Há 83 anos, em 4 de julho de 1941, tropas da Alemanha nazista, auxiliadas por colaboradores ucranianos, assassinavam educadores, intelectuais e cientistas no Massacre dos Professores de Lviv. A chacina deixou cerca de 50 mortos e integrou a chamada Operação AB-Aktion — campanha nazista que visava eliminar intelectuais poloneses.
Fundada no século 13 pelo rei Daniel da Rutênia, a cidade de Lviv, hoje situada na Ucrânia, esteve sob domínio de diversos povos ao longo dos séculos. Foi a capital do Reino da Galícia–Volínia e integrou o Reino da Polônia antes de ser anexada ao Império Austro-Húngaro, ao qual permaneceu ligada até a Primeira Guerra Mundial. Com o colapso do Império em 1918, a cidade se tornou um dos pontos focais da disputa entre Polônia e Ucrânia.
Lviv chegou a ser proclamada como a capital da efêmera República Popular da Ucrânia Ocidental, mas retornou ao domínio da Polônia em 1921, após o fim da Guerra Polaco-Ucraniana e a assinatura do Tratado de Riga.
Durante o período entreguerras, Lviv se consolidaria como um dos mais proeminentes centros culturais e acadêmicos da Polônia. A cidade sediava diversas universidades e centros de pesquisa, incluindo a Universidade de Lviv e a Escola Politécnica. Foi na Universidade de Lviv que Rudolf Weigl desenvolveu sua pioneira vacina contra o tifo e que expoentes das ciências exatas como Stefan Banach e Hugo Steinhaus fizeram suas carreiras.
Como um reflexo de sua história atribulada, Lviv também se destacava por sua diversidade étnica e cultural, congregando povos de várias origens. A cidade abrigava uma expressiva e próspera comunidade judaica e uma significativa parcela de habitantes ucranianos. Essa diversidade fomentava o descontentamento dos chauvinistas no governo polonês, que buscava forçar a “polonização” de Lviv através da repressão às culturas, tradições e instituições ligadas às demais comunidades.
Em 1º de setembro de 1939, a Polônia foi invadida por tropas da Alemanha nazista, marcando o início da Segunda Guerra Mundial. Três semanas depois, o Exército soviético ocupou militarmente a porção oriental do país, incluindo a região de Lviv. Diante do fracasso das negociações para estabelecer uma aliança militar com Reino Unido e França para conter a Alemanha, e ciente de que a guerra com o Terceiro Reich era mera questão de tempo, o líder soviético Josef Stalin assinara pacto de neutralidade com o governo alemão. A ocupação da Polônia serviria para criar um estado-tampão entre a Alemanha e o território soviético e possibilitar a abertura de um corredor para o deslocamento das tropas soviéticas quando o conflito começasse.
Durante a ocupação, o governo soviético incentivou a ucranização de Lviv, impondo o idioma ucraniano nas universidades e exonerando acadêmicos poloneses ligados ao governo deposto. Mas seria algum tempo depois, após a tomada da cidade por tropas nazistas, que a cidade seria submetida a uma onda de repressão e violência sem precedentes. Em junho de 1941, Lviv foi capturada pelo Exército alemão durante a Operação Barbarossa — a gigantesca operação de invasão do território soviético empreendida pelas tropas do Eixo.
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Após a captura de Lviv, os alemães deram início à repressão contra a população judia. Os nazistas impuseram o confinamento dos judeus em guetos e incitaram a realização de pogroms brutais. Uma sequência de massacres e chacinas foram realizadas nos primeiros dias de ocupação, matando mais de quatro mil judeus.
Essas ações eram levadas a cabo por tropas regulares do Exército nazista, por unidades da Abwehr (serviço de informação alemão) e pelos Einsatzgruppen (esquadrões da morte vinculados às SS). Para perpetrar os massacres, os nazistas também contaram com o auxílio dos colaboracionistas ucranianos, sobretudo paramilitares vinculados à Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN), liderada por Stepan Bandera.
Comunistas, socialistas, líderes sindicais e grupos étnicos considerados “inferiores”, como os eslavos e o povo roma, também foram perseguidos pelos nazistas e colaboradores ucranianos, sendo confinados e executados nas instalações da Gestapo, nas prisões de Brygidki e Zamarstyniv, nos campos de concentração em Vynnyky e nas Colinas de Kortumówky. Por fim, os nazistas iniciaram a repressão aos educadores e intelectuais, como parte da AB-Aktion — “Außerordentliche Befriedungsaktion” ou “Operação Extraordinária de Pacificação”.
A Operação AB-Aktion era uma campanha de extermínio dirigida pelos nazistas contra a elite intelectual polonesa, incluindo professores, cientistas, artistas, escritores, jornalistas, clérigos, líderes comunitários e políticos proeminentes. A operação era parte de estratégia que visava ampliar o controle da população e enfraquecer a identidade nacional. Na visão dos nazistas, a erradicação dos intelectuais minaria a capacidade de organização e resistência dos poloneses, facilitando a germanização e a anexação da Polônia ao Lebensraum — o “espaço vital” que Adolf Hitler julgava ser necessário para estabelecer a hegemonia do povo ariano.
A operação era executada com base em listas de intelectuais, indivíduos proeminentes e influentes compiladas pelas forças de ocupação alemãs, incluindo a Gestapo e as SS. Frequentemente, os nazistas contavam com a colaboração da população local para elaborar essas listas. Os indivíduos eram então presos em batidas e incursões e encaminhados para a execução sumária ou deportados para campos de concentração e extermínio.
O Massacre dos Professores de Lviv foi um dos vários expurgos levados a cabo pelos nazistas no âmbito da Operação AB-Aktion. Na madrugada de 4 de julho de 1941, soldados nazistas, milicianos dos Einsatzgruppen e nacionalistas ucranianos do Batalhão Nachtigall foram até as casas dos professores e intelectuais da cidade e os conduziram até um centro de detenção, onde foram interrogados, espancados e torturados ao longo da madrugada. A lista dos professores que deveriam ser alvos da operação foi elaborada por estudantes ucranianos simpatizantes do nazismo ou ligados à OUN.
No começo da manhã, os professores, intelectuais e seus familiares foram levados até Colinas de Wuleckie, onde foram fuzilados, queimados vivos ou assassinados a marteladas e golpes de baioneta. Cerca de 50 pessoas morreram durante o massacre.
Dentre as vítimas, estavam o jurista Roman Longchamps de Bérier e seus três filhos, os professores Wlodzimierz Krukowski, Tadeusz Ostrowski e Kazimierz Bartel, o poeta Tadeusz Boy-Zelenski, o economista Henryk Korowicz e os matemáticos Antoni Lomnicki e Stanislaw Ruziewicz. Ao Longo do dia, os soldados nazistas assassinaram outras pessoas que não tinham sido localizadas nas batidas realizadas durante a madrugada.
A Operação AB-Aktion conduziria diversos novos massacres de intelectuais poloneses nos meses seguintes. Estima-se que mais de sete mil pessoas foram assassinadas durante a operação. Mas a escala das atrocidades cometidas pelos nazistas em Lviv aumentaria de forma exponencial a partir de 1942, quando os alemães iniciaram a deportação em massa de judeus, ciganos, comunistas e outras pessoas tidas como “indesejáveis” para o campo de extermínio de Belzec.
Os expurgos nazistas exterminaram quase todos os 120 mil judeus que residiam em Lviv — mais de um terço da população total da cidade.
Não houve qualquer punição aos responsáveis pelo Massacre dos Professores de Lviv. Em 1960, Helena, viúva do professor Wlodzimierz Krukowski, recorreu a um Tribunal de Hamburgo solicitando a punição dos assassinos, mas a ação foi encerrada sob a alegação de que os responsáveis já estavam mortos. A alegação, entretanto, era falsa, já que Hans Krueger, comandante da Gestapo que supervisionou a ação, estava vivo e residindo na Alemanha. Walter Kutschmann, outro oficial da Gestapo identificado como responsável pelo massacre, faleceu na Argentina em 1986, sem jamais ter sido punido por seus crimes.