83 anos de Huey Newton, fundador dos Panteras Negras
Revolucionário norte-americano fundou a mais combativa organização política do movimento negro dos EUA nos anos 60 e 70, mobilizando a luta contra opressão, segregação e violência policial
Há 83 anos, em 17 de fevereiro de 1942, nascia o revolucionário norte-americano Huey Newton. Ele foi fundador do Partidos dos Panteras Negras — a mais combativa organização política do movimento negro norte-americano nos anos 60 e 70 — e teve papel central na mobilização das comunidades afro-americanas na luta contra a opressão, a segregação e a violência policial.
A juventude de Huey Newton
Huey Percy Newton nasceu em Monroe, na Louisiana, filho caçula de Armelia Johnson e do pregador batista Walter Newton. A família vivia na região de Ouachita, historicamente marcada pela violência racial contra a população negra. Do período posterior à Guerra de Secessão até 1950, Ouachita registrou 37 linchamentos de negros — o quinto maior montante entre todos os condados do sul dos Estados Unidos.
Fugindo da violência, a família migrou para Oakland, na Califórnia. Eles não foram um caso isolado. Durante a primeira metade do século XX, cerca de 6 milhões de afro-americanos deixaram os estados do Sul, fugindo do racismo e das leis segregacionistas. Ainda assim, a infância de Newton foi repleta de privações, atribulações e contato com atitudes racistas.
Newton concluiu o ensino secundário na Escola Técnica de Oakland. Em seguida, ingressou no Merritt College, onde obteve o diploma de associado em artes em 1966. Posteriormente, matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade da Califórnia, onde se formou em 1974.
O jovem iniciou sua militância política ainda no Merritt College. Ele se filiou à Associação Afro-Americana (AAA) e tornou-se membro da Phi Beta Sigma, histórica fraternidade acadêmica da comunidade negra. Newton foi responsável por liderar a campanha que garantiu introdução do primeiro curso de história afro-americana no currículo do Merritt College. Na instituição, foi aluno de Donald Warden — líder da AAA e um dos pioneiros do movimento Black Power.
Durante a graduação, além do contato com a militância do movimento negro, Newton se dedicou a estudar as obras de Karl Marx, Lenin, Frantz Fanon, Mao Zedong e Che Guevara. Essas leituras tiveram um profundo impacto na sua visão política. Newton se tornou resoluto defensor do pensamento socialista e da revolução como instrumento de libertação do povo negro.
Os Panteras Negras
Foi também no Merritt College que Newton conheceu Bobby Seale, outro militante da Associação Afro-Americana. Juntos, os dois fundaram o Partido dos Panteras Negras. Criada em outubro e 1966, a organização se destacaria como uma das mais combativas e influentes do movimento negro norte-americano. Era um partido revolucionário de orientação marxista-leninista, inspirado pelos preceitos do maoísmo, pelo ideário do movimento Black Power e pelo nacionalismo negro de Malcolm X.
Os Panteras Negras contestavam o pacifismo das correntes majoritárias do movimento dos direitos civis e demandavam o fim da inércia diante da brutalidade policial. O partido pregava o direito à autodefesa dos afro-americanos — e, caso necessário, o uso da violência revolucionária para garantir a integridade física e o respeito aos direitos fundamentais da população negra.
Bobby Seale assumiu a presidência dos Panteras Negras e Newton se tornou o “ministro da defesa”. As diretrizes do partido estavam expressas em seu “Programa de Dez Pontos”, que reivindicava pautas como direito à moradia, pleno emprego, educação libertadora, saúde pública, fim da violência policial, desencarceramento e fim do racismo no sistema de justiça.
A principal marca dos Panteras Negras era o seu forte trabalho de base, calcado na organização política das comunidades afro-americanas, na mobilização das massas e na criação de programas sociais. O partido mantinha escolas e clínicas médicas comunitárias, fornecia alimentos e roupas para famílias carentes e mantinha um importante programa de alimentação matinal para estudantes negros em bairros pobres.

Huey Newton fotografo por Blair Stapp
As patrulhas armadas
Os Panteras Negras também criaram patrulhas armadas para coibir os abusos da polícia e os ataques de supremacistas brancos. Newton era responsável por coordenar as patrulhas e educar as comunidades negras sobre a necessidade da autodefesa.
Armados com fuzis, os Panteras Negras vigiavam as localidades conhecidos pela violência racial e monitoravam abordagens policiais para garantir que os direitos dos cidadãos negros fossem respeitados. As patrulhas impulsionaram a popularidade dos Panteras Negras nas comunidades afro-americanas — sobretudo após os protestos pela morte de Denzil Dowell, um jovem negro assassinado pela polícia de Richmond.
O uso de armas era permitido pela legislação da Califórnia e amparada pela Segunda Emenda da Constituição norte-americana. Existiam várias milícias compostas por civis brancos — e até mesmo grupos supremacistas se apoiavam na legislação para manter forças paramilitares. Mas bastou que os negros criassem suas patrulhas armadas para que a histórica tolerância do poder público em relação às armas de fogo fosse questionada.
As patrulhas dos Panteras Negras foram rotuladas como graves ameaças à sociedade e à segurança pública. As forças policiais receberam ordens para intensificar a repressão e o policialmente agressivo. Em 1967, Ronald Reagan, então governador da Califórnia, sancionou a Lei Mulford, proibindo o porte de armas de fogo em locais públicos. Os Panteras Negras chegaram a ocupar a Assembleia Legislativa da Califórnia para protestar contra a medida.
Problemas com a justiça
Em outubro de 1967, durante uma patrulha pelos bairros negros de Oakland, Newton foi abordado pelos policiais John Frey e Herbert Heanes. A abordagem evoluiu para um tumulto e culminou em um tiroteio. Newton e Heanes ficaram feridos e Frey morreu durante a ação.
Preso desde a morte do policial, Newton foi condenado por homicídio culposo em setembro de 1968, recebendo uma sentença de 15 anos de prisão. Os Panteras Negras iniciaram um movimento pela libertação de Newton, obtendo apoio de organizações norte-americanas e internacionais — incluindo o Partido Paz e Liberdade, agremiação socialista formada durante a campanha contra a Guerra do Vietnã. Em 17 de fevereiro de 1968, no aniversário de Newton, uma grande marcha exigindo sua libertação reuniu milhares de manifestantes em Oakland.
Em maio de 1970, a condenação de Newton foi anulada pelo Tribunal de Apelações. Dois novos julgamentos foram realizados, mas em ambos os casos o júri não entrou em acordo sobre o veredicto, levando a promotoria a retirar as acusações.
Logo após ser libertado da prisão, Newton recebeu um convite para visitar a China. Ele viajou ao país ao lado dos companheiros de partido Elaine Brown e Robert Bay. O grupo foi saudado por uma multidão em sua chegada. Newton se encontrou com primeiro-chinês Zhou Enlai e com Jiang Qing, esposa de Mao Zedong. Também travou contato com autoridades do Vietnã, da Coreia do Norte e da Tanzânia. A viagem o inspirou a incorporar elementos da filosofia Juche ao programa do partido.
Em 1973, Newton publicou sua autobiografia, intitulada “Suicídio Revolucionário”. O livro narra a trajetória de Newton desde sua infância até a formação dos Panteras Negras, combinando memórias pessoais, análises políticas e reflexões filosóficas. A obra também é um chamado à ação revolucionária, exaltando a abnegação dos que estão dispostos a lutar até as últimas consequências por justiça social e pela libertação do povo negro.
Newton voltou a ser detido em 1974. Ele foi acusado de ter assassinado uma prostituta de 17 anos chamada Kathleen Smith. Em outro processo, aberto de forma simultânea, Newton foi indiciado por agressão contra um alfaiate chamado Preston Callins.
Após o pagamento de fiança, Newton recebeu autorização para aguardar o julgamento em liberdade. Visando evitar novas prisões, ele fugiu para Cuba, onde permaneceu exilado por três anos e rebateu as acusações, classificando-as como um esforço de desqualificação dos Panteras Negras orquestrado pelas autoridades norte-americanas. Durante sua ausência, Elaine Brown assumiu a chefia dos Panteras Negras.
Newton retornou aos Estados Unidos em 1977 para responder às acusações. A principal testemunha da promotoria recusou-se a depor após sofrer uma tentativa de assassinato. O líder dos Panteras Negras foi submetido a dois julgamentos, nos quais, novamente, os júris não conseguiram chegar a um veredicto — levando a promotoria a desistir do caso. No outro processo movido por Preston Callins, Newton foi absolvido.
Os últimos anos
Newton se doutorou em filosofia pela Universidade da Califórnia, apresentando a tese “Guerra contra os Panteras: um estudo de repressão na América”. A obra versa sobre as ações de repressão, infiltração, sabotagem e incriminação conduzida pelos órgãos do governo dos Estados Unidos contra os Panteras Negras — caracterizados pelo diretor do FBI, J. Edgar Hoover, como “a maior ameaça à segurança interna do país”. A tese também aborda os assassinatos de militantes como Fred Hampton, Bunchy Carter e John Huggins e denuncia o preconceito institucional do poder judiciário.
A repressão do governo norte-americano, as ações de contrainteligência movidas pelo FBI e o assassinato de várias lideranças fizeram com que os Panteras Negras entrassem em declínio em meados dos anos 70. A crise se agravou diante dos crescentes questionamentos à gestão de Newton.
O líder da agremiação passou a abusar das drogas e foi acusado de desviar verbas das escolas comunitárias do partido para sustentar o seu vício. Newton também foi acusado de sexismo e apontado como responsável por ordenar o espancamento de Regina Davis, que teria repreendido a conduta de um membro masculino do partido.
As atitudes de Newton fizeram com que vários membros abandonassem a organização — incluindo Elaine Brown. Em 1980, o partido havia se reduzido para apenas 27 membros e já não tinha recursos para manter suas atividades.
Em 1982, Newton dissolveu o Partido dos Panteras Negras, após ser acusado de peculato e desvio de verbas, motivo pelo qual foi condenado a seis meses de prisão. Essas acusações foram retiradas seis anos depois, em março de 1989.
Huey Newton foi assassinado em 22 de agosto de 1989. Ele foi alvejado por Tyrone Robinson, um traficante que estava em liberdade condicional. Robinson alegou ter agido em legítima defesa, mas nenhuma arma foi encontrada com Newton.
O crime permanece como uma incógnita até hoje. A polícia alegou se tratar de crime comum, causado por desavenças pessoais, mas muitos membros do movimento negro acreditam que a morte de fundador dos Panteras Negras foi mais um assassinato político encoberto pelo governo dos Estados Unidos.
