Terça-feira, 13 de maio de 2025
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Há 83 anos, em 23 de abril de 1942, Olga Benário Prestes era assassinada na câmara de gás do campo de extermínio de Bernburg, na Alemanha nazista. Ela fora entregue ao regime de Hitler pelo governo de Getúlio Vargas, após ser presa por sua participação no Levante Comunista de 1935.

Ativa na militância comunista desde a juventude, Olga se tornou uma das mais destacadas agentes da Comintern e foi designada pelo governo soviético para proteger e auxiliar Luiz Carlos Prestes durante a articulação do movimento revolucionário no Brasil.

Com o fracasso da insurreição, Olga foi capturada e deportada, a despeito de estar grávida de Prestes. Uma campanha internacional conseguiu libertar a criança, nascida no cárcere, mas Olga permaneceria prisioneira dos nazistas até a sua execução.

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Juventude e militância no KPD

Olga Gutmann Benário nasceu em Munique, na Alemanha, em 12 de fevereiro de 1908, em uma família judia de classe média alta. Seu pai, Leo Benário, era militante do Partido Social-Democrata Alemão e um advogado respeitado, conhecido por defender os trabalhadores e as causas sociais. Sua mãe, Eugénie Gutmann, tinha posturas mais conservadoras e elitistas, frequentemente entrando em atrito com os demais membros da família.

A juventude de Olga transcorreu em um ambiente marcado pelas tensões políticas. A derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial e a grave crise financeira criaram um ambiente de instabilidade e radicalização da classe operária. Alarmada com o crescimento da esquerda revolucionária, a burguesia alemã passou a fomentar os movimentos de extrema-direita, pavimentando o caminho para a ascensão do nazismo.

Após concluir o ensino básico no Luisengymnasium, Olga passou a trabalhar comercializando livros, ao lado do editor Georg Müller. Foi nesse período que a jovem conheceu o militante comunista Otto Braun, seu futuro namorado.

Otto teve grande influência na formação política de Olga. Ele a incentivou a ler os textos marxistas e a introduziu nos movimentos socialistas de Munique. Em 1923, Olga se filiou à seção juvenil do Partido Comunista Alemão (KPD). Ela se tornaria uma militante bastante ativa, ajudando a organizar panfletagens, passeatas e manifestações.

Após uma série de conflitos motivados por divergências ideológicas com a família, Olga se mudou para Berlim, acompanhada de Otto Braun. O casal se fixou em Neukölln, um bairro operário conhecido por abrigar muitos militantes e organizações socialistas.

Em Berlim, o clima de turbulência política era ainda mais evidente. A cidade era palco de enfrentamentos constantes e as ações das milícias de extrema direita se tornavam cada vez mais violentas.

Olga seguiria liderando uma série de iniciativas para angariar apoio da classe operária — chegando a ser nomeada para chefiar a Secretaria de Agitação e Propaganda do KPD em Berlim. Ela também participaria dos embates contra paramilitares de extrema-direita em Kreuzberg.

Wikimedia Commons
A última fotografia de Olga Benário

Invasão à prisão de Moabit

Em 1926, Olga e Otto foram presos, acusados de “subversão” e “alta traição à pátria”. Sem provas contundentes que a incriminassem, a jovem foi posta em liberdade após alguns meses. Otto, entretanto, permaneceu encarcerado e incomunicável, sob suspeita de ser um agente do governo soviético.

Decidida a libertar Otto, Olga convenceu seus colegas de partido a realizarem uma invasão à prisão de Moabit, no centro de Berlim. Foi ela mesma quem coordenou a operação, levada a cabo em 11 de abril de 1928.

Aproveitando-se do fato de que Otto seria conduzido para uma audiência no interior da prisão, um pequeno grupo de militantes armados invadiu o recinto, rendendo os guardas, o escrivão e o Secretário de Justiça.

A ação foi bem-sucedida. Após o resgate, o grupo se dispersou pelas ruas de Berlim, frustrando a perseguição policial. A ousadia da ação impressionou as autoridades alemãs. Cartazes com os rostos de Olga e Otto foram espalhados por toda a cidade e até uma recompensa de 5.000 marcos foi oferecida a quem denunciasse o paradeiro do casal.

Atividades na União Soviética

Perseguidos na Alemanha, Olga e Otto fugiram para a União Soviética. Saudados pela combatividade, eles seriam integrados à Seção Juvenil da Internacional Comunista (Comintern) e encaminhados para a realização de cursos políticos e de treinamento militar.

Olga ingressou na Escola Internacional Lenin, voltada à formação de lideranças do movimento comunista, e aprendeu técnicas de organização, propaganda e contrainteligência. Ela também fez cursos de paraquedismo e pilotagem de aviões na Academia Zhukovsky.

A dedicação, inteligência e disciplina da jovem impressionaram os instrutores da Comintern, que passaram a considerá-la um quadro ideal para missões internacionais.

Ainda em 1931, Olga foi incumbida de sua primeira missão: intervir nas eleições da Juventude Comunista Francesa, buscando neutralizar os grupos sectários e aprofundar os vínculos com Moscou.

Pouco tempo depois, Olga se separou de Otto e passou a trabalhar como instrutora da Seção Juvenil da Comintern. Em 1931, ela conheceu o revolucionário brasileiro Luiz Carlos Prestes, recém-chegado à União Soviética.

Em meados da década de 1920, Prestes havia liderado um movimento militar revolucionário — a célebre Coluna Prestes, que percorreu mais de 25 mil quilômetros pelo Brasil e ajudou a enfraquecer o governo oligárquico da República Velha. Por esse motivo, ele era visto pelo governo soviético como uma das maiores esperanças para a concretização de um levante comunista na América Latina.

A vinda ao Brasil e o Levante de 1935

Integrado aos quadros do PCB por ordem de Moscou, Prestes foi incumbido pela Comintern de ajudar a articular o movimento insurrecional no Brasil. Já Olga recebeu a missão de proteger Prestes e auxiliá-lo com a organização política.

Olga e Prestes chegaram ao Brasil em abril de 1935, utilizando passaportes falsos. Eles viajaram de navio desde a Europa, posando como um casal em lua de mel. A relação entre os dois, a princípio estritamente profissional, evoluiria para um envolvimento afetivo e eles logo se tornariam um casal de verdade.

No Rio de Janeiro, Olga e Prestes deram início à missão de fomentar um movimento revolucionário, contando com apoio do aparelho do Comintern na cidade e do Secretariado Latino-Americano, sediado em Montevidéu, no Uruguai.

Prestes intencionava utilizar a Aliança Nacional Libertadora (ANL) para promover a mobilização das massas em favor de um levante. Vinculada ao PCB, a ANL era uma frente antifascista e anti-imperialista, que congregava militares egressos do movimento tenentista, simpatizantes do socialismo.

A organização se destacaria por fazer uma oposição vigorosa tanto ao governo de Getúlio Vargas quanto aos integralistas. O programa da ANL defendia medidas como a nacionalização de empresas estrangeiras, a instituição da reforma agrária e a suspensão do pagamento da dívida externa.

A ANL se expandiu rapidamente, estabelecendo núcleos em diversas partes do Brasil e atraindo multidões aos seus comícios. Em julho de 1935, incomodado com o crescimento da organização, Vargas determinaria o fechamento da ANL com base na Lei de Segurança Nacional.

Os setores revolucionários da ANL, entretanto, seguiram atuando clandestinamente e preparando a insurreição armada. O levante teve início em novembro de 1935, eclodindo na cidade de Natal.

Prestes tentou difundir a insurreição pelo resto do país, mas o movimento teve baixa adesão. Apenas algumas unidades militares do Recife e do Rio de Janeiro se sublevaram. As tropas do governo conseguiram controlar rapidamente a situação, encerrando o Levante Comunista em poucos dias.

Chefiada por Filinto Müller, a polícia política de Vargas desencadeou uma violenta repressão contra os comunistas e prendeu milhares de militantes — incluindo o casal Arthur e Elise Ewert (dita Sabo), membros do Comintern, ambos brutalmente torturados. As sevícias enlouqueceram Arthur, que passaria o resto da vida recluso em um manicômio.

Prisão, deportação e assassinato de Olga

Olga e Prestes foram capturados no Rio de Janeiro em março de 1936. As tropas de Filinto Müller foram orientadas a eliminar Prestes, mas Olga impediu que o dirigente comunista fosse alvejado, protegendo-o com o próprio corpo. Logo após ser encaminhada para a Casa de Detenção, Olga descobriu que estava grávida de Prestes.

O governo alemão, já sob controle do regime nazista de Adolf Hitler, solicitou a extradição de Olga Benário e Elise Ewert, ambas de origem judaica. A defesa solicitou o indeferimento do pedido por razões humanitárias, alegando que a deportação para a Alemanha colocaria em risco a vida das militantes.

O advogado de Olga também argumentou que a extradição seria ilegal, já que sua cliente estava esperando o filho de um cidadão brasileiro. Não obstante, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou o pedido de extradição, assinado pelo ministro da justiça, Vicente Rao. Getúlio Vargas se negou a intervir, referendando o ato de expulsão.

Olga e Elise foram deportadas para a Alemanha a bordo do cargueiro La Coruña, sob protesto do próprio capitão da embarcação. Os soviéticos elaboraram um plano para tentar resgatá-las durante uma escala que o cargueiro faria no porto de Southampton, no Reino Unido, mas os serviços de informação ingleses impediram a ação.

O navio aportou na Alemanha em outubro de 1936. Mesmo sem nenhuma acusação formal, Olga foi enviada para o presídio feminino de Barnimstrasse, administrado pela Gestapo, enquanto Elise foi encaminhada para o centro de detenção de Lübeck.

Em Barnimstrasse, Olga deu à luz sua filha, batizada Anita Leocádia. Uma campanha humanitária internacional organizada pela família de Prestes e encampada pelo Comintern pressionou o governo alemão, que autorizou que a criança fosse entregue aos cuidados da avó paterna.

Em 1938, Olga e Elise foram transferidas para o campo de concentração de Lichtenburg. No ano seguinte, ambas foram enviadas para o campo de extermínio de Ravensbrück, infame pelo regime de trabalho escravo e pelos experimentos macabros conduzidos pelo médico Karl Gebhardt.

A documentação produzida pelo regime nazista nesse período, o chamado “Processo Benário” (conjunto de oito dossiês com mais de 2.000 folhas), relata que Olga era considerada pela Gestapo como “uma comunista perigosa e obstinada”, “inimiga do Estado da Alemanha Nazista” e que “durante os interrogatórios realizados não relatou nada sobre suas atividades comunistas”. A documentação diz ainda que Olga se dedicava a dar aulas de história, ginástica e a promover a solidariedade entre as prisioneiras.

Elise Ewert foi submetida ao trabalho escravo e inúmeras torturas. Faleceu no campo de Ravensbrück em 9 de fevereiro de 1940, aos 32 anos. Olga foi transferida para o campo de extermínio de Bernburg, sendo executada na câmara de gás em 23 de abril de 1942, aos 34 anos de idade, ao lado de outras 199 prisioneiras. Sua família só foi alertada sobre sua morte em julho de 1945, após o fim da Segunda Guerra na Europa e a derrocada do regime nazista.