O Bêbado e a Equilibrista“, de João Bosco e Aldir Blanc — obra que receberia a alcunha de “hino da anistia”.
A cantora se reuniu com Lula algumas vezes e chegou a fazer um show para os metalúrgicos do ABC Paulista durante a greve de 1979. Em 1981, Elis se tornou uma das primeiras artistas de massa a se filiar ao Partido dos Trabalhadores (PT). Ela também atuou em prol da organização política de sua categoria, assumindo o cargo de presidente da Associação de Intérpretes e de Músicos (ASSIM).
Elis Regina faleceu em 19 de janeiro de 1982, aos 36 anos de idade, vitimada por uma intoxicação decorrente da mistura de bebida alcoólica com cocaína. Foi encontrada no quarto de seu apartamento em São Paulo pelo namorado, Samuel MacDowell, que não conseguiu socorrê-la.
Elis deixou três filhos — João Marcello Bôscoli, fruto de seu primeiro casamento com Ronaldo Bôscoli, e Pedro Mariano e Maria Rita, nascidos do segundo casamento com César Camargo Mariano. Sua morte trágica chocou o Brasil e causou profunda comoção popular. Dezenas de milhares de pessoas acompanharam o velório e o cortejo fúnebre até o Cemitério do Morumbi.
