Há 88 anos, em 19 de agosto de 1936, o poeta e dramaturgo espanhol Federico García Lorca, expoente da intelectualidade antifascista dos anos trinta, era fuzilado pelas tropas nacionalistas de Francisco Franco. Terminava assim a carreira de um dos grandes gênios do teatro do século 20, dono de uma obra extremamente e original, marcada pela profunda conexão com a cultura andaluza e pela bem sucedida fusão das tradições populares e as linguagens modernas.
Federico García Lorca nasceu em Fuente Vaqueros, um pequeno vilarejo na província de Granada, em 5 de junho de 1898. Concluiu o ensino básico no Colégio do Sagrado Coração de Jesus. Em 1914, ingressou na Universidade de Granada, onde estudou Filosofia, Literatura e Direito. Durante a graduação, envolveu-se profundamente com as atividades culturais universitárias, interessando-se por poesia, música, teatro e artes visuais. Tornou-se membro do grupo “El Rinconcillo”, que viajava pela Espanha para registrar as características socioeconômicas e as manifestações culturais do país. Em 1918, publicou seu primeiro livro, intitulado “Impressões e Paisagens”, baseado nas experiências vivenciadas durante suas andanças pelo território espanhol.
Em 1919, Lorca se mudou para Madri, onde travou contato com a vanguarda artística espanhola, tornando-se amigo de Luis Buñuel e Rafael Alberti e mantendo um relacionamento íntimo com Salvador Dalí. Em 1921, escreveu sua primeira peça de teatro, “O Malefício da Mariposa”, marco do teatro moderno espanhol. No mesmo ano, publicou seu “Livro de Poemas”, que lhe rendeu fartos elogios da crítica local, impulsionando sua carreira. Manuel de Falla elaborou composições para suas peças e Salvador Dalí o introduziu na arte da pintura.
A partir de 1925, Lorca começou a colaborar com as revistas literárias madrilenhas, escrevendo artigos para “La Gaceta Literaria” e para a “Revista de Occidente”. Consagrou-se definitivamente na segunda metade da década de 20, com a publicação de uma série de textos valorizando a música popular e o folclore espanhol, resgatando o valor da cultura muçulmana e enaltecendo a arte dos grupos marginalizados, como os negros, judeus e ciganos. As obras “Canções Ciganas”, de 1927, e “Romanceiro Cigano”, de 1928, lhe granjeariam uma posição de destaque no rol dos grandes poetas espanhóis do século XX.
Em 1929, Lorca viajou para Nova York, onde estudou como bolsista na Universidade de Colúmbia. A experiência lhe permitiu desenvolver uma visão crítica sobre o capitalismo e a brutalidade da “civilização mecanizada”, intensificada após observar os problemas sociais e a exploração inclemente dos trabalhadores de Cuba nas mãos dos latifundiários e empresários norte-americanos. Sua ojeriza ao “American Way of Life” seria expressa na obra “Um Poeta em Nova York”, publicada postumamente.
Em 1931, Lorca retornou à Espanha e fundou a companhia teatral “La Barraca”, que se dedicava a percorrer vilarejos em todo o país com encenações de autores como Cervantes e Félix Lope de Vega. Dedicou-se igualmente a escrever sobre a homossexualidade em textos como “O Público” — obra que aborda a liberdade erótica e critica a repressão ao amor homossexual. Os textos, polêmicos na Espanha dos anos 30, bem como sua franqueza em relação à própria homoafetividade, lhe renderam a perseguição inclemente dos conservadores espanhóis.
Em 1933, Lorca empreendeu uma viagem à América Latina, passando por países como Argentina, Uruguai e Brasil. O contato com a exclusão social desses países aprofundou sua adesão ao ideário socialista e o poeta tornou-se cada vez mais engajado politicamente.
Criticou enfaticamente a ascensão do fascismo na Espanha, denunciou a repressão norte-americana em Porto Rico e a perseguição política contra os comunistas durante o governo de Getúlio Vargas. Também denunciou a ditadura de Salazar em Portugal, a invasão da Etiópia pelas tropas de Benito Mussolini e a perseguição de Manuel Azaña pelo regime de Gil-Robles.
No mesmo período, Lorca publicou a trilogia trágica que o firmaria como um dos maiores dramaturgos espanhóis de todos os tempos, compostas pelas peças “Bodas de Sangue” (1933), “Yerma” (1934) e “A Casa de Bernarda Alba” (1936). Na poesia, destacou-se pelas elegias à sua terra e à gente andaluza (“Seis Poemas Galegos”, “Poemas Soltos”, “Cantares Populares”, etc.).
Em meados de 1936, após o a sublevação das tropas nacionalistas comandadas por Francisco Franco e subsequente eclosão da Guerra Civil Espanhola, Lorca se aproximou dos anarquistas, socialistas e comunistas, tornando-se apoiador da Frente Popular — movimento que congregava os republicanos e se opunha à ascensão do fascismo franquista. O poeta tornou-se então alvo de uma violenta campanha de desqualificação, encampada por ideólogos franquistas e reverberada por grande parte da imprensa espanhola. Ele foi acusado de “práticas sexuais imorais”, de corrupção de menores e de praticar o “marxismo judeu”.
Com o acirramento do conflito, Lorca recebeu ofertas de refúgio dos embaixadores da Colômbia e do México, preocupados com a possibilidade de que o dramaturgo fosse alvo de atentados, dada sua proximidade com o governo republicano. Ele preferiu seguir para Granada, a fim de se reunir com sua família. A cidade, entretanto, logo cairia sob controle das tropas nacionalistas e se tornaria cenário de uma implacável repressão aos republicanos.
No dia 16 de agosto de 1936, Lorca foi preso na casa de um amigo, o poeta Luis Rosales. Sua captura foi ordenada pelo parlamentar reacionário Ramon Ruiz Alonso, infame dirigente da Falange Espanhola. Após sua prisão, o dramaturgo foi mantido em cativeiro por três dias. Em 19 de agosto de 1936, Lorca foi fuzilado pelas tropas franquistas em um campo de Víznar, nos arredores de Granada, tornando-se uma das primeiras das mais de 650 mil vítimas que tombariam ao longo da Guerra Civil Espanhola.